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terça-feira, 29 de abril de 2025

é com você, com quem haveria de ser?


Você 
Fiel destinatário 
Cúmplice único 
Aquele diante do qual 
Minha fala é escutada 

É difícil, eu sei 
Quando muda o interlocutor 
E ele muda a sua fala
É difícil
Nós sabemos

A vontade de abandonar tudo
De sair, fugir, qualquer seja o verbo
De romper, não mais querer 
Tudo isto em ti
É imenso, hoje é imenso

E então 
Por que julgas improvável? 
E então consegues dar pistas
Até um amigo dizer 
Estou por aqui, se quiser falar

Que não seja só com você 

Que não seja só com você 

Estou tão cansado
Que este poema 
Escreve-se a si mesmo 
Como a vida 
O que quer que ela seja. 
 


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Poema de amor


Sorri honesto
lendo um poema
que escrevi
sobre o nosso amor

e que parece ter restado
apenas nele mesmo
no poema e não no amor
que o narrava.
 

Não é simplesmente um cansaço


Os olhos não teriam aberto
quando chegada a hora
ainda assim houvesse
aquele cansaço

Não falávamos no entanto
das pernas que doessem
da coluna dilacerada
era outro torpor

Indagariam se foi tristeza
um aleatório falaria a palavra saudade
perguntariam ao homem se era depressão
(palavra da moda, entreouvir-se-ia)

mas era não
era outro nome
nome talvez sequer inventado
era outro cansaço

Mediriam a pressão
a penugem nas orelhas
vai que fosse algo
nele deveria poder dizer

por que tão assim
por qual motivo tão desse jeito
e os olhos mortificados
e o ânimo a despeito

(entreouvir-se-ia, reage, homem)

Mas seu cansaço
não era simplesmente um cansaço
Não estou simplesmente cansaço
disse à televisão local

E aquilo como que viraria um mantra
uma casa uma onda
não um simplesmente cansaço
as crianças diriam entre risos

Porque nunca tinha havido
coisa tão simples quanto
um cansaço
(dá sono nele, entreouvir-se-ia)

Mas não era um simples cansaço

Não era um simples cansaço

O que sinto não é um simples cansaço

Não é simplesmente um cansaço.
 


sábado, 26 de abril de 2025

Um engano


Ela dizia
Que aquela 
Espécie 
Lá não florescia

Ele dizia
Que florestas 
Daquele tipo
Eram outras

Não encaixava

E falaram
De como algumas 
Espécies são 
Invasoras

E repetiam
Os acordos
As normas
Os nomes 

Homens todos, os nomes, homens. 

(Fora da conversa 
No planeta mesmo
Entre ares eras e terras 
Florescia uma nova
Inaudita

e sem nome

Vida). 
 

outro outra vez


      Esta é uma boa imagem 
    Vês? 
                 Dizer o mesmo
dessa        outra maneira 

Meu espanto
         é cauteloso 
                   não assassinaria
      Revoluções 

      Já é tarde
Estamos atrasadas
                         A vida pede calma
Calma 
 
Eu peço 
Casa 
Casa
Casa 
 

Enganonão


Não te enganarei. 

Aqui só duas ou 
Três palavras. 

Para dizer da vida não
Direi mais. 

Era esperado de mim
Futuro, mas vejam

Falta-me imaginação
Para coisas boas. 
 

Acho que o nosso trabalho, como às vezes acontece, antecipa um olhar que só vem a fazer sentido um cadinho depois


E o depois chegou 
E nosso olhar quer ser
De mais gente
Que não só da gente 

É olhar que quer 
Abrir olhar que 
Quer ver no dentro
Ao lado em cada fundo 

Há um espanto de mundo
Que o poema não cessa
De reverenciar 
Um susto que floresce

E estala

Diante dele a vida 
Arde o fôlego repassa 
Passo a passo
O caminho 

Se não fosse mundo
Seria martírio, portanto 
Sobreviva, oh, vida 
Sobreviva 

É neste mundo onde 
Se vive
Não noutro lugar 
Não noutro

Entre árvores e mesas
Vasos e telefones 
Você e noutros,
eis onde vivemos. 
 
 
 

domingo, 20 de abril de 2025

Romance

Como quem confia
Que a vida ainda 
Não termina agora. 

Como quem sente
Que até chegar 
Muito antes chegaria. 

Numa calma ancestral 
Como quem sabe
O recado será dado. 

Antes do fim
Haveria caneta, tempo
E laço. 

A Deus, peço o ânimo 
Necessário para compor 
Quando isto se fizer. 
 

Receoso

Dizer realiza

A palavra
Quando dita
Faz contrato 
Firma

E se não é dito
No íntimo 
Faz revolver
Indisposições 

O corpo assim
Desconfortado
Não há outro
Demandação

Temo que
Tenho medo
Receio
Essa palavra

Sendo dita 
Diria mesmo
Mesmo
Mesmo? 
 

terça-feira, 8 de abril de 2025

Indistinção

Cruzaste a corrida
Sem nem saber que
Era suposto correr. 

Para veres como tu és 
Desatento. 

Sob a noite daquele dia
Na manhã seguinte descobririas
Que teria acontecido
Mas estavas ao relento. 

És parvo ou lento? A ti
Perguntarias. 

Se a vida fosse uma
Você dela teria feito 
Meio uso

Meio assim
Meio aqui
Muitos meios
Orgulhoso, dirias, 
Fez um homem. 

E não haveria tristeza 
Posto não terem feito guerra 
Reluzias sua ausência de machados e mercados 
Bom dia

E já não havia podium 
Prémios nem imprensas.