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sábado, 28 de junho de 2008

CONSTERNADO AMOR

Dois amantes. Cobertura de um prédio bem alto. O ser em negrito é o morador do lugar. O outro que sobe e desce pelo elevador está na sala de estar. Ambos num encontro para dizer sobre o amor que não sabem verbalizar.

Conte-me algo novo.

Eu não tenho nada para dizer.

Conta, por favor, alguma coisa que faça em mim algo doer.

Ou sorrir?

Doer. Cansei de sorrir. Sorriso deixa gosto impreciso, gosto vadio. Gosto que se vai logo se chega o precipício.

Você está com essa mania. Com essa fixação. Já te disse que precisa de um médico?

Já. Eu também me disse. Ontem. Disse hoje também. Estou esperando o meu plano se acertar.

Você fez planos outra vez para se matar?

Não. Eu quis dizer plano de saúde.

Perdão... Acho então que posso te contar algo novo.

Para mim ou para você?

Novo para mim não pode ser. Então que seja para você.

Então diga.

Vou dizer.

Diga, então.

Bom, é isso mesmo. Eu não saberia explicar. Espero mesmo que você não me peça para explicar. Porque eu não vou saber. Mas te dizer, te dizer... Bom, a coisa é assim: eu não sei se quero ir até o fim.

Eu sabia.

Não sabia. Não tem como saber. Eu acabei de descobrir.

Mas eu sabia. Mesmo assim. Você se tornou alguém previsível. Seus olhos te desmentem mal começa a falar. Sua boca esboça as palavras que você diz não encontrar. Está tudo aí, pois então vá! Diga o novo não para mim, mas para você!

Isso pode virar ódio, sabia?

Isso já é ódio. É por isso que peço algo novo, outra coisa que não seja essa agonia. O que faz você vir até aqui? Porque tem sempre que voltar? Será para dizer que tudo está em ordem quando na verdade...

Não está... Não. Tudo em ordem não. Mas vai ficar. Eu tinha decidido. Viria aqui ou para sempre ou pela última vez.

E decidiu?

Não. Você me atormenta. Você põe em cheque tudo o que para mim é certeza. Você me deixa sem ar, é sério. Não posso ver você mexer nos seus cabelos... Por favor, me avise! Não mexa nos cabelos sem me avisar, me avise, eu preciso saber. Não faça de novo na minha frente...

E o que mais? Quer que eu viva menos? Quer que eu beba outra coisa em seu contento? O que você quer que eu diga? Que eu amo mais a cada dia essa nossa agonia?

Agonia? Agonia? De onde você tira essas palavras? Essa agonia aí que você está dizendo sou eu. Eu sou a agonia para você. E você é a agonia que há em mim. Você tem palavra maior, pior? Tem? Então me empresta, por favor. Porque vai ser desse novo monstro que eu vou te chamar.

Agonia... Aflição... Amargura... Angústia... Ansiedade... Dor... Desgosto... Expiação... Ou se você quiser, tenho ainda consternação. Palavra que eu acho linda, mas que não se usa muito. As pessoas a confundem com amor. Mas eu não... Não posso ser a sua consternação...

Você se diverte, eu sei. No fundo eu só confio em você porque devo ter excesso de ingenuidade. Eu sempre me cobro antes de vir para cá. Tenha malícia, tenha cuidado, tenho isso e aquilo também. Mas não dá! Eu só posso te ajudar se você me fizer o mesmo.

Eu não preciso de ajuda. Eu preciso do seu entre-pernas.

E mais nada?

Talvez algo mais. E depois você pode ir embora. Para nunca mais...

Espere. Isso agora foi algo realmente novo. Pelo menos para mim.

Não interessa. É você quem me deve novidades. Eu sempre as entrego de bandeja. Eu sempre te deixo muito a vontade. E nem mesmo assim sobra-lhe a dignidade de dizer que este prédio está caindo e que você torce para que não demore muito esse meu morrer.

São essas as verdades que você acredita que eu escondo?

Então você esconde alguma coisa, não?

Como você. Assim como você, exatamente. Eu escondo calado. Você esconde dizendo o contrário. Ironizando as suas dores e as expondo como fosse qualquer coisa. No entanto, se um dia eu resolver pesar tudo o que você cospe talvez então você se desesperasse... Porque é você quem vai nesse escarro, é você quem cai para fora e que morre... Por tanto se dizer, por tanto se desfazer em verdades que você proclama, mas que sequer consegue compreender...

Você sempre tem seus momentos. Você sempre segura, controla, segura e depois estoura. E dá o seu show! E acha que te jogam quilos e mais quilos de arroz. Mas não há nada. É só você dando intenções soltas para dissimular o seu vazio, o seu fundo sem rio.

Então somos iguais. Cada um fraseando o medo de se ser.

Você.

Você não se vê.

Eu te vejo.

Tudo bem, e eu você.

E o que vê?

Que adora estar nessa posição. Sentado, reclamando, culpando a vida que você é incapaz de matar.

Eu vejo desperdício, bueiro. Eu vejo em você tudo partido ao meio. Nem medo completo nem carinho sincero. Tudo em você é mais ou menos, é enleio e rodeio. É intermitência e jamais revolução.

Pois então faça a sua! Ou não. Talvez eu saia e você chore. E eu volte e você core, mas não! Você aqui se esconde no sol para que eu não perceba o seu amor por mim.

Silêncio profundo.

Eu também tenho medo que recuse. Mas é essa a novidade mais velha que posso te dizer. É talvez o que há de mais novo para mim a cada amanhecer. É sempre a surpresa do se perceber e ver que em mim falta você. Que falta você! Você! Eu não vou deixar de dizer. E que pena que seja somente agora. Que pena que não tenha sido forte outra hora. E forte eu nem quero mais ser. Agora tudo é fraqueza. São meus joelhos que batem no chão e nesse baque dizem entre dentes que eu te amo. São meus olhos que choram sozinhos e escrevem a gotas uma seta que vai de mim a você. Eu já não consigo mais achar que você não vê. Eu não agüento mais pensar no que poderia ser. Eu não quero ouvir nada nem quero reconhecer. Tudo que eu quero é ir até aí onde você está. É abaixar-me tremendo inteiro e fechado os olhos, te beijar. Antes de eu perguntar, não responda sequer depois, mas, eu posso ir? Eu vou.

Beijo ininterrupto. Até faltar o ar. Respiro profundo.

Conte-me algo novo!

É tão melhor quanto o perfeito. É tão desalinhado como um carro sem freio.

É sincero. E isso não vem ao meio.

Não. É tudo inteiro. Tudo inteiro para em seguida ser derradeiro.

Eu não me importo em acabar.

Eu não me importo.

Eu posso agora voltar a fazer algum plano.

Quer mesmo morrer?

Agora eu posso ir. Não vou falhar. Não vou viver. Eu vou porque para mim foi preciso o que acabou de acontecer. Vou feito pote cheio que em seguida precisa mesmo esmaecer. Eu vou porque tive tudo o que queria e, além disso, o que nunca quis. Mas tudo aqui, tudo recebido, tudo arquivado, cada dor cada gemido. E para finalizar, o beijo seu que nunca tive. A certeza que precisava para me matar. A certeza que só o amor pode proporcionar. Mas que acaba. Acaba sim. Se eu posso agora me acabar, porque não as coisas todas podem terminar?

Espera eu sair.

Espero chegar até o elevador.

E em seguida?

Passarei por você nu ao vento.

É isso mesmo?

Sim. Do jeito que lhe descrevo. E tudo o que restará serão os morangos.

Ainda com essa cisma?

Cisma eterna não se termina. Cisma se enerva. E vai comigo até o fim. Quando chegar lá embaixo, depois de mim, verá o morango e a calda dele escorrendo de mim. Não disse que eu era doce?

Disse. Na primeira vez que me advertiu do seu possível beijo e que eu temendo o sabor desconhecido não o tive por inteiro.

Sim. Mas vá embora.

Tem medo de desistir?

Não. Tenho medo de querer levar você daqui.

Vá sem mim.

Eu vou.

O ser em negrito abre a porta. O outro aciona o elevador. A porta do apartamento se fecha. Abre-se uma janela. Chega o elevador. Atravessa-se o corpo. Entra-se o outro. Aperta-se o parapeito. Lá o botão. Dores no peito. Falta de ar. Olhos fechados. Tremer das mãos. Vento no rosto. Tempo eternizado. Baque surdo. Tremor não reconhecido. Corpo com morangos espremido. Ouvem-se gritos. Abre-se a porta. Onde está o porteiro? Alguém se jogou! Alguém se jogou! Diz a fulana passando das escadas pelo hall de entrada...

Um comentário:

Caio Riscado disse...

pois é, alguém se jogou e fez-se tanto burburinho, idealizando hipóteses, pensando em razões que, todos que ali estavam, aos poucos, esqueciam que uma vida se ia...

=*

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