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terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Por todo esse tempo

Não escrevo para julgar. Não para te julgar. Escrevo apenas porque agora me foi possível concatenar. É possível agora reunir os fatos, dispô-los numa ordenação capaz de me revelar algo: algo que me assusta, meu amigo.

Sob o nome da nossa amizade, o seu profundo medo. Sobre isso que chamo de seu medo, sua explícita - desde antes - busca pelo poder. (Caso você tivesse lido os textos sobre os quais já tanto falamos, talvez você tivesse feito uma tatuagem na pele: não caia de amores pelo poder. Mas você não leu Foucault, apesar de citá-lo).

Passado tanto tempo, tantos anos, anos de amizade, percebo agora tanta coisa que sempre esteve ao nosso lado. E o saldo mais imediato, posto sincero, extremamente honesto, é que escolho deixar para lá. Escolho desistir. Vigio meus movimentos, não posso mais me abrir a você porque, por todo esse tempo, o que mais você fez foi me usar.

Minha força, minha alegria, meus meios e modos de ser e fazer acontecer. Você me usou tanto que não se preocupou que eu pudesse, numa hora ou noutra, perceber que estava sendo usado. Me usou tanto, você, que sequer imaginou que eu pudesse, em algum momento, me chatear por tanto ter sido usado.

Estou chateado. Cansado. Por isso te deixo partir, te deixo ir, não quero me importar. (E que difícil é ver um amigo indo para aqueles cantos da vida que, depois que se vai, talvez não seja mais possível voltar). Nunca antes me pareceu tão possível e plena a ação desse gesto: desistir.

Estou triste. Triste sim. Triste com o orgulho excessivo que, mesmo sem condições, você cisma em sustentar. Você não tem perna, não tem peito, não tem coração para tanta glória que gostaria de dourar e mostrar. É o caso de dizer uma palavra franca e bastante definitiva: farsa. Você, meu amigo, talvez, sim, sem dúvida: você uma farsa.

E não, não exagero. É o que é, foi o que foi. Segue sendo isso aí. É só que nada disso seria tão grave se você se permitisse o diálogo, sem medos nem receios. Diálogo sem orgulho por ser contrariado. Sem orgulho por ser ajudado, mexido, modificado. Você alguma vez me ouviu? Sem dúvida que sim. Mas por que não mais? Quando foi que, ao me ouvir dizer, você escutou apenas o que precisava para você? Seria mais legal se pudéssemos, como amigos, juntos, se pudéssemos desenhar outras saídas.

A amizade e a filosofia nos possibilitariam mudanças efetivas. Mas o medo, o medo só vai bem com o orgulho. E com a violência que dele deriva.

Seu orgulho me violenta. Sua violência me anula e entristece. Por isso te deixo partir. Não porque você queira, mas porque cansei de ti. Cansei que você só veja em mim a fraqueza que, talvez, seja a melhor roupa que você tem para mim. A fraqueza que você me veste serve bem ao seu esforço incessante e jocoso de me diminuir. Por que tens medo que eu seja grande? Acaso estamos disputando algo? Sempre fui grande e você, que para mim sempre foi imenso, só faz diminuir.

Cansei da sua fala citada. Sua fala cheia de referências que nunca te esbarraram o corpo. Cansei da sua insistente tentativa de parecer bom moço, bem frequentado, amigo dos famosos e esvaziados. (Você era tão grande, tão brilhante, tão imenso e acabou virando um invejoso delicado, um ressentido dissimulado, outra vez uma farsa).

Que horror escrever essas palavras. Escrevo sem destinatário. Escrevo por mim, em primeiro lugar, por mim, porque preciso me acostumar a te perder. Quero te perder um pouco. Quem sabe? Talvez no depois a gente volte a se frequentar, mas agora, aproveitando que estás mais longe, noutro país, agora fico comigo e recebo, silencioso, as suas curtidas digitais.


O que eu poderia te dizer?

Ao meu redor, já faz tempo, outros amigos nossos manifestam, cada um a seu modo, o mesmo espanto que o meu. Espantos idênticos e com tamanhos variados. Nossos amigos se perguntam: o que aconteceu com ele? E eu balanço a cabeça, meio concordando, meio descrente, completamente chateado.

Penso naquilo que um dia aprendi: não se vai à força, não se faz à força. É um saber que seria legal ter chegado a você. Não adianta fingir. A mentira hoje escorre por todos os seus lados, resvala dos seus gestos mal ensaiados, a mentira é sua casa e está um tanto chato ficar lado a lado.

Não entrarei nas minhas hipóteses. Não quero explicar coisa alguma. Não falarei do seu namorado nem do quanto sinto e sei que ele é um dos principais agentes de sua perdição. Não entrarei em hipóteses, não preciso mais especular.

Por todo esse tempo, mas somente agora, tudo esteve disposto esperando esse instante de edição: empírica é a vida, não? Empírica não é sua citação.

Escrevo em modo lamento. Lamento, mas como nunca antes, estou cansado. Entreguei as contas, rendi-me ao acúmulo do tempo. Deixo você partir de mim. Não farei força, não direi palavra capaz de nos aproximar novamente. Deixo o tempo agir seu cansaço que, junto ao meu, cria este corpo que agora quer você mais para lá do que para cá.

Triste é. E fato: tristeza existe.

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