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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

montagem_01


Não necessário
Falar não precisava
Mas ainda que não
Ousou pronunciar

E então a noite antecipou-se
o céu ficou bravo
com ele, com ele, sim
com essa mania de falar
sempre que o silêncio pousava

Daí deu no que deu
vagou por ruas
pegou aviões
comeu coisas e gentes
e amanheceu só

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

fala honestamente vai

pensei que pudesse
dizer a mim mesmo
sim, a mim mesmo
coisas que quando relidas
me fizessem acordar
para a vida que segue

curioso, penso,
escrever primeiro
para depois realizar

estranho, no mínimo,
isso de se falar
honestamente
como se não houvesse
consciência prévia
capaz de me transformar

no entanto, sigo,
porque se assim a coisa
me veio assim ela tem
que se dar

e deu
até o momento
nada foi dito
exceto esse preâmbulo
do enrolar

mas direi
amiúde direi coisas severas
falarei sobre as faltas primordiais
as primeiras
direi também sobre o verniz
na face azeda
direi sobretudo sobre tudo
o que não queres ouvir

mas já é tarde
o vinho recarregado
o cigarro ansioso
as obrigações chegando

parei para fumar um cigarro
estou fumando
é no tempo dele
que o futuro vai queimando

nada, diogo, nada a te dizer
hoje nada excepcional
nada importante
nada mesmo

o modo como as horas por você passam
tem sido encantador
parabéns
sua desimportância com as ânsias
é revolução maior
continue
se gastando
com o devido cuidado
de quem está cansado
de ficar cansado
e aprendendo
a reatar as mãos
com o mundo

este mundo
neste tempo
tudo certo
inconvenientemente
certo
justo
rigoroso
cruel

cruel
é o amor.


Mudar para o verde

Nem bem resolução pensada
foi coisa intuitiva
mas non apressada
Não não
isso não
foi felling 
dizem

Depois quando percebi
tudo verde me agradava
deu-me uma paz inaudita
coisa de épocas passadas

Sorri contido
imaginei que germinava
essa vida em vidas outras
fossem futuras ou atrasadas
vidas afloraram
no meio do cúmulo dessa madrugada

Não há grandes revoluções aqui
mas mudar para o verde
me fez perceber
que a vida resvala
e resvalando
se ultrapassa

Onde agora?
Ainda sozinho - e sorrindo -
no centro desta mesma sala.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

de novo e renovadamente

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 2018.

Ameida,

Mudou tanta coisa, mas algo sem nome exato continua.
É que li a carta que você escreveu para mim. Entrei no seu site e li a carta.
Incrível como pode uma coisa já conhecida ser, de novo e renovadamente, tão inédita.
Não sei se é o meu momento, se é o momento do mundo, se é o mundo nesse meu momento, mas doeu e vibrou tanto, doeu vibrando junto a mim.
Tudo é tão sem motivo e tão prenhe de beleza. Antes de ler a sua carta, sem sequer saber que a leria novamente, estava frente a este computador, ainda nesse mesmo apartamento nosso, e desejei desenhar. Tracei um rosto de um olho só, fiz um braço mais fino que a vida diria que um braço deve ser, não encontrei o resto do desenho, mas encontrei você.
De novo, mas tão renovadamente.
O que mudou? Posso lhe dizer. Mudou um bocado de coisas. Você mudou tanto. Outro dia, cruzando as ruas dessa cidade, me peguei pensando sobre você. Sobre como você mudou. Me peguei pensando em seu corpo, vendo seus cabelos tantos, suas roupas e marcas, suas tatuagens e sorrisos, as rugas invisíveis e o invisível que aflora assim sem a gente nem perceber.
Estava pensando em você. Estava surpreso - como é possível? - com a sua delicada força em manifestar o seu amor. Quanto ainda tenho a aprender. Quanto ainda tenho a aprender. Ou não. Ou sou assim mesmo como sou. Ou sou assim, alguém tão medroso com isso de amar e ser amado, que a vida vai passando. Mas, quer eu queira ou não, vai passando e tropeçando e agora se me vejo aqui, todo cheio de meleca e lágrima, é porque seu amor deu um jeito de em mim se sitiar.
Hoje pego a força que um dia enderecei a você e a trago de volta a mim.
Um cansaço tão fundo me afunda. Meu horizonte não dura mais que poucas horas. Não morro, acho que não, não ainda, não agora. Porque estou ocupado cuidando da única coisa que me desloca: esse inchaço dessa estafa dessa perguntação se fiz o que era preciso ou se fiz o que foi possível quando fazer nunca me tinha sido um fardo.
Fiz tanto que me cansei pro futuro. Fico meio inerte em meio às palavras e livros e considero, alegre, o que ainda não veio.
Minha sensação de vida está fora daqui. Noutro lugar, noutro tempo, mas ainda com esse corpo tão cargado, tão fino, tão já ressecado.
Não se preocupe. Nada que aqui escrevo foi ou será apagado. Tudo é saldo do caminho. Tudo é resposta-pergunta sobre o que mudou, sobre o que foi mudado.
À distância, agora, brindo às feridas. Elas, hoje, são minha mais persistente companhia. Fico com elas querendo aprender de novo como faz para endereçar esperanças. No plural, vislumbro pontas e lanças que quando chegadas ao alvo irradiam um rio caudaloso de cuidados.
O mundo no pause. O mundo tirando férias dos atos e seus fatos.
Queria dizer isso. Isso que me vinha sem palavra pra direcionar cem sentidos.
Queria dizer que te amo. Sim. Que te amo muito. E que dizer essas palavras escritas, ainda que em silêncio, é o meu ato mais contemporâneo e destemido.
Obrigado por confiar no amor. Obrigado por desfiá-lo. Obrigado por parcelar, em doses inúmeras e tamanhas, a dimensão do afeto que hoje, agora, hoje é só agora, me possibilita chorar, sorrir e dormir.
Para amanhã começar tudo de novo, renovadamente.

Do seu,
Ameido

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Ela me disse sobre tudo o que sentia falta

E eu ouvi, atento
Para não antecipar gestos
Ou comentários que pudessem
Acalmar demais sua dor.

Ouvi atento, não chorei
Nem ri demais. Fui todo contido
Nisso de receber a dor do outro
Sem sequer se lembrar da própria.

Depois, escovando os dentes,
Pensei se aquilo que hoje ela sente
Falta em mim também nessa mesma
Intensidade.

Sorri espumante.

Não sinto falta da sua nuca
Nem do seu sorriso ou das músicas
Que você cantaria.
Não sinto falta do seu amor por
Meus cachorros. Sigo sem cachorro
Sigo sem seu amor não sinto
Falta.

Não sinto falta dos seus amigos
Animados e charmosos não sinto
Penso se isso é sinal de cura
Ou se é só o tempo que foi embora
E do qual, confesso, também não sinto
Falta.

Ouvi suas palavras com atenção
Naqueles tantos poucos dias
Disse muito ouvi bastante
E não sinto falta do que rompeu
Não sinto falta de acreditar
Em abismos soluços
Que minha vida depois de ti
Inevitavelmente iria se perder.

Não sei se pelo tempo ou
Por mim mesmo mas não sinto
Falta nada sinto quanto a isso
Mas sinto, olha, ainda sinto

Outras coisas
Outras letras
Refrões outros orientam meu corpo
Nucas outras sequestram minha língua
E a ânsia do meu nariz
Por outros cheiros.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Roube como um artista?!

Não temos como controlar essa sua mania, esse seu vício, essa sua grande virtude.
Você rouba coisas que não são suas. Rouba e sequer menciona o ser roubado.
Já entendi, já entendemos, já foi o tempo em que isso me deixava preocupado.
Sabe por quê?
Porque assim:
quando você rouba o que não é seu, para se dar a ilusão de ser outro que você não é,
ainda mais distante você se coloca de quem você poderia vir a ser.
É tão simples. Tão forte. É quase uma maldição.
Eu escrevo. Você rouba. Eu não ligo. Rouba, rouba, pode roubar.
Nos dias que seguirem, por uns instantes, eu sei, você vai se sentir o cara
Dono de palavras que soam bonitas, mas que não saíram do seu próprio gesto
Sozinho, eu sei, já fiz isso (só que aprendi), sozinho você vai se flagrar no espelho
e certa noite vai-se acabar numa lufada de tempo
Vai se ver confuso, bobo, besta,se perceber tão tão supérfluo
Eu sei, já foi assim comigo certa vez
Ali
naquele instante
Aprendi
eu aprendi
que a vida não se faz à força
Aprendi a delicadeza
A delicadeza da fome
A fome do saber, sabe?
Aprendi como me tornar tranquilo
mais calmo, mais tenso, talvez, mais magro
para assim, tranquilo, sim, ver brotar a revelação de alguma descoberta.
Pode roubar, rouba. A sua ação
me faz cócegas de ameba.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Aquilo que salva


Nem seria bem fumar todos os cigarros
Nem guardar outros mais para um depois
Não, não gostaria que usassem tantos nãos
Mas, não, a palavra é não
Não se trata de nada disso

Tampouco seria ficar inerte
Assim parado como quem faz prece
ao contrário
Não, isso também não
Nada assim, nada disso

Seria mais ou menos como equilibrar-se
sobre algo impossível
Equilibrar-se entre o não
e o sim, sim, isso mesmo
Nem sim
Nem não

Jamais talvez
Nada disso
Isso não

Seria como está sendo
esse instante duradouro
em que tudo acaba
e tudo nasce de novo

A vida, dizem, é o nome disso
A vida. Essa coisa horrenda
meio morta
meio sobrevivida

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Alguma frustração sempre é sinônimo de saúde.


Alguma frustração sempre é sinônimo de saúde. Quer dizer que você já não se engana assim tão facilmente. Quer dizer, se engana, mas reconhecer-se frustrado é coisa importante. Significa que você não é tão estúpido. Ao menos, não tanto.

Quero dizer que apostar as fichas, gastar as moedas, mesmo se endividar, tudo isso, enfim, denota vida, alguma potência. Por favor, sim, você precisa se orgulhar. Você fez gestos, dispôs sua energia em ações e movimentos que denotaram, o tempo todo, o seu amor. Agora, querer que tudo te responda na mesma nota é complicado. É aí que se frustra.

Veja esse fim de tarde. Ele encena com lentidão a derrocada dos seus desejos. Nem toda beleza tem força para te reter. Você quer movimento fora, sim, mas você quer o olhar vivo, o calor do peito, o insaciável mover dos dedos no corpo um do outro. Frustrou-se, viu? Já é noite e você ainda a espera do sol.

Vai demorar. Não digo bem que vai demorar a se curar. Isso já anda junto com você. Vai demorar a encontrar abrigo num jogo outro que não seja jogo. Que apenas seja. Virão muitas tardes com cara de manhã, muitos domingos fantasiados de quarta-feira. Virá de tudo um pouco e, talvez, numa dessas vindas aquilo que te venha seja justo como é. E você verá. Você verá.

Algo, um limite, talvez

E se vim
É porque posso
Vim porque quero
Porque gosto.

Não há culpa, mágoa
Não há moléstia
Vim porque prefiro
As horas ao seu lado
Do que gastas entre cigarros
E cervejas.

No entanto, agora, volto
Volto porque posso
Porque tenho
Porque quero.

Não há reclame algum
Sou quase todo satisfação
Mas penso ter chegado a um limite
Não sou dos jogos impunes
Não sou fã de criar ilusões
Não para mim.

Volto porque vim.
Vim porque sei como voltar.
Tudo estava já planejado.
Não vai doer
Voltar é como parte do básico
Um pouco como respirar.

Seu ronco silencioso
Meu corpo abrindo espaço
Na cama nova mas ainda
Apertada.

Há um limite entre nós dois.

Não vou atravessar mais nada.

Há um limite, talvez seja isso,
Um limite. Estou bem, todo bien,
Pero hay un límite.

domingo, 5 de agosto de 2018

A distância nunca foi pretexto para fugir.


A distância nunca foi pretexto para fugir. Ao contrário, sempre me pareceu um movimento para chegar mais perto. Se não para encontrar, ao menos para chegar bem mais perto. Como agora. Estou onde? Colado com quem me tornei. Com aquele que me foi possível e desejoso me tornar.

Quem? Pergunta indevida. Estou no lugar do carona na viagem dessa vida. Observo a minha presença oscilante mas presente. Ela não me revela certezas, mas anuncia gestos recorrentes. Como este, de parar um pouco, na chuva ou no sol, e escrever sobre o que se sente.

Reitero não ser fuga. Não é mesmo. É um modo meu, nem sequer inédito, de processar a vida de imediato ao seu tempo. Meu tempo. Nada de protagonismo. Os anos foram passando e fui compreendendo que se há esse papo de protagonismo ele existe sim, mas é todo acerca do mundo. Como o mundo assumiu o protagonismo de sua vida?

Como a vida passou por cima de você e te fez de transporte para aquilo que você hoje é e nem tem tanta certeza assim?

Quer sinal aberto ou fechado, a pista é disponível a um punhado inédito de asaltos. A doença aparece sempre que me percebo tímido demais em fazer gesto a partir de tudo isso que escrevo.