dizem que as coisas na vida
surgem quando têm que surgir
como a manhã de hoje
levou você
- mesmo que só por uns dias -
para longe de mim.
volto a nossa casa
tudo em silêncio
converso com todas as coisas
elas querem entender
o que foi feito do nosso tenaz laço.
tento lhes explicar:
não é nada
é só um tempo
mas me olham
desconfiadas
quando eu afirmo essas coisas
sem o ponto final derradeiro.
amanheci vago
entre soluços invisíveis
fiz as coisas todas
mas sonho apenas em dormir
mesmo os versos
hoje, já não podem me ajudar
eu queria ter de novo o seu rosto colado ao meu peito
eu queria dormir de novo ao seu lado
mesmo que entre nós tudo estivesse tão assumidamente colado
e, por isso, confuso
a ponto da indistinção.
uma amiga me diz:
é preciso esse tempo.
outra reforça:
é importante separar um pouco.
eu miro a cidade
pela janela da condução
e mesmo sabendo
todos esses dizeres
eu queria sim
agora
aqui
a sua mão
o seu sorriso
a sua fome
eu queria
só que hoje não
e amanhã também não
e terça não
quarta não
quinta nem sexta
ok, sexta então
mas sábado eu viajo
e então, tudo de novo.
eu vou precisar aprender como me ser de novo
me ser em solidão.
eu não quero aceitar que é apego
porque não deveria ser assim
deveria ser só amor
só amor
o que mais pode haver?
os medos saltam de mim
pedindo reconhecimento!
escravizam-me
querendo que eu seja dependente
do abraço quente
do laçar das pernas sonolentas.
eu me perdi de mim desde quando te encontrei.
eu não posso andar perdido,
mesmo que por ti guiado.
eu preciso sim desse tempo
desse espaço
desse silêncio quase sepulcral
que, pouco a pouco, vai bordando uma sílaba
um monossílabo
uma tentativa de alforria deste melaço.
eu queria me lembrar
de quem eu fui
de quem eu era
mas só me resta quem sou
depois de você
e depois de você
eu não sou coisa clara
eu virei neblina
meus desejos me tomaram de mim
e pela primeira vez na vida
eu quero castrá-los
quero que fiquem
dias
meses
calados!
não quero saber
o que meu corpo precisa.
(ele quer você),
não!
agora não!
dê-me tempo, peito
dê-me calma, minhas mãos
olhos, eu vos peço
deixem-me olhar sem pensamento
pernas, não comecem a doer
pelos, parem de sofrer a última noite
eu quero sobreviver ao amor
eu quero sobreviver
ou
caso não possa
morro-me então
por tanto
me indefinir
por tanto
a ti me destinar.
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