Pesquisa

domingo, 1 de janeiro de 2012

Seu mínimo movimento

Você me ouve?

Eu acabei de colocar a minha mão direita sobre a sua esquerda. Você me sente?

Eu estou virando para a frente. Eu virei. Eu vou fechar os olhos. Você me promete piscar os seus? Logo depois que eu fechar os meus, você me promete piscar os seus?

Estão fechados. Por favor. Pisque. Eu não vou abrir. Eu posso ouvir daqui o terremoto que é seu mínimo movimento.

A estrada hoje está ótima. Não há carros adiante, nem buracos. A velocidade contínua é algo que me apetece. Eu me sinto fazendo tudo conforme deve ser feito. Onde estávamos quando eu tive esta ideia?

Eu realmente penso que deveríamos ter saído mais cedo. Agora com a noite deitando sobre o capô do carro. Não é engraçado? Essa palavra.

Capô. Me soa sexual. Não que devêssemos nos enrubecer. Outra palavra que me remete ao isto.

Você me abandona e por vezes só me resta isso. Falar como se a qualquer instante pudesse dormir sobre o volante e nos capotar.

Não ia ser de todo ruim. Ver-te sendo movido. Para lá e depois para cá. E talvez nisso os nossos crânios pudessem vir a se chocar.

Você me assusta com essa insistência. Soube que na Coréia eles ficaram treze dias de luto. Você é muito enigmático. Mas soa bobo. Ao mesmo tempo. Bobo e enigmático. Por vezes a bobice se supera. Noutras, você me soa tão para frente.

Talvez devessem instalar uns quebra-molas por aqui. Não tinha um pedágio? As coisas se mudam assim ó. Sinto às vezes que só nós dois não sabemos que mudaram. Sempre sabemos por último.

Isso daria uma música. Como tantas outras, eu devo dizer, você se supera. Por que eu disso isso?

Às vezes eu penso que eu deveria ter feito um sanduíche. Eu sempre espero fazer uma paragem. Comer algo na estrada. Mas não é verdade. A estrada não tem nada para comer. Sinto, às vezes, apenas às vezes, que somos nós aquilo que há numa estrada para ser comido. Você me acompanha?

Você fica quieto?

Você não se mete comigo?

Eu já tentei ser polida, tentei te provocar... Às vezes eu acho que se eu abrir o seu zíper você não vai se importar. Talvez você sinta vontade de urinar e nem assim queira me dar o prazer do seu movimento.

Da sua lágrima.

Da sua doença.

Da sua Aulularia.

Engraçado. Às vezes umas palavras estranhas me roubam a atenção e eu as falo. Me sinto esperta. Mas é tudo bobeira. Não quero soar alguém que não sou. Não sei onde aprendi. Nem sei o que possa significar. Melhor assim: nem tudo se explica, certo? Você sabe que sim.

Você sabe que sim. Isso não é pecado. Pecado é a sua vida estar em minhas mãos e mesmo assim você não se importar. Se eu te tirar do carro. E eu não posso te tirar do carro. Antes que você diga alguma coisa – e é claro que você não vai dizer – antes de você dizer alguma coisa, eu gostaria de deixar bem claro que eu não sinto pena de você.

Uniforme.

Quer dizer: normal. Numa escala homogênea. Eu digo: tudo em ordem. Quer dizer: eu sou preconceituosa. Eu tô querendo dizer que sinto pena sim. Acho que dá pena. Essa sua condição. Essa sua inércia. Mas é uma pena normal, entendeu? Não fui eu quem criou. É coisa do sistema. E o sistema está ai, meu amor.

Sorte a sua que nos temos. Sorte a minha ter você para não enfrentar fila nos bancos. Piada grosseira. Faz meses que não entro num banco. Acho ótimo que o nosso saque mensal venha de dos jovens que sobem até o nosso andar e nos enchem de dinheiro. Acho justo. Acho que é o preço. Eles sobem as escadas e nos pagam o que é nosso por direito.

Você tem ficado muito tempo de frente para a sacada. Às vezes, é bobeira, mas às vezes, eu penso que você de súbito poderia ter força para se lançar da nossa cobertura e enfim acabar com toda essa coisa.

Mas falta-lhe coragem. Eu me reprovo por pensar tais coisas. Mas é verdade. Se pensei é porque pensei. E isso, ainda que não se explique, acontece. É assim. Por isso eu te entendo. Sei que algo dentro de ti está a espera do estalo para explodir. Só pode estar.

Um dia você parou e sem morrer, você congelou, bem assim como estás. Não há novidade na sua respiração e mesmo assim ela não cessa. Como pode?

Os novos moradores – são todos estudantes de economia – eles me perguntaram qual é a sua. Eles falam assim com essas gírias. Qual é a dele, dona? Dele e Dona. É assim que eles nos chamam. Eu imponho algum respeito, mas você: nada.

Eles perguntaram e eu disse: ele foi um grande dançarino oriental. Sabem o que é isso? E eles – os jovens economistas – fazem uma cara repleta de ignorância.

Eu explico: dança energia. Já ouvir falar? A cara amarelece. Eles não sabem o que você fez da vida. Eu também não faço questão de explicar. Gosto de você assim como se fosse um presente embrulhado. Fico excitada com a possibilidade desse embrulho romper ou rasgar. Eu sou tão erótica.

Não me masturbo desde o início da semana. Quebrei o último vibrador que você me deu na páscoa passada. Naquela época. Bom. Não quero trazer novamente estes dramas a discussão. Mas naquela época, se é que você se lembra, você me aceitava do jeito que eu era. E eu não percebia como alguém podia ser assim. Não você. Eu. Eu não me entendia. Como pode uma mulher se dar ao luxo de ser tão perdida?

Eu me olhava no espelho após um banho muito quente. E tentava me enxergar nos pedaços de espelho sob a fumaça embasando o vidro da pia. Eu não via nada. Mas sempre conseguia localizar meu sorriso. Ele estava a frente de tudo.
Quem mandou você mandar me darem um vibrador de presente? Sabia, eu sei que você sabe, mas sabia que desde então eu estive contigo sem pestanejar?

É uma história de desejo a nossa. De desejo e amor, por favor. Não vem com essa de só porque há o sexo, o amor é posto de lado. A gente se ama antes de tudo. Antes ou depois.

Tenho sede.

Me passa a água que está do seu lado.

Humm... Você o fez. Obrigada.

Espero não estar envenenada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário