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terça-feira, 8 de março de 2022

Um afago mínimo, quase sem força

I.
Súbito
O teu espanto seria todo o mesmo
como pode recusar um carinho desses
como pode?
E então veria a si mesmo no susto
embebecido
Não é que eu não queira
você diria
não é que eu não goste
confessaria
É só
apenas
que eu não sei
Eu não sei
e os homens ao teu redor ririam muito
ririam de ti
ririam de si próprios, porém mudos
É que é difícil mesmo ser vizinho do calor
quando se foi ensinado a ser tão autossuficiente
tão firme
tão forte
tão orgulhosamente homem


II.
Mas nenhum erotismo em causa
nem muitos arrepios nos pelos
nem viria sequer por ti
nem por outro homem
O carinho, afago mínimo
viria por acidente
seria fruto de um esbarro
o famoso esbarrão
dela que cruza por ti
no meio do salão
e faz roçar na sua pele
a pele do pano felpudo
Um arranhão, um rasgo delicado
o arrepio que te acarinha é o susto
já interpretado, pois assusta
ser amado
quando por tanto tempo
pensou que isso não era para você


III.
Você agora na avenida
procura pela noite onde se encontrar
deseja se possível ancorar
Está tudo bem, você se diz
trêmulo
faz frio
onde ela está?
Você se pergunta, mas dentro
você sabe que a procura é toda em si
é sua contigo sozinho
Passa as mãos nos braços frios
vasculha os bolsos da calça
o suéter não tem bolso
você percebe
Pela primeira vez você percebe
Que o suéter não tem bolso
ora
também algumas coisas não estão prontas
para receber algum amor


IV.
E quando menos você espera
quanto mais cansado você se torna
já na porta de casa
a rua entre silêncios e barulhos abruptos
um cão despelado se aproxima de ti
e ainda que você pense na lepra
no cancro
nas feridas visivelmente no cão brilhando
ainda assim você deixa
que ele
de ti se aproxime
e emita aquele som que diz
durma bem, camarada
Você estaca com a mão presa no centro do ar
você quer mas diz que não pode
você quer se desafiar mas algo em você é mais forte
de ti o cão se aproxima
sua mão desce até ele
ao que ele se distancia
e no céu pouco estrelado daquela noite
você lê a constelação do momento
O fato de receber um afago não quer dizer que seja preciso dar outro em troca
aqui não há escambo

aqui não há escambo

Você bate a porta.

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