rio de janeiro, 30 de dezembro de 2012
meus filhos,
meus filhos,
seu pai tem agora a pele machucada. ele cuida do que tem. medica. lava. se pudesse, tal qual se (não) faz com as roupas, passaria a ferro quente. pele a pelo. e deixaria tudo mais apresentável. mas acontece, filhos meus, que seu pai está faz dias em silêncio. faz dias, dentro de casa. e mesmo quando sai (dentro permanece).
e mais um ano se encerra, e o corpo do papai se enche de melancolia. se enche (talvez) de culpa. me entendam: é muito o já dito, ainda mais o já feito. e mesmo assim, a paz no corpo está longe de chegar. o papai pensa na guerra que pode vir a ser o próximo ano. e tem medo. tem mais, eu diria, tem preguiça. não quer brigar tanto para ver acontecer a própria vida.
a vida deveria ser autônoma.
ou não, meus filhos. talvez nem seja isso. seja só um descontentamento de estação. está tão calor nesta minha cidade do rio de janeiro que eu nem sei. sinceramente, nem sei. não sei do que se passa sobre meu corpo, nem dentro, quiçá fora. fora, vejo avenidas encharcadas de cerveja, vejo suor seduzindo a todos e a todas. tudo é tão bruto tão escuso que eu me tranco em casa na esperança de parecer menos comum.
eu ouço música como quem toma morfina.
que medo o papai tem de ser multidão.
salvem-me versos. salve-me melodia.
mas escrevo. vejam: eu escrevo. eu acho que nisso preservo em mim algum digno desassossego. alguma coisa digna de um grande poeta de nossos tempos. mas todos eles morreram. eu sei. já não existem. os grandes poetas sempre nascem no momento em que você morre, filho. vocês hão de ver - quando um dia morrerem (caso morram) - nascerá um lindo triste um poeta.
quanta confusão esse calor me traz. eu deixo que me tragam. eu deixo ser assim expresso feito confissão. bebo um café faz já horas. e ele ainda está quente, acreditem-me. é só para que tenham ideia deste instante. desta neblina aghora. sim, aghora.
filhos, estou de cueca. sentado frente ao computador. está claro o dia, apesar de pouco ensolarado. mormaço, se chama. sobre a minha frente um cinzeiro branco, com algumas guimbas vermelhas. uma tampa de caneta vermelha. a caneta solta, sem tampa. uma cartela de comprimidos (anti-inflamatório) e muitos comprovantes de compras inúmeras que fiz nas últimas semanas. e é só isso.
num só gole bebi o café. teria medo de tirar uma foto para lhes mostrar meu estado. mas não é bonito isso de se mostrar despedaçado. o meu coração também dói. para além de tudo já dito, dói ainda um pouco o peito. mais uma vez de novo hoje perdido. ah, sim. também há um isqueiro branco. pequeno. uma calculadora. e o ventilador, atrás de mim, sobre o chão, gira e entretém a minha desrazão.
se eu virar um poeta, um dia, me sentirei amado. não por mim. nem pelos outros, mas por vocês mesmos. por vocês, filhos - todos - amaldiçoados.
o próximo ano vem chegando assustadoramente doce. cheio das mil maravilhas. que medo o pai tem de tanta festa. de tanta armadilha. queria crescer logo e ter o corpo velho para aguentar a poeirice da minha alma.
mas não, fausto. não queira que eu seja a poesia que seu poema te obrigou a ser. eu não sou verso. eu sou, apenas, movimento.
deixe-me ser livre. e faxinar a casa. para não esquecer - jamais - que quanto maior o voo, maior a falta de ar.
do seu,
diogo liberano
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