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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Oscilante

Oscilo
Como quem sabe 
secretamente 
Que se muito para lá 
Algo aqui não me ignora. 

O desespero tem a perna presa nalguma tranquilidade,
Lá e cá é tudo parte. 

Quando o semblante rangia
mesmo assim não era tarde, 
Ou quando o pranto alarmou sua face, alguma graça restava
Protegida noutro lugar talvez dentro. 

Mesmo que não, ainda assim, há de haver. 

A vida brinca com quão desesperado você insista em ser. 

Seja menos. 
Seja menos. 
 

domingo, 25 de maio de 2025

Mago

A bruxaria deu-te uma rasteira.

De nada adiantou tanta cúrcuma, tanta carta, tanto tantra, se ainda não aprendeste a ser sincero. 

Os deuses te enganaram ou fizeste tu pouco caso deles? 

Não vale colocar a culpa na lua, já éramos homens quando tudo aconteceu, ou não éramos? 

É triste que, passado tanto tempo, diríamos por fim que tudo se encaixou. 

Tiraste proveito, proveitoso, abusaste do jogo, jogador, humilhaste qualquer princípio de humanidade é, mais que tudo, pensaste que sua loucura te curaria da visibilidade. 

Eu vi. 

Eu vi tudo. 

Eu ouvi o que disseste. Desliguei a chamada telefónica e anotei a mágoa que apaixonadamente me fizeste.

O que é teu está guardado e deixo avisado: está guardado em ti. 

Aí dentro. Desse retiro. Desse sapo. Desde veneno. Desde arcanos a seus cinismos. 

A vida dá-te o recado. 
 


desviantes


Saberiam ter ver
Com a duração 
Da sua calma? 

Saberiam ficar 
Nos seus olhos
Como fossem casa? 

Saberiam não correr 
Não fugir nem se abster 
De...? 

Quase sei que já não. 

Meus olhos temem que meus medos possam vazar por eles
Por isso atuam, delicadamente desesperados
Como se pudéssemos nos distrair de qualquer traição 

Por suspeitar por intuir por desejar 
Por colocar em questão por pensar 
Demasiadamente pensar e pensar e pensar que... 

*

Dou-me o direito de te olhar 
Como quem é nutrido 
Por sua calma. 

Calo a boca, sossego o peito 
Tente aprender com esse homem 
O privilégio do sossego. 

Confio na sua história 
Confio no desinteresse em tornar esta vida 
Ópera, 

Não a tornemos
Luzes acesas 
Se é uma fase pela qual cruzamos 

Que nela haja outra imagem 
Outro par de versos
Que as tintas sujem o cobertor 

E os gatos venham tomar leite 
À janela. 
 

Dar-se ao tempo


Haveria um copo de vinho 
Em sua companhia 
Quando por fim aceitasse 
Que é preciso desistir 
Por cansaço 
De algumas insistências 

Abandonar-se um pouco
Ao menos um pouco 
Um pouco que seja 
Faria uma grande imensa 
Diferença
Um pouco 

No rol das pegajosas 
Implicações, o corpo fica todo
Perdido, ele gira, desorientado
Querendo um motivo
Um princípio não há 
É tudo coisa da tua consciência

Poemas viriam sem lastro
Vida seria gasta sem alma alguma
Sabe o mais interessante? 
Estou esgotado 
Esgotado 

Escrevo como quem desiste 
Desisto como quem lança à vida 
O direito de fazer de mim
O que ela bem desejar 

É verdade 

Duro dizer 

Mas o ânimo para o embate 
Em mim 
Parece ter acabado de morrer 
De morrer
 

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Ela


Repetiria que com ela ele não trabalha
Com ela não 
Com ela, ele sublinha 
Eu não trabalho. 

A questão é que o trabalho nasceu antes dele próprio. 

Trabalhar com ela ou não 
Não lhe era bem assim 
Uma possibilidade

e quando diz que não 
é sim por certo 
e quando é talvez
certamente é assim

A culpa anfitriã do desespero. 

Vale chorar o leite tomado? 

Não valeria. 

Sua culpa não é sua
Seu desassossego é mais mundo 
Do que propriedade 

Desista

Mesmo antes já é tarde. 
 

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Sequestro


Outra vez
A vaga vem
e açambarca-me.

Resto inundado
A cabeça doendo
olhos molhados.

Acontece no entanto
de a vaga tombar
em dia ameno.

Acontece no entanto
de tombar naquele
específico desalento.

Estava desatento
quando ela veio e
sobre mim tombou.

Não senti dor
não senti dor

Foi como algo
ainda mais
doloroso.

Senti-me idiota
antigo ultrapassado
senti que não tinha consistência

para a vida em ato

A vida em ato, sabes?

Sinto-me tão idiota
por ter tomado a onda
por ter tomado um quilo

de susto

e ter ficado assim
lacrimejante.

Nalgum lugar da vida
diriam que é bonito isso
de se abalar ser abalado.

Quisera eu ter essa paz
quisera eu confiar constante
nessa possibilidade.

Sou todo medo.
 

quinta-feira, 8 de maio de 2025

De todo

Seria eu uma tabacaria
Em plena vapor
Aberta aos domingos 
E com salas especiais
Para meu rol de ansiedades 

Nela encontraria o afago
Não para romper mas para
Proteger instabilidades 
Como quem mantém no fogo
No cigarro eu me manteria 

E agora já faz quatro meses
E um ano, um ano e quatro meses
Contando 
Sem que eu fume e
Faço o que com tais ansiedades? 
 
Observo o corpo
Não parece transmutar ânsia 
Em nada
Que não apenas
Desespero

E pronto como um passeio
O ato de pintar a óleo 
Reluz
Na sua persistente 
Lembração

A ansiedade
Faz-me 
Esquecer
Não apenas da tinta
Também do gesto de transformá-la. 
 

antes não, agora

Investigo o mistério
Enquanto caminho em direção 
À viagem

Antes, em mim não havia
Espaço ou tentativa 
Para sair de nós 

Era como se novo 
Como se quase sacro 
Amantes & Amantes

Hoje sinto-me já outro 
Talvez tenha sido aquele mês 
Em que precisei te amar menos 

Não lembrarás 
Eu lembro 

Nem é que tudo seja ameaça 
É só que potencialmente tudo 
Tem mais graça 

Não sei, não sei 
A corda em mim 
Soa frouxa quase 

Desatando 
Mas é quase 
Quase, no entanto 

Quando a caminhar 
Tropeço entre pés para 
Fazer valer as palavras 

É porque algo em nós importaria 
E recuso o Apocalipse 
Recuso, menos hábil, o acostumar-se

Disseste ser uma fase 
Esta na qual estamos, fase
Esta pela qual passamos 

Confio
Sem saber como
Na vida apenas 

Que ela me empurre para lá 
Agora um pouco mais ou menos 
Observo o mundo quase o lambendo 

Não estou propriamente perdido
Estou a caminhar 
Até o terminal rodoviário. 
 

sexta-feira, 2 de maio de 2025

E pensar que elas

Estão sempre abertas
Ao livre uso que delas 
Fazemos

O trânsito nesta cidade 
Não, ele não é como
Elas

Ele invariável
Elas mutantes
Que só 

Nos tempos passados
Quando numa tarde
Com elas disse o sentido

Como é possivel
Que tenha sido
Tudo tão específico?

Outra vez elas me estendem
Suas mãos amplificam
Minha paixão é meu desassossego 

Oh, palavra, que nunca chega! 

Sorte a minha
Ainda não ter
Acabado. 
 

Novamente

Em deslocação estou.

Mas o que mudou? 

A espera diz que conversaremos sobre o ocorrido, 
que falaremos ambos sobre o facto de que não falamos tanto
sobre nós. 

Tento pinçar as causas os motivos eu tento selecionar os factos 
Que fogem, eles fogem, desesperados, como se nossa vida fosse imune
A transformar-se.

Em deslocação estou
A tentar um decisivo equilíbrio capaz de tornar nosso jogo também mais meu amigo 
Eu queria ficar. 

Mas talvez do desejo
A realidade não possa ser feita. 

Estou a caminho, meu amor,
Para onde? 
Não faço a mínima.