Pesquisa

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

construção de utopia

Isso já aconteceu outras vezes.
Sim. Não é novidade.
Sim. Mas você se lembra... A gente não saiu do lugar.
Sim. Não saímos.
E então? Não acho que conseguiremos dessa vez.
Mas é claro que conseguiremos.
É claro? Onde?
É óbvio. Amadurecemos.
Ah, sim. O tempo passou, você quis dizer.
Sim, o tempo passou. E nós mudamos, nós estamos melhores, mais bem resolvidos.
Mais bem?
É. Melhor.
E o conflito?
Como?
O conflito... Aquele que nunca tivemos... Ele apareceu?
Era eu quem tinha que arranjar um?
Não era?
Não sei. Você não sabe? Quer dizer, não tem?
O quê?
Um conflito qualquer, um probleminha, um estresse, qualquer coisa...
Eu tenho, eu tenho, eu tenho sim... Eu tenho um... Um vazamento no teto do meu quarto.
Não serve.
Não serve?
Não. É um problema tão pessoal, tão subjetivo... Não se lembra? Tem que ser algo mais forte.
Forte tipo o quê? Alguém morreu?
Isso. Quase isso.
Alguém morreu?
É, por aí...
Não! Eu estou te perguntando... Alguém morreu?
Sim. É claro. Sempre morre alguém.
Sempre?
Sempre.
A todo o instante?
Sim, de um em um segundo morre gente.
Como você sabe?
Eu li.
Onde?
Numa revista?
Qual?
Não me lembro.
Como não se lembra?
Esqueci... Mas fiquei parado nisso. Nisso de morrerem pessoas de um em um segundo.
É verdade... É forte. Se a gente parar para pensar. O tempo deixa de ser tempo simplesmente e vira uma carroça cheia de cabeças por ele guilhotinadas.
Nossa... Talvez sim, talvez sim... Mas você sabe?
O quê?
Isso quer dizer que encontramos um conflito...
Um problema.
Uma força motriz.
Algo que nos impulsionará e alargará nosso destino!
Para além destas palavras...
Além...
Para além destas palavras...
Sim. Eu entendi.
E agora?
O quê?
Que é que a gente faz com o conflito?
Usa.
Usa como?
Tira partido dele.
Como tirar partido da morte?
Alguém terá que morrer.
Isso é dramático?
Depende de quem for morrer.
No caso se for você...
No caso talvez você...
Tudo bem, caso fosse eu, presta a atenção, se fosse você, por exemplo, o que isso causaria ao mundo? Nada?
Nada.
Exato. Muita coisa está implícita neste nada...
Não serei eu.
Sim, será você. 
Serei ei?
Sim.
Eu?
Serei eu.
Você?
Não. Você.
Serei eu?
Sim, mas eu quem o fará.
O quê?
O conflito se estabelecer.
Como?
Abre a boca.
Ah?
Engole isso aqui?
Chumbo?
Binho.
Binho?
Diminutivo.
De quê?
Deste veneno que acabaste de engolir.
Não era bala?
Nem doce.
Tic-Tac?
Veneno.
De rato?
Igual o daquela atriz.
Quem?
Não lembro o nome.
Qual?
A que fazia filmes...
Naturalmente...
Pornôs...
Não sei...
Em breve a conhecerás.
Adeus...
Adeus.
Você sente o conflito?
Quem?
O conflito chegando. Você sente?
Eu sinto... Não, eu não sinto. Enfim, ele deve estar vindo...
Se eu encontrar com ele, aviso que você está esperando...
Avisa sim!
Obrigado!
Nada.
Não saia daí, tá? Para não desencontrar?
Sim.
Qualquer coisa grita.
Sim...
Que eu não vou te escutar.
Sim. Sim. Sim.
Sente?
Estou sentindo...
Agora é só você e seu conflito.
Eu e ele.
Não.
Não?
Não.
Eu e ele...
Ele... É... Você.
É você?
Você.
E você?
Estou dentro da sua cabeça. E nada há mais. Para além disso... São só palavras. Palavras... Sós... Só isso. E mais nada.

Um comentário:

Anônimo disse...

forte e belo

Flávia

Postar um comentário