Pesquisa

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

o eu se infiltra

Os versos deste poema
não são pedra
E se fossem, sabemos
rachariam
Tantos sustos e climas
violentas ventanias
A erosão que uma língua causa
nem silêncio remendaria

Dizia que sim
o eu daria o seu jeito
de rasgar o impedimento
O eu viria manso e vago
daquele conhecido jeito
E feito um convidado
não tão surpresa assim
já logo seus pés olhem ali

sobre o limpo estofado. 

O facto de teres arrancado o seu eu de todos os poemas não te torna menos apaixonada por ele
ou por si mesma

atenção 

tirar o eu do baile
não é para assassiná-lo
mas sim para que encontres
outras obsessões. 
 

O peso da mão do mundo

Já era hora
de não aceitá-lo 
Simplesmente isto
não aceitar o peso
dessa imensa mão 
que tomba sobre ti
e cessa a circulação 
de alguma graça. 

Fazia tempo
que o mundo
Isto, esta realidade
impiedosa 
vinha brincando
com a fineza dos seus
joelhos, com a sua juventude 
barulhosa que pensa
Vou morrer
a cada esquina. 

O medo inventou cabana
dentro do seu peito. 

Já era hora. 

Para destituir o império da mão do mundo sobre o seu sorriso, não é difícil perceber, seria urgente fazer alguma graça. 

Debochar. 

Devolver a ironia ao calor dos dias. 

Ser horrível, ridículo, corretamente incorreto
queremos dizer 

Não 

Não se peça calma
não me peça calma
 

Fresta

Disseste ter visto algo
Algo que não soubemos nomear
Mas disseste que sim
Acho que vi
Penso ter visto 
E fomos dormir
Afagadas brevemente 
por um nome indefinido 
mas algo. 

A noite talvez tenha dado corpo ao mistério. 

Uma das duas amanheceu
mais tranquila 
A outra ainda atravessada
por ter visto
naquilo que a outra viu
Outra coisa
Outro algo
Algo realmente 
- ela procura as palavras,
enquanto tomam o café -

- Qualquer coisa, enfim, me chama e a gente conversa, está bem?

A outra confirma, enquanto mastiga o pão e o fiambre. 

Faz sol do lado de fora. 
 

sábado, 9 de novembro de 2024

amanhecimento

amanheceu

dói o corpo logo assim
que se senta
ainda sobre a cama
ainda meio com
meio já sem
cobertores

dói o corpo

a vista recém-aberta
oferece um diagnóstico
que por nome
se chamaria
O Costume

ele olha o piso do apartamento
ele vê as roupas meio ali
empilhadas
ela lembra, a cabeça
de que hoje é preciso aquilo
e isso
e aquilo
e mais isso
e pronto

O Costume
a vista bem aberta
oferta, sem ser pedido
o seu diagnóstico
previsível
é sabido
deste antes

Esta vida está errada.

Uma vida errada
como seria isso possível?

Não é uma vida aquilo que é?

Quem pode dizer de uma vida
que ela está em falta?

Em falta com um modelo?

Mas eles ainda existem
os modelos?

O Costume amanhece sentado na beirada daquela vista
cansada
O Costume olha à casa
ele diz

Esta vida está errada.

Mas a vida
esta vida
esta vida está mais
é cansada

desse olhar
dessa seita ou diagnóstico
desse comentário ágil-nefasto
desse desconforto
de ser refém desse estranhíssimo
e diário

auto ódio.
 

Eclosão

Inclusive havia alguma espera
Espera, inclusive
Como se o momento oportuno
ainda não tivesse se tornado
oportunidade

Houve espera, paciência, mesmo
Inclusive, houve espera
a saber: chegará o instante
preciso em que um ao outro
diria

Isto não está a funcionar
não gostosamente.

E quando viesse
caso assim o fosse
diriam os dois palavras
desculpas seriam pedidas
seriam dadas?

Inclusive haveria uma desculpa
que no ar teria permanecido
desamparada, desculpa automática
daquela que é dita
quando não há mais nada

a ser dito

seria preciso atualizar

as palavras muitas vezes não servem

seria preciso, inclusive, que depois
não por piedade, mas por parceria
ambos se abraçassem
e se beijassem
e se soubessem parte

um do outro, mas

Quem puxa o abraço?
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

corre

sem esquecer
o cenário posto
é sempre melhor
do que o que vês 
 

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

III.

I.

O modo pelo qual 
A vista enxerga
O buraco informa
Seu tamanho. 

II. 

Antes não havia
Preocupação não enzima
Estudo sonoriza futuro
Morte era nos filmes. 

III. 

Vai-se indo,
noite após cada dia.
Já não importa tanto 
quase nada. 
Sobrevive o desejo de que seja veloz, a morte, 
e sem espetáculo. 

Alguma doçura, pedimos. 
 

Homens


Destroçam
Destratam
Desportam
Despedem
Desembarcam uma nau de paixões sobre este corpo

Dizimam
Disseminam
Dizem coisas que olha
Discriminam
Dispensam
Dissolvem a História 

Homens
Atrapalham
Alguma concentração 

quando passam
pela rua com suas calças 
carregando suas malas
e seus tantos males

Oh, azar
Oh, barbuda sorte. 
 

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Expanto


De fora
Ela olha
sem surpresa
Vosso comportamento. 

Na distância
Balança a cabeça 
e confirma
Vosso comportamento. 

O outro viu
O senhor, do canto, também 
Mesmo a polícia 
viram todos, sem escândalo 

Vosso comportamento. 

Mas, viste tu? 

Não te incomoda? 

Não causa ânsia? 

Nojo, Náusea, Nada? 

É estranho
Um hábito 
Vestido de
Gente.
 

Dizer que tudo ficará bem, dizer que nós ficaremos bem


Não postergar o gesto
Fazê-lo
Ora, sim, porque não? 
Toda a gente sabe que alguns dizeres agem menos pelo futuro
Fazem mais pelo instante
Em que nascem, ditos, e morrem, 
Ouvidos. 

Confia, ela pede
Vai ficar tudo bem, ela insiste 
Ficará tudo bem
Entre nós? 
Tudo há de ficar bem
Repete comigo
Ficará tudo bem, meu bem. 

E olham-se
e os dias estão a amanhecer mais cedo
e os medos mudaram 
Não têm mais a mesma feição 
de antes. 

O céu 
Os dias
Os sonhos te cansam

Durma menos. 
 

Espárragos


Dos braços os pelos partem
Tortuosa estrada sob pele
Músculos e ossos
Beijam-se

No topo do cimo
Perdem-se os finos fios 
Talvez o motivo fosse ter tido os filhos
Que não tiveste

O longo camião não pede ajuda
Ou acelera ou escuta
Escute
Escuta

Nessa via só se vai
Nunca se volta
Nunca se volta nessa
Vida só se vai

Ainda que 
Esticar as pernas na cama
E dobrá-las, para novamente
Esticá-las

Dê imenso prazer. 

 

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Decisivamente


Nem tantas palavras. 

O acontecimento em si
firmaria o aprendizado 
Tempo na coleira
contemple. 

Elogios aos traumas
Descrições minuciosas
A família ou a falta
nada disso ali seria convocado. 

O aprender outra vez
pelo cansaço 
Do resmungo inaudível 
que autentica

¬ Já tinha percebido isso antes, não tinha? ¬ e tínhamos, de facto, tínhamos. 

Não é gostosa uma vida que ao ser vivida é constantemente invalidada.
 


quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Nem tanto, um bocado


E ela ocupa os espaços 
Físicos, interiores, imaginados 
A tudo inunda
E a toalha era nova
nada secava. 

A tristeza tem esse dom
ela sabe espreguiçar
A cada sua longa sesta
lá estávamos a não dormir 
lá estávamos a não descansar. 

💥

Mas se tanto assim
ela a tudo modifica
Por princípio ético 
você não a mudaria?
 

sábado, 5 de outubro de 2024

A promessa


A promessa seria feita 
também de tudo aquilo
que ela não soube realizar. 

Ela se realiza com seu próprio fracasso. 

A promessa tem fome
das mentiras e palavras 
sinónimas tais quais

utopia
sonho
sucessos e seus sucedâneos. 

Ela tem fome
já ele,
ele tem sono. 
 

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

(a ponte, a ponte, a ponte...) Por que, homem?


Observe o homem
que lhe arranca o contexto
para em seguida dizer
qualquer coisa eu te ajudo

*

Observe um homem
nele junto virão
todos os outros
afinal, são homens

*

A ponte foi quebrada
pelo homem que decidiu
quebrá-la (ele argumenta que...)
mas tenho cá algumas tábuas

Diz o homem
o que você deseja
que seja feito
devemos reconstruir?

*

No peito bem dentro
a pergunta pulsante
estava presa no antes
mas por que destruiste a ponte

(a ponte, a ponte, a ponte...)

Por que, homem?

*

Faziam dias, horas
e meses, que aquele homem
não se sentia
grande como outrora

dele

fizeram.

Por isso quebrar
feito saudade errada
para fazer lembrar
da pátria amada

Ele, homem
que história triste, homem
que ladainha
mesquinha.
 

domingo, 29 de setembro de 2024

A decisão acertada

Foi mesmo ter decidido parar de falar de si.

Ao menos por um outono
(que dia é hoje?)

Foi bom tomar essa decisão
porque antes era como se fosse
sempre
e nunca
tudo assim tudo
tudo assim indiferente
afinal

era sempre sobre ti
sempre acerca do senhor
sempre no seu entorno
sempre somente a sua dor

a ponto de nem mais ter dores inéditas
eras tu próprio a dor personificada.

Depois da decisão, entretanto, tomada
outros ventos vieram
outras praças em festejo
o antes deixou de sempre
o nunca morreu batendo os queixos

Você percebe?

Falar do mundo
não é perder a si mesmo.

Falar do mundo
não é calar-se, coitado
ele foi impedido.

Do mundo, falar dele
é como dedicar-se a uma oração
que de ti só precisa da fé
nunca da sua história.

É mesmo com alguma indiferença
que a vida brota e brota.

Nunca dantes, perceba, falamos tanto
em vida, nunca dantes falamos tanto
neste plural.
 
Tomaste mesmo a decisão acertada, jovem
(era preciso dizer)
 

A vida das coisas


De um jeito ou de outro
ela continua.

Você se espanta, obviamente,
não estás habituado à vida
que não seja a sua.

As flores roxas no vidro transparente
já faz quanto?, um ou dois meses?
elas estão lindas.

A podridão das raízes antes úmidas
também chamaremos de vida.

Ela continua.

Varreste o quintal, removeste as folhas
secas e mesmo secas estavam mortas?,
não, estavam aqui (agora na lixeira

lado de fora).

Mesmo lá, a vida impera.

Você, cético, não conseguiria aceitar
que ela impera, sem força, mas que ela
impera.

A vida, meu caro,
a despeito dos seus nãos
segue esfomeada

e vagorosa.

Diz-me algo que não esteja vivo
que eu te encho de beijos agorinha mesmo
te encho de beijos agora.
  

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Contínuo perder


A sensação tem voz alta
e hoje grita.

De vida em vida
ela tudo assaltaria.

Isso de perder também
dura muito.

A ponto de o dia
sequer ter sido visto

ou viste?

Vocês viram?

O dia esteve lá
enquanto seu mundo

interior
em precipício.

Perder não haveria de ser tanto assim
não fosse assim tão demorado.

Como demora.

Tudo isso demora muito.

Já gastamos as moedas para o seguro
restamos, enfim, sem chão

nem certo.

Por quanto mais devo aguentar?,
ele se perguntou numa manhã

fria e tarde.

Quanto?
 

domingo, 22 de setembro de 2024

Perder, perderam


Olha lá ele rodeado por nós. 

Antes, sozinho, conjugava tudo
por si. Estava só. 
Na potência de um si mesmo 
pisava solos e escrevia seus próprios 
Livrinhos. 

Depois viria o vento
que veio. E viria um verão 
Invernos mais quentes e
vejam: ele saberia como estar só
e ainda sem medo. 

Mas aconteceria, eventualmente, 
de perder toda a linha. O eu
Dele estatelado na avenida 
sob condução pesada
Morte é coisa que vem
e passa (sempre por cima). 

Quando já não mais se houvesse 
haveria no mundo inteiro ainda temperos e sente isso. 
E ervas e a vida - diriam -
encontra o seu jeito de se fazer
Continuar.

Perdido um eu, ainda assim haveria um outro
para ele contudo no entanto
O outro nunca seria eu
Ao outro o eu nunca seria se não 
Outro. 

Ficou confuso
Apaixonado
Perdeu o prumo o verso 
Ficava tarde. 

A vida não comete atrasos.

domingo, 15 de setembro de 2024

Cansaço

Disseram bastante acerca daquilo que faria um homem tombar.
Detalhes foram prescritos, a envergadura, densidades, se chumbo ou aço, a diferença entre cervical e ser ou não já tarde. 

Disseram que o de um estava prometido, que o de outro viria no tempo certo, que uma coisa era uma e outra era, por certo, dela distinta. E disseram repetidas vezes que sim já sabemos. 

Sobre os barcos, cascos, dos cavalos, seus lemes, disseram a oeste e norte, que antes não era assim, que maldita tinha sido tão mutante sorte. 

Tarde teriam dito que a causa era da água, depois em rede nacional foram pedidas desculpas para gente tanta, todas já mortas, ainda assim, seguimos atentos ao concerto que se passa na cidade. 

Naquela casa escura faz duas ou três horas (quem saberia precisar?), dois homens dormem abraçados e um deles ainda sonha.

O ronco do que sonha em nada incomoda a paz do mais silencioso. São homens e se amam, a bem da verdade, de modos diferentes e parecidos, ora mãos dadas, ora mútuo espaço é bem-vindo.

Ali, os dois, tombados de cansaço, dormem em impressionante alegria, colchão, eita, vida, eita, vida, quanta delícia quando você chochila. 
 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O menino


Ele estaciona o carro no bairro de prédios
com no máximo quatro andares.

Usa bermuda e camiseta pretas
apesar do carro prateado.

Ele parece jovem e se porta
decididamente

ele cruza o pequeno portão
de um prédio

ao seu lado um limoeiro
imenso e verde verde

nas mãos ele segura
o telemóvel

Estou aqui
por onde entro
Você desce
eu subo
E então
Diz algo
estou aqui
Você onde

E o fantasma
em silêncio

se diverte.
 

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Amanhecer na cidade


Duas senhoras conversam
entre cafés, guardanapos 
e miradas à rua que corta
a avenida. 

As bolsas e os cigarros
um pão no embrulho 
um carro aguarda
parado. 

Um cão passa com
seu dono e não haveria
noticiário não houve
atropelamento. 

No entanto 
do lado de fora da cafetaria 
um homem barbudo
olha a barba de outro.

A cidade amanhece. 
 

domingo, 1 de setembro de 2024

Uma proibição

Uma indefinição tombaria sobre os segundos

Nenhum caminho adiante, assim pareceria ser

Conjugação forçada, errônea, ingrata sentença

Por ter havido uma proibição a vida não cessaria

tenha a santa paciência

*

O constransgimento não é sufocar

O perder não é morrer, não ainda

Caminho é coisa que se abre tal qual ferida

Há que confiar no futuro

como confias neste doer

*

No desnorte desta corte

No azar desta sorte

É com unhas que você escreve

Privado da solidão

dium umbigo

*

Privação seria isso

Proibir-se de esquecer

Que mesmo que doído

Não estás

não mesmo

*
 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Débito é dever

Quando a indiferença tombar sobre o humano 
quando a ele nada enfim provocar
exceto o ele mesmo
Seria então preciso com ele
jogar o mesmíssimo abandono
Balançar os ombros e dizer 

- Que seja.

Que seja à força
Que seja sem outro ou outro
Que fosse assim
indiferente, apesar de ferir
Os astros diriam continuem
ele haveria de recobrar um resto de consciência 

Pois há mundos que desconhecem que possam fazer parte de algo que não eles mesmos, 
humanos há aqueles que apenas seguem o modelo
que apenas fazem o mesmo. 
 

sábado, 24 de agosto de 2024

Um para começar

No ato da inscrição
o nome já não era necessário 
Daí viriam sustos outros 
mesmo que esperados 
Por exemplo
não houve comoção 

Pois entre eventos 
e acontecimentos 
Há de um tudo 
menos drama
Sofrimento não sofrem
os parafusos ensinam 

Já estava dado
de certo modo estava 
Que outra era ali começou 
e ali outra começava 
Se nomes pois quedaram 
imprecisos, também pronomes 

Provaram-se irrelevantes
para a irrelevância que
Fazia-se irredutível
psicanalistas na berma
porta documentos vazios
O mundo transpirava 

A ausência do perigo maior 
que teria sido
Os sofrimentos dele.
 

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Sempre que eu abria uma das mãos


Em algum dos muitos textos escritos até agora, disse algo como colocar esse corpinho em jogo. Não que ele não estivesse, mas agora é diferente. Cheguei hoje, 21 de agosto de 2024, uma quarta-feira, à sala de ensaio e fiz uma série de fotos. Não foram pensadas ou planejadas. Eu tirei a roupa da vida para colocar a roupa de ensaio, e no calor do ar-condicionado recém-ligado, fiquei assim, cueca e meias, a dançar na frente do telefone.

As fotos eram tiradas sempre que eu abria uma das mãos e o telefone reconhecia. Em dois segundos, certeiros, uma fotografia seria feita.

Para uma pessoa inibida, expor-se é mais do que coragem, vai além de qualquer sintoma. Expor-se é manifestar-se decisivamente vivo. É como estou. Tenho cá meu arsenal de problemas, mas sigo em vida, e vivo, como prova irrefutável de algo que não carece ser explicado.

Dei saltos e mais saltos. Pensei nos pés e no perigo das articulações. E mais saltos. E um calor no corpo. E a demora em perceber que estar vivo é morrer no gerúndio, como já havia escrito noutro texto, ir se deixando passar, como as horas, como a correnteza de um rio qualquer.

Eu vivo.
 

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Devolução



Ele está diante da porta
outra vez
fechada.


Por alguma razão hoje
ele espera paciente
não há mais nada.


O que pode ser feito?


Ele espera como quem eclode
como quem transmuta
como quem espera.


A porta é aberta
(o tempo não esteve neste esquema)
a oferta é direta:


— Pois não, senhor.
— Gostava de fazer uma devolução.
— De qual produto, senhor?
— Deste.
— A camiseta?
— Não, este, este dentro da camiseta.
— O senhor, senhor?
— Gostava de devolvê-lo.

(e eu sequer tenho imaginação para continuar)
 

domingo, 11 de agosto de 2024

antes que tudo vire nada


seria preciso que tudo e nada
e sempre e tudo saíssem 
do poema

para ver poder tocar 
na maravilha do cada passo
sem pressa de aventura à força 
o seu silêncio acaba comigo

temos jeitos diferentes de amar
por certo, e eu acrescentaria jeitos
diferentes de sofrer

sinto-me pesado
quero chorar
e não haveria imaginação 
para vê-lo assim

o seu silêncio me deixa subitamente sozinho

ele serve apenas a ti
e talvez a mais alguém 
mas não a mim 

Não a mim. 
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

depender como quem esquecia




sim eu chorei
e fiz gestos que tentaram dizer
literalmente
aquilo que eu venho sentindo
e depois de chorar
falei alto e sorrindo
e depois machuquei a mão esquerda
e encontrei entre as duas
algo esquecido
depois comi algo
tomei insulina
li um pedaço de filosofia
e ouvi músicas
e dancei
e fiz anotações
e desenhos
e lembrei
mais ou menos sem ordem
o que possa ser algo nessa vida
 

da lista de coisas a


nem continuaria
não estivesse ainda
eu vivo

não continuaria
a aumentá-la não continuaria
a ticá-la

ticar
dar um tique
ticar os itens da lista

interminável


nem continuaria
não estivesse em vida
é preciso dizer

não continuaria
a fazer listas e outras listas
caso não aqui agora

demora eu sei
demora, mas numa hora
perceberia que

tás vivo


os refrões te desautorizam
a disposição dos móveis não te ajuda
os traços do corpo nada dizem de um futuro

os versos crescem
e crescem e quanto mais
mais lamento movimentam

um cansaço ancrestral
não quer dizer que não possa
ser exterminado

vives?


há coisas da lista a esconder
para que ela não descubra
para que a exigência não venha a te abater

e é já o pronto
pronto, calma, pronto
era isso mesmo desde o depois

seu poema nunca foi clamor
de algum sucesso seu desassossego
é tão imenso que nem de perto

era possível encontrar alguma sua alegria
mas olha ali no canto ela brilhante
sua alegria ela sua

ela sua
sua alegria
ela é e sua
 

sábado, 3 de agosto de 2024

Eu narciso


Foi com lentidão
que o convite não aberto
se transformou em
delicada exigência

Agora tenho que
dar espaço em mim
para que ele venha
ele, eu digo, eu

desconhecido.

Ele me pede um tempo
e exige-me um dispêndio
que se eu tivesse religião
diria ser gesto sacrílego

e é

Romper assim uma vinda
toda viciada e já hábito
seria o mesmo que assassinar
o assassinato

aquilo que me machucava
sem que eu nada fizesse.

A possibilidade de eu ser menos tanta coisa

ser menos responsável
ser menos preocupado
ser menos previsível
prever menos
antever menos
eu cujos olhos foram recentemente por laser queimados.

Olha,
Se tanto te cansa o fora
Se tanto te cansa o outro a outra
toda essa exterioridade
Convém reter, ficar, sem medo
ficar aí, aqui, consigo, com você

Mira,
o espelho não é sinônimo de azar
o espelho te conta quem tu és
e tu sabes?

Sabes quem estás tu a ser?
 

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Descolar


Com tranquilidade percebo
a importância de não tanto ver-te 
Contaria os dias 
Tento agora não contar 
Mas percebo
a tranquilidade de algum descolamento 

Você aí enquanto eu cá 

Existe algo numa vida que se sustente sem tanto precisar de outra vida? 

Pergunto como quem debocha
a resposta precipita na ponta da língua 
E eu querendo te beijar

*

Sem você tanto por perto
Eu teria que aprender inédito 
O que é isso que disseram ser 
O amor, confesso,

Eu ainda não sei se sei 
Mas sei que estou descobrindo 
Como quem revela uma face
Atrás da qual outras ainda 
Não são visíveis

É o que eu disse
Quando você perguntou se eu precisava 
De alguma coisa 
E a palavra você veio sem que eu pudesse perceber 

Então amanhã não, 
Depois também não,
E também não depois de novo, 
Haveria nisso uma escola
Que me ensinasse a arte do isso mesmo 

Porque é isso mesmo 
É assim como é 
E os sublimes serão instantes 
E o resto é vida prática beijinho obrigado boa noite te amo aquele abraço 

Gostoso
Sublime
e largo
um pouco
  

Querida futura criação ~

Disse meu horóscopo que o dia de hoje teria sido propício para iniciar novos projetos.

Pensei, logo ao ler a profética mensagem, que deveria te começar, dar início à sua, minha, nossa jornada criativa. Mas chego ao fim do dia exausto e não tendo feito nada, exceto desejado.

Desejei abrir um caderno e tomar notas, desenhar um pouco as imagens, imaginar um pouco as palavras. Mas o que resta agora são os últimos minutos do dia e eu aqui tentando precipitar um gesto que fosse a ti, para que possamos criar juntas a nós mesmas.

Te escrevo, portanto, porque venho pensando e te vendo, imaginando e desejando um punhado de gestos e dizeres e, dessa vez, também tantos movimentos. O tempo foi passando e eu fui indo distante do que desejava a ponto de ter desaprendido a saber o que desejo.

Sobre você, querida futura criação já em curso, já em viagem, eu te desejo com a delicadeza mais delicada, na calma menos raivosa, na força menos forçada. Te desejo não porque gostava que alguém salvasse essa minha vida, não por isso, eu te desejo porque ao afirmar tal desejo não sei mais o que dizer.

Não sei mais o que dizer, mas dentro, dentro, dentro eu sinto que faria bem à vida dispor-me desse jeito, querendo ao vivo, e em vida, movendo o corpo, os traumas todos, as belezas e suas tias e iras, eu venho desejando não provar nada a ninguém, mas provar a mim mesmo, colocar-me na boca e mastigar os hábitos para ver nascer, de facto, alguma doçura.

Tenho, faz anos, sido muito sisudo comigo mesmo. Tenho sido péssimo comigo mesmo. Ninguém aguenta por tanto existir sem o afago do carinho. Não digo permitir que se faça isso ou aquilo, isso também não é amor nem cuidado. Estou dizendo do carinho que celebra o gesto ínfimo, do reconhecimento mudo que mesmo sem falar diz algo interior como continua, menino.

Ou homem. Ou fiquei triste muito cedo.

Ou você, então, querida futura criação. Futura não porque você não exista ainda, nem bem porque você não esteja aqui presente. Mas futura mesmo porque o seu semblante é todo do adiante, a sua delicadeza mesclada em intensidades mil é um trunfo que anuncia não tempos porvir, mas éticas por firmar.

Querida futura criação, eu te desejo.

Com amor,
Liberano
 

Sem Título-3



tu pintavas apenas

talvez respirasse

secar

pintar apenas

pensava sobre a importância

passar a deixar

óleo demanda tempo

o gesto dos pincéis

não pensavas

não como quem espera

morrer e passar

mas como quem

horas talvez

enquanto eu óleo sobre tela

em movimento

em 2024

e sobre deixar secar

deixá-lo ali

de suspender o pensar

como quem deixa

assustar-se abruptamente

apenas

ao perceber que por tantos minutos

a pesar


terça-feira, 30 de julho de 2024

aprender outro


Parece que eu falo demais 
Você parece falar de menos
E então dá no que deu
Disse coisas estúpidas 
E no seu silêncio 
Não fizemos conversa

Peço desculpas
Você me enche de beijos
Quanto tempo falta para 
Dormirmos abraçados 
De novo
E de novo? 
 

sábado, 27 de julho de 2024

sem terapia


Sim, estou chateado. Com o tempo perdi a honestidade do trato. Fiz menos por mim e aceno ao mundo indignado. Minhas insatisfações são também saldo de meus atos. Seria preciso mais uma mudança. Confie, algumas transformações são possíveis. Estás insatisfeito justo porque a coisa parece não querer mudar. Sua insatisfação protege o desejo de abrir caminhos, florescer, confie. Criaste para si mesmo um prazo, uma longa palavra passe, lançaste ao tempo alguma medida para a sua vitória. Palavra estranha para alguém que se sente fracassado. Seria isso? Seria isso mesmo?
 

quarta-feira, 24 de julho de 2024

como quem?


como quem tem sono
como quem não escovará tão cedo os dentes
como quem preferiria não estar aqui 
como quem não sabe muito bem para onde seguir
como quem espera o café 
(ele acabou de chegar)

Escrevo como quem cansou de lamentar e continua lamentando em versão de poema 

Diriam que fiz pouco caso 
Diriam que era coerente com meus gostos musicais 
Diriam que o suicídio da amiga me teria modificado desde a adolescência 
Diriam em letras maiúsculas 

Coitado dele, pobre coitado 

Escrevo como quem diria que palavras e segundos têm em comum o brusco desaparecimento

Que fosse
Que dissessem
Que comessem

(o café me espera)
 

terça-feira, 23 de julho de 2024

she was part of the paiting and she was ~


And she was already there
we would say
She was there, really!

And when we say she
we are saying death
well and deady
She death
She, the death
She was already here
and there she was

Living as if she was part of the paiting and she was
She really is

You could say
why you're so obsessed with it
oh
why you love to talk about she
oh, baby

I would only say that is
just because my eyes are
wide
opened

Are yours closed?
 

domingo, 21 de julho de 2024

another since another is not possible

 
I don't want the poem
give me what he can't

The chair is still the same
The white wall of this house
If I want I can paint it green
But the poem
of the poem, actually
I only want one thing:

let him get me out of here.

For brief seconds
going down like it's rolling
down uninterruptedly
each verse
The poem
in your specific measure
will have to save me again,
amazing machine, isn't he?

~


~

And I won't say what it's about
I'm not going to discuss the paths for writing it
I will not lecture about being an author
(It's been hard to be something even before this)

What I want is for the universe to shine
the revelation that when inventing a poem
[and the universe that's him]
I am not me anymore
I'm no longer in myself, that is,

Attention
[and that's what matters]

Now
right now
I'm no longer cramped in that corner inside of me
where my pain had strength and as a wall had a name in it

heartache

And from then on it would be
just something more or less like this:
finish this poem
and for the pain to return

quickly
 

eu que não me magoava aprendi a doer


e de imaginar
eu sequer imaginaria
de tão distante
outro reino
eu não pude
não sequer ousaria

ir tão fundo
num gesto tão seco
ser tão corte
tão ríspido
tão brutalmente
inconsciente

não
alguém ao redor poderia ter anunciado
não seria possível
imaginar que você cruzaria os dias
a ofender-me
sem que te restasse um segundo
que fosse um
um segundo em que você percebesse

estou sendo ridícula
mais do que desculpas
eu deveria parar
frear tudo
e parar
parar como quem sabe
conscientemente
que se eu continuar vai dar merda

e deu

cá estou
moído
sem fome nem força
querendo estar abaixo do mínimo
temo dizer oi por deduzir que nada disso mais virá
temo dizer o que penso
porque já aprendi
em poucas semanas
o quanto te irrita o meu pensar

então por que estou aqui?
por que me convidaste?
por quê?

não tenho forças para te perguntar
tu não tens respeito para interromper o crime
e assim ficamos
eu te sirvo água
eu te trago o café
eu acato as suas ordens
e isso tudo para quê?

 

sexta-feira, 12 de julho de 2024

I was looking for a lot of love and I founded it


No, actually I was distracted
I was busy, busy days, busy bees
Lots and lots of things to do
I wasn't paying attention
Every step a leap
I was jumping all over the place
And in the movement
I didn't realise I was there
I was looking for a lot of love

And when, distracted again
We shared that cheap wine
I couldn't have known we were
Sharing more than cheers
Darling, your love is touchable
And it's so close
Can you see it?

My hand
Your touch
Our conversation
Pasts and futures
And that quiet sound
Of a crowded word that love used to be

That crowded word that love used to be

I was looking for a lot of love
and suddenly I found you
More than that
Much more than that
 

sábado, 6 de julho de 2024

o meu limite o seu


Disse antes e venho dizendo 
Que faço por mim
O último da fila
Imensa

Lutando posso dizer venho
Tentando não aceitar de
Pronto essa vocação 
Para dar-se todo

Inteiro
E mais um
Pouco mais
Insisto 

Esquecido dalguma possibilidade mais comigo generosa

Estou triste 
Assustado na medida do cansaço 
À espero do meu corpo dizer 
Que chega 

Estou atento 
Não aceito mais simples assim
E generoso te direi resumido
Antes de ir

Que não foi esse o pacto 
Que não me disponho a ser ferido 
Voluntário 
Não mesmo não isso não 

Se assim for
Atenção 
Eu parto
Eu parto
 

sexta-feira, 28 de junho de 2024

pós-morte


já não terá graça
e dirão sobre aquele detalhe
e sobre o todo e sobre toda
a parte
mas já não terá graça
a mim sequer
provocará arrepio

versarão sobre o futuro
ter estado aquele tempo
todo contido no gesto
mais tímido
sobre o quanto havia ali
um lirismo tal
e sempre  específico

essa palavra
os pós-modernos
talvez por isso
eu tivesse
morrido

e dirão mais
e mais que o mais possível
e eu tentarei ouvir?
eu nada
eu terra
eu que não tive tempo
para escrever em vida
um poema sobre o facto
de que gostaria mesmo

é de ser evaporado após a morte.
 

quarta-feira, 26 de junho de 2024

A tranquilidade que não veio é porque já lá estava


 

tanto tonto


sem excessos
nem palavras difíceis
o paladino
não nos impedirá
do mutante segundo
que muda
e fala alto
e muda
mesmo assim

a discordância gesto inevitável
viria sim ela veio
ela aqui
entre nós
como ar que respiramos
aqui e por toda a parte
seria impossível
aquilo de
tudo bem

fico musgo
olhos inebriados
depois passa
tão rápido
tá todo mundo tão doído
tanta dor já acostumada
que range aqui
range acolá

sua mãe te escreve
falando de dinheiro
o judiciário te liga
o golpe outro golpe
na bolívia
que cansaço
a saudade imensa
de um dia tranquilo

uma semana
meses
anos
é pedir tudo?

você tá confuso
doendo e doente
ferido e tentando
cada qual com seu monte
de dores
desmontadas
aos pedaços atrapalhando
a vida ordinária
a vida ordinária

quisera
que ontem não tivesse sido assim tão como hoje
esta merda
 

segunda-feira, 24 de junho de 2024

u m p o e m


queria poder fazer
isso que agora enfim
eu posso
dizer assim
com a boca cheia de palavra
que enfim
eu posso

te dizer
assim cheio
de nós
obrigado
meu amor
pelas horas
hoje ultra
passadas

quisera ter problema?
não quisera
quisera a quimera?
fico com o que temos
nenhuma dor é maior
que esse
maravilhamento

eu te digo
já é tão comum
te amor
que talvez
perca toda a graça

e que assim seja
e que o amor antigo
e perseguido
vire o ar que respiramos dormindo
que essa paixão tinja as paredes
que dê asas aos zumbidos
que nutra as poeiras que voam
que esse amor
suja as louças
que as lave
que me ensaboe em cada banho
e em cada manhã
que esse amor

seja o copo d'água primeiro
de um jejum de ausência de amor
interminável
 

quinta-feira, 13 de junho de 2024

sábado, 8 de junho de 2024

como se o estivessem a ver


(e ele dizia internamente
como quem delicadamente
repreende a si mesmo:

- ninguém está te olhando

e olhava ao redor e de
facto ninguém sequer
se preocupava

- cada um com suas coisas)

o medo é uma crisálida

(- confia

ele não vai durar.)
 

sexta-feira, 7 de junho de 2024

the London hour

No rush they would say
But what do they know 
About that beat 
That is beating me up and down and down and up

Again it's morning 
My eyes are so tired 
Damm, after a few weeks 
What was new becomes so 
What 

I'm not sure about how much I can afford 
But I have no idea what to expect 
You know what you mean by that 
I'm just going to be together with 
Us
 

domingo, 26 de maio de 2024

vó Suely


Como uma família pode produzir
tanta desconexão
Como pode tanto esquecimento 
Tanta quase indiferença 
E cá chegamos 
Ao dia de seu falecimento 
E quem sou eu que não apenas 
Um estranho
Distante
Incapaz neto? 

Não há culpas, eu observo 
Apenas como é possível 
Uma família ser erigida
Sem nada ou quase nada 
Sobre o inevitável ruir
De um projeto para o qual 
Não houve empenho

Não haveria outra história. 

Morre a vó 
Mas antes havia já morrido 
O amor que entre nós teríamos tecido
E não tecemos
Nem por ti 
Mais por mim

E por essa outra vez estranha 
sensação de família. 

Descanse vó, 
Lembro-me de ti
Com a doçura e o riso
Como um amor longe
Quase impossível 
Mas vivo. 
 

segunda-feira, 20 de maio de 2024

elas vieram


E eu jamais evitaria
O que sinto é o que sou 
E choro agora
Lotado de amor

O facto de eu estar assim
Assim 
Não diz nada sobre ti
Atenção, amor 

Eu estou mesmo machucado
Não por ti nem pelo mundo
Quem me dera fosse esse o alvo
Mas por mim

Choro lento como quem sabe 
Que essa luta é longa e demanda
O medo maior por certo 
É que você, além de mim, 

Também doa.

Minha sorte eu te disse
Não conhece palavra, 
Não há palavra que chegue
Nenhuma capaz de dizer

Do meu encanto. 

Te trago comigo feito um presente 
Que é originário 
Eu não sabia o que viria depois do embrulho 
O próprio embrulho já tinha me conquistado

confio pelo primeira vez talvez em mim

E agradeço 
Pelo sua tranquila e trabalhosa 
Disponibilidade 
E te amo

Com a tranquilidade lenta
De um pesado fim de tarde
Eu te amo hoje porque hoje 
É onde nos temos 

E com você 
Passo a passo
Perco-me também 
Dos medos. 
 

sexta-feira, 17 de maio de 2024

i would say something about my future death

for many years yes it's true
i begged for such a sudden death
without me being able to suffer

i couldn't imagine that one day
even suffering would become
boring

no, no, i don't want to suffer while i'm dying
it's just that for the first time
death seems like something 

that i should just live
not leave behind

so you'll stay with me to the end?

i hope so
i really hope so

this environment

it's not that
not that one
not another one
it's exactly this
this here
here where i am

inside this meeting room
i meet no one new
except my other self
does he exist?

you gave me flowers
wine and smiles
but i have a boyfriend
and before you know it
you were already
my new friend

sorry if it's not special
as you were thinking
but it is
for me
and for my heart
beating

softly
softly
without pressure

you gave me flowers
and honey and love
and i am still here

in the meeting room

what does it mean?

quarta-feira, 15 de maio de 2024

os que eu mais gosto

são aqueles assim
Que não precisava
Ter escrito de facto
Não era preciso 

Gosto porque deles
A consideração nem é esperada
Tanto mais preocupante 
que poema assim

seria gesto inoperante 
Que atrasar ia a vida
Um instante se nele 
Pousasse 

Eu aqui dentro desse avião 
A pensar que com o tempo
O mistério do amor perderá 
Meus medos 

De mim
De ti 
De nós e léguas e milhas 
e línguas, meu bem 
 

sexta-feira, 10 de maio de 2024

30 anos é um longo tempo


Já não considero o futuro
Algo porvir;

Perdi também a aflição 
Por estar presente;

O amanhã sempre se confirma 
Na ação de postergar;

Bocejo como quem respira, 
Durmo como quem enzima, 
Seria preciso ter sido outro, 
Mas sou este ainda;

A poesia no fim foi como antes 
Dedicada distração;

O amor lindo como um bom
Pedaço de queijo;

O sexo é o dinheiro, 
Também passariam;

30 anos e eu perceberia
Não faz sentido algum 

e a tamanha falta 
chamar íamos 

Oh, vida.
 

quarta-feira, 8 de maio de 2024

te conto

para k.e.

para quem não teme as palavras
esse sequestro sim, por certo
seria comovente

faz três dois dias
me fui de mim arrancado
por sua lembrança
em forma de imagem

na primeira vez
estava a limpar o tapete
sobre o qual bem na quina
turquesa meio carmin
um livro de contos
sophia de mello breyner andresen
restava tranquilo

pensei em ti
no exato instante
pensei em ti
em que limpava
sei lá que poeira
pensei em ti
com a doçura calma
d'amizade

depois agora
já era segunda
vez em que pensei
em ti como quem queria
saber como estás
como estás
interrogo na leveza
de quem tem nada
para fazer e sabe

que uma amizade
é feito mobiliário
d'alma

muda-se de país
e de casa
e algo continua
você

como estás
como estarias?
bem
espero

enquanto lavo a louça
a garrafa de vinho me olha
melhor teria sido
bebê-la na sua companhia, minha amiga

terça-feira, 7 de maio de 2024

Já me esquecia de dizer sobre o que sinto

De tantas imagens
eu poderia ter me apaixonado
por você
mas tive o cuidado
de aprender com as flores
as durações menores
que não nosso amor,
meu amor.


Passado um inverno
já era hora, pois não
para receber sua saudade
e impacientar-me
junto com nossa
urbana
distância,

é tarde
e te amo hoje
como ontem
mas é diferente
o sossego da certeza
de que tão logo amanhã
depois te abraço

me comove.
 

quarta-feira, 1 de maio de 2024

E só de pensar, realizo


Que numa tarde como esta
eu viria até aqui para
sem dor ou trauma
Dizer-lhe o que sinto.

Que fosse possível
algo que não o esquecimento
que fosse possível algo que
Não posso

e ainda assim continuar.

Difícil seria provar-se o contrário
mas fato seria que aquilo sentido
era tão nada, tão quase o total ínfimo
que por isso mesmo

brilhava

brilhava

e brilhava
muitíssimo.

Aquela coisa
sem nome
por tanto nome
que podia ter

era tão somente
aquela tarde
aquela tarde essa
a cair

a sair-se

tarde quase noite querendo ser.

Que paz.
 

domingo, 28 de abril de 2024

algum descanso


tempos verbais já não interessam
o que é certo é certo 
o fim tem lá seus cavalos
estão todos de banho tomado 
ávidos 

eis algo da vida
que nunca haviam
te contado
 

segunda-feira, 22 de abril de 2024

delicad' análise


confesso que foi observada
com atenção
a especificidade daquele instante
do momento que seria
ou não
oportuno e decisivo
inda assim delirante

a contrariar os diagnósticos
arrasaria a si mesmo
sem freio
mas com doçura
pois a dificuldade consigo mesmo
seria tão somente
provisória tortura

estava decidido

no amanhã logo cedo
manhã seguinte e mesmo
diria precisamos conversar
e diria que posso partir logo depois
e diria coisas que não precisariam ser ditas
porque confiava

ele confiava

que você se importaria
apenas e tão somente
com a possibilidade efetiva
do seu bem estar
ora essa
gente

por que me é tão impossível vislumbrar comum acordo
em vez de tão somente tragédias e tragédias mil?
 

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Não tanto assim


Confesso ter esperado uma longa duração.

Sonhei, assustado, inclusive outras conclusões:
aquelas que me livrariam do desespero.

Acordei no meio da madrugada e ao sentar-me ao vaso sanitário
por um segundo ainda tomado por algum sossego
pensei imagina se isso fosse verdade
e era.

Lerda a verdade se espraia rumo ao dentro
e ao fora
e ocupa cada interstício
e o que sou de mim eu já não era
antes desse novíssimo diagnóstico.

Não demorou tanto assim
agora percebo.

A dureza só é dura se eu não a mastigo
mas ouçam

estou
mastigando
até mesmo
o medo.
 

terça-feira, 16 de abril de 2024

Alinhamento


Demandará tempo
posso dizer
para o medo de hoje
virar no amanhã
um gesto
capaz de te chamar

vem, amor
deixa eu te contar
uma coisa

Uma outra coisa.

/

Demorará porque o susto
sentou sobre mim
com sua imensa e pesada
bunda

caudoloso susto
não sei reagir
sofreria apenas
se me fosse permitido

desconsiderar o seu amor.

//

No futuro terei dito
quase tudo
direi o que importa
porque me importa

o senhor
e o nosso negócio
o nosso amor
meu amor

///

Mas por agora estou vencido
inerte ante à boca
aberta escancarada
como quem descobre tarde

que seria depois apenas
que o amor a mim viria
e que no entanto eu não teria precisado
perder-me tanto quanto

me perdi.

////

Dói um bocado
é dor distinta
não sabia nem conhecia
mas dói inda assim
 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Eu escrevi uma carta

Que talvez possa ser usada no dia em que eu morrer.

E sem espanto. 

Mal tinha nascido e fui sequestrado por uma doença que transformou minha vida que viria.

Agora, já com 30 anos de doença, sinto a inevitável necessidade de me olhar sem paciência. O que foi, o que fui, o que de mim foi feito enquanto tentei viver.

Fato é que desde muito cedo aprendi que não viveria muito. Ninguém me contou, foi aprendizado dado pelo caminho. Disseram-me é mentira, também já me disse isso. Mas se a certeza do meu fim não antecipou minha vida ainda, por certo já adulterou meus sonhos. Pela vida, perdi o encanto de um eterno possível. Sem relutar, aceitei cedo que findaria mais cedo. E sem escândalo.

Minha condição, no entanto, talvez tenha me feito encostar ainda mais na vida. Sem excessivo medo, sem saber o cuidado necessário, fui atento, prudente, até que o fui, mas sobretudo em quase tudo eu fui demasiado: montanha russa nunca temi, arrepio por conta das alturas senti, mas estive ali, nas alturas todas, a sentir o tremor das pernas, a ponderar o que poderia vir.

É curioso agora apresentar esta performance. Agora que minha vista falha. Agora que como nunca antes pensei em morte, em me matar, eu digo, sem escândalo. Você quereria continuar a sua vida caso não pudesse propriamente vivê-la?

Eu não aguentaria a distância das paisagens vistas.

(continua) 
 

domingo, 14 de abril de 2024

F l a V o u r


Diria inevitável 
O pouso leve
Do seu olho
Sobre o meu

O cabelo curto
A barba raspada
A cor dos olhos
Tudo em você é uma entrada

E eu escorrego
Ao fundo 
Pela ranhura 
Dos dedos todos
Eu me escorro
No osso do outro
E a sua sujeira
Em mim é alegria

Impura

Como os deuses
Haviam dito
Da cinza do seu cigarro
Que vai ao chão 
Sem que seja preciso
Batê-la

Homem
É ingrato que a guerra que fazes
Seja tão proporcional ao desejo
Que sinto por tudo aquilo

Que teu moletom esconde. 
 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

resplendo


não foi cedo quando percebeu que aquilo
sentido
fazia sim algum
sentido

soou primeiro um abuso
pequeno tenebroso
delírio
mas não

tarde ele enfim perceberia que
na outra ausência
haveria ele que entender-se
com tamanha

impaciência

isso

de aguardar por um gesto outro

que desde cedo
e sorridente
já sabíamos
que não vingaria

então eu deliro

ele agora pergunta-se

não há espelho

nem há outro sequer

luminoso
acordo decidido
eu quis a conversa
optaste tu pelo

a p a z i g u a m e n t o

a p a z i g u a m e n t e

prefiro o rasgar
do honesto gesto
de dizer
do amor
 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

duas palavrinhas


não nem antes
não não escrevo como
escrevo assim
desse bem jeito

não não escrevo como antes
nem como depois não escrevo como
escrevo tal como você me lê
caso me lesse

a ideia de que haveria amanhã
é tão enganosa que mesmo agora
desconfio que a mentira esteja sentada
sobre mim e minha mesa

como se houvesse um agora
é quando escrevo
e tenho tentado aceitar
que isto é o que vale

confiar que tem importância
alguma essa aprovação que
não vem do fora
mas do dentro

do dentro
aplaudo
a tentação
que não cesso

eis o sentido primeiro
e último e derradeiro
do costumeiro e estranho
sucesso

duas palavrinhas
para você
para
béns
 

no seu dia a mim um presente

perguntaste se me sinto jovem
ou algo assim se me sinto velho
não me recordo

disse que não tenho esse direito
que não posso me sentir jovem
tendo já desacreditado

em tanta coisa

perdi a confiança

não creio mais

e não é em mim não em ti
não perdi a confiança na vida
não ainda não perdi

mas jovem não me sinto
não me sinto assim ingênuo
perplexo tomado

o atravessamento que me corta
é coisa impossível de ser
coagulada

*

hoje no dia do seu aniversário
ganho de ti um presente e descubro
mais do seu amor

por mim
assassinado
o seu amor por mim assassinado

é assim não é?

matamos em vida
o amor que não conseguimos
deitar em nosso colo

matamos em vida
o amor que não foi na linguagem
corrente correspondido

e ele morre mesmo?

eu não quero te perguntar

eu te chamo para um jantar

eu te ofereço essa conversa

eu confio naquilo que pode
surgir mesmo que a gente
não soubesse que

que haveria
que aconteceria
que existiria

eita eita
 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

das escolhas que tardam a significar


Elas foram feitas 
E quando foram os olhos 
Estavam bem abertos
As escolas feitas
Também estavas atento 
E os deslocamentos 
As deslocações 
Estiveste ali
Presente e banho tomado
Imprimiste o papel
O documento a tinta toda
Até as injeções vieram
E no prazo continuaram 
O vento mudou 
A árvore também 
Mudaram as janelas 
O endereço e as casas 
Os hábitos um pouco 
Um bocado mudaram 
A alimentação enfim, meu caro 

Tendo tanto já mudado 
por que ainda todo esse susto? 

Deixaste para o antes coisas 
que julgavas te deixarem louco 

Não foi isso? 

Sente então saudade 
dalgum sofrimento? 

Não sinta falta do que te faltava de si

Não gaste o fôlego no já ido

Olhe para onde quer que exista 
toda a beleza que está a vir

Está a vir

Estar a vir 

Estamos, não? 
 

Não digo nada

Olha com honesta tranquilidade
Eu sequer digo coisa que seja
Porque veja bem olha o tamanho 
Dessa felicidade 

Estou sob ela soterrado 
Quando penso na sua doçura 
Descontrolo-me todo
Quando penso em ti 

Interior alvoroço 

Não quero que me socorram

Deslizo confiante 

No desfiladeiro deste amor

Meu amor, o seu som, seu cheiro e seu sorriso você inteiro é tudo o que eu preciso
 

Píncaros

Estavam lá todos nas alturas
E sem que imaginassem
Também lá subitamente 
Eu chegaria

Os dentes sujos
O perfume de chocolate
O casaco grosso
O suor na face

Disseram-me
Estás bem? 
Eu não estava
Disse-lhes

Aqui é alto 
E então silêncio 
É mesmo alto 
E entreolharam-se

Pensei só comigo 
Que quem no alto está 
Por tanto tempo assim 
Talvez não saiba dos princípios 

Os primórdios 
Eu disse 
Entreolharam-se
Eram baixíssimos 
 

terça-feira, 2 de abril de 2024

159 »

tudo verde

aguardo a queda livre
ou sinuosa
para comer o trigo
o queijo
a carne

são que horas?

eu espero

firme no balanço

consciente de que se balançar demais

eu morro

eu morro

não?
 

domingo, 31 de março de 2024

duração


subitamente perceberia que foi colocado em terceira pessoa
do singular
sempre mencionado antes em primeiríssima
agora restava como um ele estranho
sem elo com nada
abandonado de si

a provocar desinteresse nos ditos
outros

é que por muito tempo argumentou
que era assim que era
que assim era como deveria ser
e pronto
amanheceu noutro dia
incapaz de ser outro
e pronto
incapaz assim
tornou-se

em terceiro lugar
da fila do si mesmo
confiou errado
de que o hábito
seria passageiro

demandou tempo
até que a apatia
fosse convertida
em devida morte

até que morresse
continuaria ele a sua
odiosa e ostracizante
ode

eu sou assim
eu sou assim ué
eu sou assim mesmo qual problema
é assim que eu sou

(...)

e era

ele chato
ele ridículo
ele estúpido
insuportável mesmo

ele invariável
e sem força para
e sem ânimo para
e sem para para o que quer que viesse

ele era ele
ele apenas
ele apenas
e morreu, enfim.
  

não gracias


Pensava sobre grandes tarefas
Não obrigado
Tenho gastado a energia que
Resta em fazer o mínimo quase nada tão pouco ainda assim aqui estou pensava em quem já fui no que já fiz no tanto quanto imenso mas hoje não
Gracias não quero mais não tenho ganas no tengo o quê
Não tengo que querer não tenho o que querer
No tengo
 

domingo, 24 de março de 2024

Chei de medo


Medo por vezes transparece
brilha assim todo calmo
por saber da sua força dura
força inerte ele nada faz

E eu nesse enjoo.

Estou cheio de medo
e dentre a imensidão dele
transpira o medo de ferir
seu rosto, sua delicada paz

Não quero te machucar.

E não saberia fazer mais nada
agora sinto que é continuar
na esperança atenciosa de que
provavelmente tudo dará certo

E eu confio como quem já nada mais poderia.
 

sábado, 23 de março de 2024

deitado, resvalo

A dimensão dos seus problemas é a mesma
Mas ora acorda formiga ora aquela besta
Imensa que ante ao infortúnio 
Brilha seu famigerado orgulho 

Nós sabemos
A verdade é que saberíamos 
Houvesse ou não 
Justiça 

Nós sabemos 

Que na falta de uma falta 
Faltaria respeito 
Primeiro com o mundo 
Segundo consigo mesmo 

Respeito seria supor que
O problema é sol que amanhece 
Mais planetas que o seu só 
Umbigo

Respeito seria saber que hoje é assim 
Amanhã talvez inda aquilo 
E que riso e sono não se deve interromper 
Custe quem custaria 
 
Obrigado desde já 
 

quinta-feira, 21 de março de 2024

Bombom


Seria reconhecer o que há de bom
Nisso que tão bem te faz, coração 

Escrever 
Bom, escrever
Bem, é isso,
Não?

Bem bom
 

o seu amor


é bom
estar na mira
dele

 

Enquanto espero

Escrevo poemas
Enquanto espero
Não exatamente o ônibus 
A vida, talvez, enquanto espero
Escrevo poemas 

Sem antecipar sentidos 
Sem prever quiçá destinos 
Escrevo como quem
Como quem escreve
A despeito de

Triste foi ter escrito tanto 
A despeito de tudo ter escrito 
A despeito seguir a escrever
Mensagens a dizer aos homens 
Perdidos que eu fiz bastante 

Para os perder

Por isso escrevo. Enquanto espero
Eu escrevo poemas que 
A despeito da vida 
Eu escreveria. 
 

terça-feira, 12 de março de 2024

Hiperbolo

Não contente com tudo
Queres ainda o todo
O salto por cima do cimo
A baba ressequida após 
O gozo

Seu drama é romper barragem

Inconsciente tudo partes
Como se paz fosse terreno baldio
E você chuva torrente a abrir
Confins para além do sol

E dos solos, 
infelizmente 

Haverá talvez um dia
Que ante ao estrondo 
Ouvirás apenas estalo
Ante ao desassossego 
Dirás tudo bem, vamos s isso

e irias 
na confiança trémula 
de que também a vida
carece de tempo
para complicar-se toda
para tudo complicar
   

segunda-feira, 11 de março de 2024

Na destruição

Confiar sobretudo
Ela tem o seu tempo
O que lhe cabe fazer 
Faça 
O que não lhe cabe
Durma se possível for 

A destruição tem lá seu engenho 

Ela progressivamente faz moer
O osso faz desmanchar a capa
Que te protege ela como ácido 
Misturaria você com antepassados 
Tudo para ela é pasto

Enquanto dormes 
Farias o quê? 
O que cabe a ti a ti caberá fazer
O que não cabe não caberia
Não insista, homem, não insista

Soas ridículo quando tenta gritar ao mundo que te obedeça 

Mundo obedece apenas a destruição 
À destruição minhas preces todas 

Que Ela venha salvadora
Rompendo-me dos acostumados atos
Dos hábitos nos quais fiz morada 
Que Ela venha interromper o laço 

Vida não haveria não houvesse destruição. 
 

quinta-feira, 7 de março de 2024

desvio


meio vesgo confesso
o mundo assim hoje
o vejo como se não 
ousasse confiar que
a vida é escrita por
vias tantas que
mesmo a turvidão
era possibilidade

tento com esforço 
aceitar que agora
meus interesses
são estranhos 
a quem vinha eu
sendo mas como
saber que sou isso
ou era mesmo aquele

postergo a confirmação
sigo sendo estranho a mim
mesmo que eu possa me
apaixonar por esse novato
mesmo que possa voltar
ao poço fundo dos meus 
saudosos hoje antigos 
desejos mesmo assim

queria eu confiar que a mudança de fato fosse um virar de páginas como quem sem querer rasga um livro

marcado ele continua 
escrevendo outras cenas 
 

Esquecimento

Não que fosse um caso de acúmulo.

Havia era mais esquecimento. 

O tanto já feito era lembrado
apenas como o tanto já feito;
já sem peso era esse tanto, 
tanto e ainda assim sem desejo. 

Teria percebido assim que a vida
isso de estar vivo e à vida cosido 
que a vida seria algo então como
esquecimentos sucessivos. 

Vivemos para soterrar os acontecimentos vividos. 

Vivemos para superar a própria vida, não há mais dúvidas quanto a isso. 

Inventado foi que havia um sentido 
Um propósito, uma seta, um desenhado ímpeto, mas não 
Só o que havia, apenas o que haveria, 
Era mesmo isso: esquecer-se

Até já não mais lembrar, 
até já não precisar mais ser
nem aqui estar. 
 

sábado, 2 de março de 2024

tão mais


embarcar no belo barco furado
na pressa de um qualquer hábito 
não perguntarias sobre o remendo
que viste na carcaça ali colado 

o naufrágio anunciado
a sua tenaz indiferença 
a vida em aberto não te interessaria 
preferes já estar morto

a não ser que o cansaço 
subitamente assim viesse
e sobre ti tombasse sem
piedade e então 

Tu abandonarias essa viciada sina de imaginar aquilo que não tem fundamento 

Não tem. 
 

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

mutil

noutro canto
outra parte
noutra parte noutra
isto que resta mudo
turvado

conversa não haveria
pois ainda que falássemos
entre nós nada resultaria
porque observa

seria necessário
refundar a fundação
destruir ao ponto
do extermínio

despedir-se inteiro
e integralmente
não é nada disso
não era para ter sido

só então o poema começaria
e talvez nem por poema respondesse
só então a vida retomaria o ar
que não seria retomado

pois é um começo
e nem novo porque
não teve velho

e só começo
como quem conjuga
eu começo

começou

começamos

e nada do que importa
será esquecido
 
tens de parar com tanta merda
 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

do meu alargado sorriso

disse que foi por ter você me tirado daqui
foi o que disse quando perguntaram-me
sobre esses dentes assim tão expostos
eu disse que o motivo de tamanho sorrir
tinha sido o fato de você ter me tirado daqui
onde?

perguntou-me um senhor na segunda fila

daqui onde, senhor? ele perguntou-me

aproximei a mão do peito
depois a tirei bruscamente
com medo de enganar-me
e disse daqui daqui daqui
entende perguntei daqui
desse lugar

ele fez que não
que não tinha entendido
não entendi respondeu
eu sabia que não
que não era possível
eu também estava
aprendendo tudo aquilo
eu tentei outra vez

o motivo eu disse
do meu sorriso é sobre
o fato eu usei essa palavra
é sobre o fato de quem
agora eu amor de quem
eu amo neste agora ter
me tirado de mim
de mim no sentido
de quem eu era de
quem eu estava sendo

e a coisa não melhoraria

a coisa não melhorou

a terceira fila inteira
olhou-me desconexa

pedi desculpas
e saí do palco

silencioso
e a caminhos dos bastidores
perguntei-me silencioso
se era mesmo aquilo
a razão de meu alargado sorriso

e não era
não era mesmo
de fato
gasta-se mais energia
procurando o veneno
que inventando a cura

o motivo de meu sorriso
não era a merda da qual você
tinha me livrado
era a beleza inaugural
do nosso recém-inaugurado
laço
 

proteger

seria algo como esquecer
uma pequena maçã 
dentro da mochila

lembrar por acidente 
que após o ataque 
haveria um curativo 

disponível

para costurar 
para conhecer melhor 
para saber que há mais gente 

que não apenas seu tio
e suas primas 
 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

de mim o esquecido

nada teriam que ter me dado
não pedi que servissem
nem que tivessem o tamanho
exato de alguma dor minha
não pedi encaixe
não pedi correspondência
nem sequer fiz pedidos
fiz poemas

quer perguntar o que ao poema?
quer encontrar-lhe um sentido?
quer dizê-lo correto, preciso?
quer o que você com tudo isso?

a eles nunca prometi nada a mais
do que o instante fulguroso
do seu aparecer e vieram
aos montes segundo a segundos
fizeram o que era preciso ser feito
agitaram indelicados os mares
mais interiores mais tremendos
e sem beleza ora tão lindos
fizeram o que era preciso

a vida terá lhes imposto
um só ritmo
o do ir
do ir como quem ai
como quem ai
ai
ai
e na batida do ai
seriam cosidos

nada teriam os poemas
que dizer nem explicar
nem nome precisariam
não deveriam encaixar
nem que noutro instante
serem mais ou menos
vivos
foram sempre desde os princípios
os poemas que coragem
quando os penso
sem eles

não teria eu bem sido

o que fui de mim?
 

e nisso foram vidas

essa cor não te vê por inteiro
esse gesto não tem tempo
para os seus volteios
tudo soa descabido
ontem e agora
imprecisos
mesmo este som
ouve só
descombina com a intensidade
desta ruína

sob seus pés
ou patas
estalam os cacos
da vida arrasada
os estalos
do que teria sido
caso tivesse você
permitido que a tristeza
fosse-lhe casa
não, disseste tu

em delicado
e bom som
não, tu disseste

toda a poesia
esse farfalhar de verbos
no fim e nos começos
teriam sido como o vento
modo outro para
ocupar espaço
dar e tomar
ar velho
em novo
outra vez
o mesmo

esqueceremos
e um dia alguém lembrará
e só lembraremos porque
logo logo
esqueceremos para
não lembrar
até um dia alguém
lembra
esquece
esquenta
esquece

e foram nisso vidas
e nisso foram vidas
 

queimar e esquecer




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

oh sufoco


Para que termine uma palavra
Talvez outra pudesse começar 
Como quem termina um doce
Para depois mergulhar no mar

Há no entanto quem faz mistura 
Formigas corajosas que zombam
Com a mesma dedicação tanto do 
Horror quanto da ternura 

Excess
Abismado
Unbelievable tornado quase lá 
Quase um fato

Olha, se me for dada a chance 
Direi quase tudo e mais quase um todo
Falarei dessa torção tão íntima 
Que dessufocaria até mesmo ele

Oh, sufoco! 
 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

I'd say

That you could
I'd say that you should
That maybe I'd say that
You must

Or don't 

Keep it quiet 

Try not to improve the damages

They are all from inner skies 

Don't hurt your self 

Time is more medicine than you could imagine 

Time yourself