faz meses que a sua poesia morreu. como pai que faz tempo perdeu o filho, você hoje apenas age sua paternidade, para não esquecer da humanidade que restou. você virou bicho. você se desapegou da vida, do cuidado, do carinho. seu animal de estimação morreu, você viu? não. você dormiu enquanto tocavam a campanhia, quando lhe tocavam a pele você também esteve dormindo. você se apaixonou pela própria pena e virou poeira incapaz de ser removida. a sua casa está suja. a sua faca precisa ser amolada e, no entanto, hoje, você é mais uma vez incapaz de ser forte o suficiente para pedir licença e se matar.
o que você quer que eu te escreva? que tá lindo? que tá sucesso? que seu futuro é brilhante e que as pessoas ao redor estão gostando do convívio contigo? não posso. às vezes – somente uma vez ou outra – a lucidez vem feito cavalo e rasga tudo, a lucidez destrói a sua possibilidade redundante de auto-comiseração. ela vem e diz: não tem jeito. hoje precisa escrever vinte linhas dizendo o mesmo. hoje você só dorme caso reconhecer – sem choro ou pranto a desviar sua atenção – se reconhecer estar falido e precisando de outra mão.
e então,
quem sabe,
um filho pode lhe acenar outra coisa que não canecas de café.
o cheiro queimado
os sapatos trocados
silêncio na casa
o banheiro pouco usado
tudo limpo
porque a sujeira está contigo
concentrado.
uma pena,
perder o poema que você poderia ter escrito.
uma pena
você se perder de ti
e levar os seus contigo.
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