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domingo, 28 de setembro de 2025

Um certo tipo de conclusão

O sorriso da surpresa da chegada.


A buzina que me viu

deu buzinaço.


Os beijinhos e o pedido de tira isso

fez abraço.


O te ver e saber que ali

é pista para simultâneos

pousos e decolagens.


Quem desconfia de ti

é você, não o mundo.


Quem destrona sua alegria

é só você; veja-se quando junto.


Se eu pudesse fazer um pedido

era que você não se esquecesse

disto,


Disto, quero dizer, você sabe

que não se esqueças disto

daqueles encontros


que não reclamam a chancela

damizade.

 

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Sustado

Que assim

Você entrou no quarto
Amargo por motivo
Insondável 
Não venha, pois, 
Encontrar justificação 
Em mim

Não sou sua forja. 

Um amante, às vezes, 
Só precisa de uns tiros. 

Bebo o uísque na cama
Com bafo de azeitonas
E a certeza de que sim
Isso hoje eu posso. 

Demorou corpo até
Que eu fizesse da vida
Um bocado dessas camas 
Onde se deita com uísque e 

Tudo. 

Estou morrendo, não? 
Por que não haveria
De querer cama, uísque, 
Azeitonas e um homem peludo? 
 

domingo, 14 de setembro de 2025

outra década, meu irmão

tinha
esquecido
de minhas velhas
Imaginações

hoje elas
se provaram
verdade
outra vez

de década
em década
você destrói
tudo

ou quase.

minhas irmãs
disseram que você
disse isso ou aquilo
como se
fosse possível
confiar no seu
dizer

nesta equação
o único esquecimento
que não podemos
é quem é você

demo-nos alguns dias
tem risco
de morte?
há risco de vida.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

lar, lama & lamúria

minha casa
minhas regras
até que a luz é cortada
e eu padeça
o frio
supremo

nesta casa
não tem
coentro
penso
entretido
no que tive

através da passagem destes anos longos
e lentos

poesia

disse-me
como quem se autoriza
a lamuriar a própria vida
a sofrer cada canto
cada quina
como se para ser quina
precisasse do seu contorno

homem

besta

sua rima desfez seu outro
ficaste tísico na loucura
do estribilho

homem

estes poemas

homem
isso não é casa

é lama ruim
é lar sem ária
que te salve

não sei
olha, não sei mesmo
antes fazia brilho
hoje nem desassossego
 

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

azedou feio (incapaz do fogo)


que era triste
sabíamos
antes mesmo
de acontecer

era preciso
ter acontecido
mesmo que turvo
mesmo que
era preciso
e aconteceu

passado o passado
o presente desembrulhado
fica um hálito ruim
de extremíssimo
cansaço

fino e pontiagudo
sempre que me lembro
de ti é sobre nós
o murmúrio
do desentendimento
ter vencido

sabíamos disso
no ato
em que nos
apartamos

quando digo
a mim que não
não quero mais
você
digo porque sim
não quero mais
sua amizade

azedou
como disseste
azedou feio
brabo
azedou ruim

sua presença
o mero pensar
em ti
no que é seu
do gesto à festa
do medo à testa
tudo seu
me dá nojo

e é vivo
tudo isso
menos ideia
e mais
estômago

eu estou
te odiando

e é ruim
mas está certo
era isso o que
aconteceria
nós sabíamos
desde aquele
telefonema escroto

onde perdeste o amigo
em vez da lacração
de seu orgulho tísico
e superior-anêmico
de ti a distância
agora é pouca

e que gaguejes
e tropeces
e que invente verbos
ladeira à vista
peça desculpas
forçosas e muitas
mas só ao tempo

nem ele te aguentaria

a casa resta inerte
a cozinha fechada
seu filme
que não é seu
sua mentira
deslavada

que horror
que horror
não ter dito não
quando você entrou
forçoso
querendo brilhar
na peça dos outros

que horror tudo isso
aquilo que eras
incapaz
apesar do esforço louco
não conseguiste
apagaste o fogo
 

terça-feira, 2 de setembro de 2025

penso, mesmo quando não


Óleo sobre tela.
Depois, régua sobre o óleo sobre a tela. Era régua ou espátula?
Pintura criada entre 2023 e 2024, não sei exatamente quando, sei que não neste ano, mas também não faço ideia – ainda bem – do que possa isso ser.
Pensava sobre o quanto ao pintar eu não pensava; pensava sobre quanto T há que não penso.
Se penso rápido ou lento, a despeito das durações, sei que penso, mesmo quando não.
No entanto, lá estava ele: meio desnudo, no chão sentado; meio sentido, inteiramente marejado.
As ondas de dentro, haveria nelas uma vaga onde permanecer estacionado?
Em volteios, incessantes e de si ignorantes, seguiu o trabalho; pois há algo de labor na dor.
Insistiu, continuou, foi adiante, mas tudo sem o tempo, tudo sem marcá-lo.
As marcas foram outras.
As cores foram inéditas.
Que demora essa saudade; de poder, outra vez, desativar o poder.

que é este continente


Óleo sobre tela.
Pintura criada entre 2023 e 2024, não sei exatamente quando.
Sei o nome que dei à pintura, mas dizer o nome é perder um bocado do seu mistério.
Há um alarme interior que diz estar pronta, a pintura, quero dizer, que era isso o que vínhamos fazendo até isto vir a ser.
Apita, às vezes, bem depois. Às vezes, o alarme apita sem grito, só apita, no meio da noite e você não ouviria, mas amanhece, e olha, quando você olha para o quadro que nem é quadro, você olha em direção à coisa feita e sente uma satisfação digníssima de estar neste mundo na companhia daquele arranjo meio desarranjado de intenções não expressas e expressões não intencionadas, como diria Duchamp.
Gosto da raspagem, de como a margem celebra o coração-inflado-e-inflamado que é este continente.
Gosto, sobretudo, de esquecer de mim quando estou com ela, a pintura, de quando nós estamos detidas sobre ele, o quadro.