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domingo, 6 de janeiro de 2019

Ciclo, cisma, essa coisa

Percebeu então que, de alguma forma, tudo (ou quase tudo) se repetia. Era janeiro novamente. O mesmo mês, o mesmo nome, o início outra vez, outro recomeço. Percebeu que, com calma, poderia relembrar como havia sido o janeiro anterior, e o anterior ao anterior, e o anterior ao mais anterior que pudesse recordar. Percebeu, surpreso, que seus hábitos vinham de faz tempo. Gostava, sempre em janeiro, de reformar a casa. Isso poderia ser óbvio, ponderou. É óbvio, estou com mais tempo, menos trabalho, é óbvio isso de querer reformar a casa. Ao mesmo tempo, sabia que não. Não era assim tão óbvio. Parecia haver alguma coisa, uma espécie de ciclo, uma cisma mesmo, cisma, isso, uma cisma do tempo, da época, cisma geracional, talvez, não conseguiu encontrar palavra.

E lá se viu ensimesmado. Olhando a si próprio, surpreendendo-se com a sua surpresa frente aos fatos. Passou quase o domingo inteiro assim: perplexo. Percebera como antigamente também já fazia isso que hoje tanto tinha feito: caminhar pela casa, vago e descalço, resmungando de leve sobre a atual conjuntura de sua vida (ou vidinha, talvez vidinha fosse mais apropriado). Parou, de súbito, contra a mesma janela de tantos anos. Mirou em direção ao céu azul, o calor afrouxava seu pescoço. Olhando o céu, constatou novamente o óbvio (começava a não gostar dessa palavra): o céu cá também está. O mesmo, mas diferente, mas o mesmo mesmo assim.

Bebeu uma água. Ousou, seria preciso, fazer algo diferente. Lembrou-se então de uma jarra de vidro que tinha sobre um balcão na recepção do último hotel em que se hospedara. Dentro da jarra, rodelas de limão siciliano, porém, bem maiores do que se poderia supor ser o certo. Era, para o bem da verdade, era o limão inteiro, limões inteiros, sicilianos, limões cortados ao meio, fazendo breves embarcações. Lembrou de Bartolomeu, já falecido. Lembrou que poderia pegar umas folhas de hortelã que, apesar do calor, não tinham morrido. Que poderia pegar umas hortelãs, jogá-las num bonito copo de vidro, com cubos de gelo e muita água. Pensou que se fizesse assim, diferente, algo então se modificaria.

Aí voltou à sala com o copo suculento entre as mãos. Apoio o dito cujo sobre a mesa e logo se distraiu escrevendo qualquer coisa no computador. Ali ficou a água, os hortelãs foram morrendo afogados, o gelo sumiu, era verão, quase noite, e assim acaba essa breve história. O que se repete se repete. Aceite-se, disse a si mesmo. Numa hora ou noutra a coisa se modifica, se transforma, você passa, você melhora e piora. Hoje está ruim. Amanhã também. Talvez. Não desanime. O tempo, a época, essa coisa toda, está cismando com você. Quer te dar trabalho, quer te desafiar, não sofra demais. Deixe o tempo. Deixe que cisme. Você reage. Reagirá. Você já reagiu, não se lembra?

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