Não foi como um sopro
apesar de breve
não foi leve
foi bruto
sujo
susto rouco
Eu perdi o meu gato
ele morreu hoje à tarde
Eu não sei o que fazer
dentro de casa
entre os seus pelos
voadores,
Tenho
tive
Tenho
tantas sensações imprecisas
Tanta coisa
me dizendo
aquilo que é
que não é
nem poderia ser,
Meu peito dói
minha capacidade de amar aumenta
mas e o cuidado?
Culpo-me em silêncio
para não exceder o tamanho da possível culpa
que talvez eu tenha
eu não temo ser culpado
É só que foi tão bruto
tudo foi tão rápido,
Meu filho
meu gatinho
imenso
peludo
animado
Foi embora sem me deixar lágrima capaz de contê-lo
Infeccionou-se brevemente
e ficou um dia mudo
parado
deitado sobre o tapete do banheiro
Cheguei em casa e falei
perguntei
fiz carinho
E nada
Liguei então para a veterinária.
Embrulhei meu filho
numa toalha toda colorida
Embrulhei e fui com ele no colo
atravessando as ruas
de cada avenida
Cheguei lá
e ele foi tratado
Estava com infecção costumeira
mas que em meu filho
Nunca antes havia morado
Deixei-o no soro
dormindo fora de casa
com o cuidado
(talvez duvidoso)
dos outros
Como saber?
Dormiu lá
Daí que acordei e liguei
para saber
Estava bem
Esteve bem
melhorando, segundo a segundo
Fui trabalhar e no instante de um segundo
me toca o telefone
para me informarem o improvável
Meu filho havia falecido
Fiquei mudo
o cigarro que fumava se apagou
Algo estranho em mim se plantou
até agora
Estou tentando
mas não vou conseguir
Quero dormir
e acordar entre pelos
num sonho impossível
onde eu seja um bicho
entre os seres gatos
imensos
poderosos
e cheios
cheios
de alguma indiferença
a lá raça humana.
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