O que estamos fazendo não é justamente aquilo que condenamos?
Falamos como se a nossa ação no mundo fizesse alguma diferença. Desatamos a falar como se soubéssemos o que estamos dizendo. Somos imagens, por vezes, apenas imagens. E não percebemos aquilo que realmente nos faz ser quem somos.
Seria como eu não saber algumas premissas básicas sobre quem eu sou: eu sou um homem, um ser humano, eu sou um artista, eu cheguei - certa vez - tão perto da morte, que a morte virou meu mote de pesquisa. Meu mote mor. Eu crio imagens, como artista, para possibilitar entender alguma coisa não sobre mim, mas sobre o que fazemos com nós mesmos. O que fazemos de nós mesmos.
Eu não quero temer a morte. Eu não preciso disso. Por isso eu não a temo. Eu não quero ter pena de mim mesmo. Não quero. Eu quero é ter um medo profundo, imenso, colossal, de ser responsável por assassinar diariamente alguma vida em mim, apenas por não vivê-la.
Chega desse papo de ser ou não. Eu não estou falando de ser. Eu estou falando de não ser. Como é possível, sabe-se lá por qual motivo, como é possível deixar de ser aquilo que dentro te grita, requisita, a cada noite, a cada dia, pedindo atenção?
Eu, como artista, talvez acredite que o mundo ainda tenha solução. E talvez ele nem esteja perdido, mas é meu objetivo ver morte onde há vida. Ver breu onde a luz ainda pisca. Eu preciso ver aquilo que nossos olhos se esqueceram de ver, aquilo que nos foi dito que não fazia parte da vida.
A morte. Meu deus, por que falamos tanto deus quando queremos exclamar aquilo que não conseguimos compreender? Deus sempre vem para dar conta do impossível. Deus e o impossível são sempre os melhores amigos. Por que será?
Suspeito que sejam os dois - deus e o impossível - coisas que não existem. Nomes apenas. Vácuo de sentido. São coisas que não existem, mas que me eximem da façanha que é estar vivo. Eu não quero redenção. Eu estou aqui. Deus sempre me segrega, me tira da exigência de ter que dialogar o mundo comigo mesmo. Dialogar a dúvida suprema com a inconstância constante do peito. Penso em mentira. As mentiras escondem sim o vasto mundo querendo acontecer. É por isso que eu minto. Eu minto para aprender a acreditar.
Eu não estou morto.
Não ainda.
Mas é brincando de morte que eu descubro os caminhos que me levam rumo a tudo aquilo que eu não desejo ser. É mentindo que eu invento a fantasia que num certo dia, numa certa manhã, poderá me salvar, fazendo-me escolher seu beijo ao invés daquele tiro (sempre tão óbvio).
É fácil morrer.
Sempre foi.
Escândalo desnecessário é isto que fizemos do estar vivo.
Vivemos como se já tivéssemos ido. Como se tivéssemos partido.
Eu fui criado por qual motivo?
Procuro - agora! - aqui
alguma pista que me devolva a razão
que me dê motivo.
Quem foi que disse o que é preciso ser feito?
Quem disse como fazer?
Quando foi que nos calibramos a ser apenas o mal ou o bonzinho?
Cafona!
Eu hoje vasculho minhas próprias e rasas memórias para encontrar alguma coisa que desfaça a agonia de mentira que me impede de – realmente – encarar a coisa toda.
Tal qual ela se anuncia.
Eu já quis dormir para sempre
eu já quis morrer
talvez sonhar para sempre.
Eis o maior obstáculo
de estar vivo
hesitar e não saber como atravessar o soluço da dúvida
Como é possível hesitar tanto?
Nos obrigamos a hesitar
da mesma forma como nos obrigamos a repetir o já feito!
Num país imenso
como é o corpo
como são inúmeros sentimentos
Sem muros nem linhas sem nada a nos delimitar
se hesita para quê?
Se todas as linhas invisíveis ganhassem cor, veríamos por fim
que todos os traços
fazem sempre o mesmo destino:
um ao outro ligar
ligar eu a você
você a outro alguém
Então
se é possível ir e não ir
ter e não ter
ser e não ser
Quando foi que nos sobraram apenas duas alternativas?
Num mar revolto de possibilidades
possibilidades querendo acontecer
quando foi que nos prendemos apenas a uma
ou outra?
Muitas mãos me abraçam neste instante
Muitos caminhos
curvas tantas
linhas pontos
Tudo salta
e me chama
Por isso eu não posso
e nem quero
parar
Eu preciso fazer do meu corpo
Encruzilhada
para que nele possam outras vidas
Além da minha
habitar.
Pois se você me olha
e no seu olhar eu me espelho
quer dizer então
que eu sou mais que eu
desde que meus olhos
também te vejam.
É isso.
É isso.
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