Já não sei se me culpo
Ou aceito a cova precoce
E escancarada.
Se o que vejo
É como vejo
Que fazer então
Se a vista
Me desagrada?
Hei de cegar-me
Ou seguir-me
Vendo tal como
Vejo?
Família.
Tema pesadelo.
Uma ou outra
Vez ao ano
Eu me venho,
Aqui estou
Entre os meus
Eu aqui
Entre todos
Mães pais
Filhos irmãos
Sobrinhos
E eventuais
Estrangeiros.
Uma vez ao ano
Eu cedo
E venho
E vejo
E fico
E persisto
Mas não
Tudo me expulsa
E, se agora, todos foram
Tomar seu banho
De cachoeira
Eu a Deus, agradeço
Porque fiquei só
Com minhas palavras,
Aliadas aos dramas pequeno
– burgueses.
Não se trata disso.
Não.
Não é pouco.
O como vejo me entortece
Eu fico sem jeito
Eu quero chorar
Mas nem pena me é possível
Pois Família minha virou estrofe
Improvável
Neste tempo nosso
De versos somente livres.
Rimada
Tudo termina em cifrão
Família Letra pegajosa
Desde sempre
Desde antes
Desde ontem
Antemão.
Família minha rima
Com custo,
Não de escalar morros
Subir montanhas
Não custo poético
Custo façanha
Simbólico
Não
Seus custos
Pesam e despesam
Sempre apenas o bolso
E se hoje cedo chegou o cunhado
Já não o sei mais
E se hoje ele veio
Atrasado
Pós-Natal
É só porque estava a comprar
Ainda mais
E mais
E Mal.
Mal Compram.
Consomem.
Comem comem
Como ontem já não fosse ontem.
Comem o óbvio
O bacalhau que disseram
Comem as frutas que nunca souberam
Mas que são caras
E desfilam nas capas
De revistas.
E se tento
Por um segundo
Mudar o ritmo
Sofro o embargo
Generalizado
Da minha apatia –
Me dizem como sou
Dizem pra que vim
ao mundo
Dizem do que fui feito
Me fazem competir entre eles
A sua falta de respeito.
Me fazem competir
Entre todos
Quem tem mais aquilo
que nunca terei.
Porque nunca o quis
Por não acreditar
Que crianças motorizadas
Valem mais do que um sorriso
sincero
posto já esquecido.
Sofro
Em silêncio
E venho entre palavras
Me fazer abrigo.
Sofro
Caudaloso
Dentro me forma
Onda sonora
Rancor pesado
Luto que durará
Um
Ou mais
Meses
Um ou mais
“loucos”
Entreouvidos em meio a maré
De dessaranjos verbais
Fingidos à afeto.
Ainda um pouco.
O quintal vazio
Os brinquedos já quebrados
Não haveria algo estranho
Neste natal
Cujo papai noel é falsificado?
É pago?
Como foi que meus irmãos se despidiram tão rápido da
inteligência que um dia me fizeram feliz por ser seu mais novo?
Ficaram burros
Brutos
Compram e não percebem que comprando tudo
Ganham o mundo
exceto a vida.
Não.
A vida se esvái. Não quer ser comprada.
A vida é terrorismo primeiro,
Incansável projeto
Alheio ao ser pego.
Meus irmãos ficaram tristes
E consomem o mundo
Para saciar a consciência
Que durante as noites
Lhes pesam
Feito crimes não todo-feitos.
E pesam
E feito cimento
Os imobilizam.
Eu bobo –
Deixo-me passar por pobre
Preto
Imundo
Doente
Coitado
E perdido.
Eu simples –
Deixo-me preso apenas no que tive até hoje
Deixo-me menos que todos
Deixo-me um pouco
Ainda mais
Pequeno.
Ciente que duelar quem pode mais
Só serve mesmo para dizer-nos
Do quanto
Podemos
Todos
Muito
Menos.
Não posso.
Não quero.
Que o próximo ano
Me leve para outro embalo
Que eu me surpreenda tendo que sinceramente
Viver outro
– que não o mesmo –
Mas outro.
E se me pergunto
Por que foi que vim?
Dói tudo dentro de mim,
Porque ingênuo
Acreditei na noção de família
(Hoje só viva em poesias antigas).
Muito antigas.
Se vim é porque acreditei que importasse a mãe
Algo meu
Um braço
Que fosse.
Mas não.
Tudo fora do lugar.
Eu não importo. Eu não sirvo mais.
Exceto caso prove estabilidade financeira.
Como foi que o dinheiro virou meu parente sem eu nem mesmo
sabê-lo?
Dentro de casa ele tem mais regalias que um ente querido.
Não fossem alguns avós já mortos
O dinheiro os teria matado,
De ciúmes teriam morrido.
Porque dorme o dinheiro em bolsa blindada
Sofre carinhos de mãos ágeis e mal lavadas
Circula entre as crianças como fosse proteção.
Deus, que eu nem sei mais se não te acredito –
Está difícil manter-me assim tão vivo.
Meus olhos doem a realidade
E ela de mim não se dissipa.
Como pode o cinismo ceiar entre os entes
Da antiga família?
Poema longo
Feito pranto.
Não cessa
Não acaba
Passa o verso
E me faz lembrar
Que ainda não varri
Um tal cômodo,
A tal sala de estar.
Sofro.
Como quem mira o céu claro
À procura de chuva.
Tudo está dentro desta foto horrenda
É só uma questão do câncer
Manifestar ou não
Sua culpa.
A culpa
É a única da família
Que mesmo rejeitada
Marca sua presença,
Não maquiável,
Feito eu mesmo
Nesta reunião
Sem família.
[1] Escrito em 25 de dezembro de 2012, em
Jacutinga/MG.
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