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domingo, 24 de abril de 2011

Let it go

Respinga a chuva lá fora.
E mais uma vez
você ocupa aqui dentro
as mãos as palavras
nesta hora vaga.

Deixo que parta a chuva.
Sem tentar conter.
Sem nada
exceto este olhar
fixo e demorado
refletindo aquilo seu que lá fora
inscreve há vida.

Eu talvez tenha deixado você ir.

Eu talvez tenha desistido de te plantar aqui em mim,
todo o dia.

É que se vais, talvez possa quem sabe também retornar.

É que se partes, possa quem sabe talvez costurar:

a chuva ao olho seco
o vento aos fios de cabelo
o salto ao corpo inerte.

Aceitar sua ida é desde já minha prece.

sábado, 23 de abril de 2011

Fake Plastic Trees

Uma rua de asfalto concreto. Vizinhança. Diante de cada casa o seu morador jaz desperto: Dona Ivone, mãe sozinha cujo filho partiu ligeiro após uma breve visita e Duda, jovem menina que em plena sacada fala ao vento à espera de um abraço ou companhia.

Baque surdo de corpo batendo no chão. O homem que caminhava pela rua resta agora caído. Os olhos nublados escurecem e voltam a enxergar. Eis então que uma outra moça surge no céu de sua vista e ajoelha-se sobre ele para ajudar,

Acalme-se, eu vou chamar ajuda! EU NÃO ME MACHUQUEI. Mas a sua mão... EU NÃO SINTO DOR. Mas tudo nela está contorcido... SÃO AS CARTAS. Cartas sangrando? CARTAS CHAMANDO. O quê? VOCÊ ME AJUDA? Eu vou chamar uma ambulância. NÃO! O QUE EU PRECISO É ENTREGAR ESTAS CARTAS AINDA AGORA. Mas o senhor acabou de ser atropelado, precisa de socorro... O SOCORRO JÁ CHEGOU. É a minha obrigação... ESTAS CARTAS NÃO PODEM ESPERAR. Como é? ELAS PRECISAM SER ENTREGUES JÁ!

E como se quisesse mostrar seu bem-estar, ele ergue o braço deitado sobre o asfalto e acena com algumas cartas machucadas. A moça entende o seu pedido. Retira as cartas com cuidado de sua mão e coloca-as sobre o próprio colo. Do emaranhado de pedaços, ela contempla,

Uma partida ao meio. ABRA-A! Você costuma abrir todas as cartas que entrega? É MEU DEVER FAZER COM QUE CHEGUEM SEGURAS AO SEU DESTINO. Este já perdeu uma metade. POR ISSO É PRECISO ABRIR. E como saber o que se perdeu? VOCÊ TALVEZ NÃO FAÇA IDÉIA DO QUE AGORA ESCORRE PELAS SUAS MÃOS. É só uma carta! NÃO FAZ IDÉIA DO TANTO QUE DEVE HAVER AÍ DENTRO, DO TANTO A SE PERDER NESTE EXATO INSTANTE. Tudo bem, já entendi. Eu vou dizer: é para Dona Ivone, que eu sei, mora ali adiante. Deve ser carta do filho, hoje distante. Pois diz assim,

Enquanto Dona Ivone, em sua casa, dobra e desdobra algumas mudas de roupa deixadas pelo filho, a moça vai lançando suas palavras que através do vento chegam à mãe,

[...]
E por pedir asas que me fizeram voar para longe que hoje estou assim. Quis partir para conhecer. Agora, porém, já não posso voltar, pois virei gente grande. E que triste, às vezes, é esse crescer, mãe. Fiquei tão sem graça, tão sem cuidado. Por isso às 23h17min, quando o ônibus apagou-se, eu apenas chorei por não ter te amado mais. Chorei por não saber aproveitar esse tempo que só avança e...

Eu só queria te abraçar.
Do seu, Filho.

Dona Ivone abraça-se a uma camisa do filho. Sob o peso do amor, a mãe apenas sente saudade. Com a carta partida na mão, a moça já não duvida de sua missão. Precisa fazer chegar ao destino cada carta ferida,

Por isso ela pesa tanto? É PURA SAUDADE. Que já não cabe nem mais no peito, por isso... É PRECISO FAZER COM QUE VOE. PARA ENCONTRAR NO DEVIDO PEITO EM FALTA O SEU LAR. ENCONTRE O OUTRO PEDAÇO!

Ela procura, mas não acha. Na sua busca, porém, outra carta se mostra ainda mais desesperada,

ESPERE! ESSA AMASSADA. Parece preste a se romper... O que eu faço? Tudo bem, eu devo abrir. Há uma folha aqui dentro! ENTÃO LEIA, DEPRESSA! Mas é uma folha! MELHOR ASSIM, LEIA! Não, não é simplesmente uma folha, mas uma folha de árvore. O que eu faço? SOLTE-AS NO AR. Quem?! AS PALAVRAS QUE DELA DESPENCAM. PALAVRAS SÃO O QUE SÃO, POIS NASCERAM PARA VOAR. DEIXE-AS ENTÃO PARTIR OU VÃO MORRER... Isso não é possível! ENTÃO EXPERIMENTE OLHAR DE PERTO. O QUE VÊ?

Dentro de seu quarto Duda estaca. É sentindo um pesar, uma agonia, que ela avança até a janela e a escancara. A moça das cartas, por entre veludos e nervuras da folha sentida, retira dela palavras que aos poucos chegam voando até a janela da menina,

Duda
Não exato o que dizer
deixar-me-ei aos sentidos,
imprecisos que enganam a mente
mas únicos que validam tudo
quando tudo despenca rumo ao chão.

Talvez porque não quisesse outra vez chorar, Duda contemplou firme o céu, não para fazê-lo despencar, mas tão somente para respirar. Sentia-se sozinha e precisava de ajuda, sobretudo se ajudar. De longe, vinda pelo ar, a voz da moça veio-lhe acariciar,

O que é distância?
Talvez espaço da saudade.

E assim
resta-nos o homogêneo ar
que é seu aí
e meu aqui
e no meio
entre os dois
ainda há o vento
que me leva até você
e me faz aqui te receber

De súbito, porém, a menina entra para o quarto e, em seguida, volta à janela. Está agora coberta por um casaco que não parece ser dela, mas que ainda assim a completa. O rosto para além da janela, os braços apoiados no parapeito e em silêncio, a menina em meio ao vento nisso está se refazendo,

O vento
é o espaço do encontro.

E se quiser te surpreender
chamo a brisa
que vai mansa
e te avisa:
alguém passou aqui, por você
somente por você.

Pois é a brisa
o espaço do abraço.

E num impulso, a menina desatou a falar. Foi como se devolvesse à moça que lia na folha, as próximas palavras que ela naturalmente iria pronunciar,

E se mesmo assim eu sentir que o beijo falta, eu chamo a chuva, não é? E ela somente te encontrará se você, possível, ultrapassar a janela e restar sob o teto do céu. Intacto, os pés na terra, olhos no luar. Não foi você quem me disse que é a chuva o espaço do atravessar? O tempo, as lágrimas, os amigos, sentidos, o corpo e os sorrisos. A chuva é a intersecção entre nós e quem tem asas, entre eu e você.

A moça então, num último esforço, achou espremida já no limbo da folha prestes a falecer, um grupo de palavras precisas. Pondo-se finalmente a fazê-las chegar ao peito da jovem menina,

Por isso
quando distanciar
faça chover
e apenas
respirar.

Não se sabe se por doer ou amar ou se por sorrir ou sofrer, mas Duda aqui se debruça sobre si mesma e derruba um pequeno vaso de flores que da janela de seu quarto atinge o chão concreto da rua de asfalto. No exato instante, a moça das cartas revela,

Encontrei! A outra metade da carta a Dona Ivone. COSTURE-A!

E num silêncio, ambos concordam em entregar o resto daquela carta. Pois depois de tantas vezes dobrar e desdobrar as roupas do filho, Dona Ivone agora se ocupa em ir até a caixa do correio e pôr-se a abri-la e a fechá-la. Nunca há nela carta, porém, já exausta, a mãe decide que talvez seja melhor deixar a caixa aberta. Então volta até a entrada de casa e acende ao filho uma vela. E é neste instante que pôde ouvi-lo lhe dizer,

Mãe,

Às 23h17min a luz apagou-se e eu pude, enfim, selar os olhos para o destino que as lágrimas viessem a lhes dar. Segui chorando noite adentro por ter deixado alguém amado para trás. Como coisas que crescem sem que a gente veja, algo surgiu dentro de mim. E na cabeça, aquela dúvida do não saber quando nos veremos outra vez.

A chave sobre a mesa, a mala no chão do quarto. Eu me aborreci procurando uma camisa para começar o dia. E nem percebi que o dia seguia sem mim. O que eu realmente queria era voltar. Aqui está amanhecendo e hoje não é só a mãe que não dormiu pensando no filho. Eu também não dormi, pensando no quanto eu te amo.

Duda agora está na rua. Saiu de casa para refazer o vaso desplantado. E nesse ato de germinar uma flor, veio-lhe novamente a necessidade de falar ao vento,

Saudade para mim já mudou de nome, sabia? Culpa sua. Agora se chama uma coisa que sequer foi inventada, pois a cada palavra tentada, no segundo adiante ela já se torna antiga, ultrapassada. Sabia que em inglês não existe saudade? Lá eles sentem falta. Só isso. Não tem esse peso que a gente dá às coisas. Eu confesso que eu já perdi a vergonha. Isso de conversar com você. Eu que não vou ficar calada enquanto as coisas aqui dentro querem acontecer. Eu falo! O que fazer? Nasci falando. E também acredito que as palavras têm asas... Tenho pensado tanto em você. Onde está. Como vai. Conseguiu o que queria? Era mesmo algo para se conseguir ou foi apenas vontade de voar, de viver? Que vergonha, esse casaco eu roubei de você.

E agora, nesta rua tão sólida, seus moradores estão todos para fora. Em meio ao vento, cada qual matou um pouco da saudade sentida. Dona Ivone, diante da caixa do correio, escuta o filho que não precisa de cartas para dizer eu te amo. E Duda, diante da porta de entrada, encontra no replantar da flor um breve destino para a sua saudade acumulada.

E ESTA ÚLTIMA, PARA QUEM É? É para mim. NÃO VAI ABRIR? Pode estar nela um fim. Ou um começo. DEPENDE DE COMO SE LÊ. Depende do que eu preciso neste momento. E DO QUE VOCÊ PRECISA? Eu preciso abrir, de qualquer jeito.

A moça das cartas abre a sua e irrompe-se numa gargalhada que diz tudo e nada, ao mesmo tempo. Num sorriso pleno que, ao mesmo tempo, parece servir para toda a vizinhança.

Cena da peça AO VENTO, de minha autoria, criada em 2007.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Out in the lights

Where for choice
i wanna be
even if my both eyes are closed
there is where i wanna stand and burn,
under any spot light
under any kind of sorte.


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Enviada do meu celular Nokia

quarta-feira, 20 de abril de 2011

represa

não há nada
nenhum limite
nenhum cruzamento
nem resta indecisão
nem sequer tormento
tudo em seu devido lugar
tudo sem pátria

eu chego em casa
eu trago a fome
para dentro destas paredes
repletas de janelas em queda

eu me desconecto do desejo
eu hoje me deixo ser duro
fixo
e nem tanto mais passageiro

eu fixo
permaneço incapaz
e ser duro fixo bruto
é ser nisso também tenaz
capaz de flertar os tempos
e escrever história.

não há nada
nem drama
nem ficção
o único artifício aqui é a própria vida
represada
dentro desta cova
magra (menos de 55kg)
pequena (cuja altura não ultrapassa uma porta)
e abarrotada
de ilusões vencidas.


domingo, 17 de abril de 2011

Plugue

Palavra feia
nela reside todo meu divertimento
de te ver assim desprendido
e de mover os lábios
sedento.

Nela reside nosso maior desafio
reside nela – sim – nossa maior ficção
onde lá tentamos perdidos
entreter essa vaga noção de união.

Não há ode
não haverá serpentina
Ou tu colas aqui
ou deixe então que em ti eu faço rima

Simples desse jeito
não vamos sofrer de antemão
Há entre nós uma esperteza viciante
há entre nós um estranha comunhão
pela qual nós vemos o mundo
e rimos da sua
e da nossa
condição.

Veja: não está tudo perdido.

E ainda que estivesse
estamos em busca, não?

Portanto pregue o seu plugue no meu
e mesmo se inda feios
vamos fazer transmissão

de dados
de dedos
de planos

O mundo fica mais imenso quando nele nos plugamos. Venha,

este meu pedido é a única coisa a nascer antes do próximo verão.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Fui eu quem perdi

Tempo, para começar
entretido na improbabilidade
eu perdido no absurdo que poderíamos tecer
juntos, caso eu tivesse dado tempo
para o seu sorriso em mim nascer.

Fui eu quem perdi a chance
de ler no seu respirar o seu desejo
de deixar tremer meu corpo
em sinfonia
a ti, apenas.

Perdi a pizza
perdi o chopp
perdi a chance
de compartilhar contigo
meu íntimo
já por ti atravessado,

Eu perdi os encontros
Perdi os convites por ti quase que clamados
e dormi lacrado
em mensagens de celular desde sempre
mortas.

Fui eu quem perdi, por favor, não se desculpe.
A sua bondade é força que minha fraqueza não merece,
a sua clareza é furacão para esta minha organização morta
e insensível.

Fui eu quem perdi.

E essa dor é minha
de meus cabelos
de meus calos
de meu travesseiro.

Deixe-me, mas sem mesura.

O seu curvar a mim,
devo dizer,
pode soar ofensa
pode gerar amargura

Gosto perdido do seu movimento.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Tempero

Hoje o dia foi só poesia,
chego em casa cansado
com a mochila cheia de papéis
O telefone descarregado
o peito gritando
como se tivesse sido – e foi – atravessado.

Hoje o dia foi inteiro sem você,
sem graça sem costura sem sentido
As mãos moveram-se dormentes
Os pés pisaram só abismos
e o íntimo

o íntimo esteve com frio
em pleno calor capaz de derreter yogo frozzen.

domingo, 10 de abril de 2011

Para bater o branco

gasto tempo com nada.

demoro uma vida para abrir o caderno.

resvalo profundo como se o fim tivesse morrido.

percorro a cidade em pensamento.

e em luto profundo, agonizo.

quero correr.
quero roubar.
quero ser música,

mãe,

quero ser música.

pago o aluguel.

ela me pergunta e os amores?

eu silencio profundo,
estou atrasado.

o tempo passando e eu nele junto,
assustado.

os versos se colam.

o dia beija a noite.

a noite o acaricia.

o papel do jornal colado à sacola plástica.

o café à boca
o leite e os flocos de aveia

tudo junto
enquanto eu,

aqui

resvalo

intenso

e solidificado.

que ficção minha vida virou que eu não consigo mudar de lado?

em que ficção eu me perdi?

em que ficção posso [talvez quem sabe um dia] ser encontrado?

tic!

ela me diz sem anteceder
e sem nisso se desbravar

de lá onde ela está
apenas este tic
já é capaz de nos costurar
e então todo o resto
se apresenta:

o seu gosto
o seu calor
a sua cor
sua presença

eu ouço esse tic
e não posso negar
gosto de fazer jogo contigo
portanto agora escrevo
ao invés de me erguer
e de ti me aproximar

é que dentro, talvez, eu esteja esperando outro pequeno estrondo seu
capaz de me atravessar e me deixar assim como já estou
sedento e definitivo

para enfim, no meio da madrugada
ouvir outro tic seu (sempre o mesmo)
e me erguer nu
em direção à cozinha
com a caneca branca nas mãos
rumo a você, cafeteira
que estala em ti
meu desejo aquecido.

sábado, 9 de abril de 2011

genial!

um dia eu fui
quando eu só
conseguia reter
o que de mim despencava.

fui um dia genial
quando abri as portas
postei-me à sacada
e não havia nada ao redor
exceto meu olhar por sobre as coisas
de si abandonadas.

fui quando estive ali
e você não;

fui quando comprava azeitonas num comércio
intitulado hiperextrasupermercado:

eu mesmo digitei o valor
eu mesmo contei moedas
eu mesmo embalei o produto
eu tranquei a porta - mesmo -

e apaguei todas as luzes:
uma a uma.

eu fui genial quando me vi caído.

genial quando me vi destemido,
indo rumo à ruína deste acomodamento persistente.

fui genial quando senti
talvez hoje eu seja responsável por essa morte.

genial quando comi açúcar
quando encostei meu sangue
no dele,
quando esfreguei meu rosto
no dela,

corpo puído. machucado. feito ferida exposta
genialmente GENUÍNO gangrenante.

sim, eu fui genial, mas

ser genial é um estado que pertence a outrora.
ser genial é sensação nunca possível para este segundo,
pois quando estou ciente disso
eu me lanço adiante
eu me faço de mim história
eu dinamito o passado
e adianto o futuro.

ser genial é coisa que só se pode dizer quando houver memória
em falta.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Lado Alado

Pesa hoje inteiro sobre o peito nu
e invertido.

Perdido em versos eu me reviro
e fora o que há é só essa imensidão
íntima
profícua
Sim, eu devo dizer
amar o próprio umbigo é lindo quando tenho em mente você.

Quando me surpreendo assim em luz indo
frenético feito ave em salto
feito voo em captura

Hoje eu me empacoto
Ponho o laço
passo a fita

Brindo a gritaria de ser presente e capaz de morrer
para num tiro de felicidade:

Ir-se rasgado…

Meu íntimo é suspenso
Meu segredo a ti é velado:

sou pelo jogo descoberto do nosso encantamento quando juntos assim estamos

eu em ti
tu em mim
meu lado alado.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

VaCo

Sim, eu sei.
Foi buraco feito no susto
Aberto e não cicatrizado
Buraco imenso e retinto
Coágulo em pause
ferida em break
grito em slow-
emotion.

Eu sei, foi também comigo.

Cresceu inteiro no peito
dobrou por sobre braços
e contornando as pernas
mudou também meu passo.

Mudou meu rumo.

Eu sei, sei disso por inteiro.

Buraco como este nunca havia tido antes.

Comeu meus sonhos
alimentou meus medos

Buraco como esse me fez ser grande (querendo sair)
me fez ser forte (aguentando o pranto
e me fez ser poça)

sedenta ao diante:
Capaz de se evaporar somente para quedar de novo
noutro instante.

terça-feira, 5 de abril de 2011

To Change

O mais fácil é ser correto e se estrepar.
Algumas pessoas se aproveitam da sua sinceridade e traduzindo em outras linhas é quase como se devêssemos ser cínicos e capazes de enganar.
Estou de mudança.
Vou mudar a sua cara de lugar.
Vou mudar a sua noção de covardia,
atualizar o seu rol de absurdos
e aumentar a sua lista de dores
e pontos fracos.

Isso é mudar.
Mudar não é mudar
mudar é transtornar o fato.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Vivo Disso

Não,
não nesse sentido
vou pelo outro
pelo incerto
solto no risco.

Sim,
não vivo disso
mas vou pleno lá
onde a certeza se esvái em venda
e volteia sobre si própria
fazendo do verbo
tiro
do verbo fazendo
cadeia.

Com certeza,
hoje disposto sobre a mesa
o que sou de mim perdido
o que resta de mim sem nome
ou associação
é tudo
nua possibilidade.

Se vivo disso?
Há quem o sabe.

domingo, 3 de abril de 2011

Débito

Mais uma dose. Eu peço,
e preencho a caneca novamente com café.
Que óbvio eu sou, não? Eu penso.
Que seja. É bem assim que tem que ser.
Estás cansado? Pergunto-me.
Sim, talvez um pouco, sim. Nunca respondo.
É que fora, eu acho, percorre plena de mim a minha vida.

Ela indo nas escolhas que não fiz
Ela indo no que ainda não fui capaz,
mas voltando
toda noite

feito vida que se redunda em sonho.

Mais outra dose. É doce,
eu então desisto e peço a conta. É caro.
Eu passo o cartão. Eu vou consumindo tudo até ficar só
e refém da sua ajuda da sua cooperação da sua presença.
Estás pobre? Pergunto-me.
Sim, talvez sempre estive, sim. Retiro-me.
É que dentro, ser pobre, diz respeito a todo o mistério.

Ele indo junto no passar dos segundos
Ele ficando fixo no seu sorriso ou no escuro
mas voltando
toda noite

feito sexo assumidamente inseguro,
mas preciso.

sábado, 2 de abril de 2011

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨Trema

tá tocando a-ha na rádio
tá fazendo café na cafeteira
tá batendo coração no peito
tá correndo sangue na veia
tá saindo preguiça do corpo
tá nascendo poesia no tempo
tá rompendo espinha na pele
tá vivendo morte no enterro
tá trocando marcha no carro
tá passando o cartão na máquina
tá subindo andando na rampa
tá subindo parado no elevador
tá subindo intenso no sexo
tá cheirando alho na boca
tá cheirando perfume na nuca
tá tudo assim acontecendo
e eu aqui sem onde aportar
toda essa trama
todo esse sonho

vou comprar chocolate.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Luto

Foi assim: eu criei certa obrigação comigo.
Eu me convenci muito rápido do que seria preciso,
e hoje, me vendo assim a duvidar disso tudo
eu fico sem saber se devo ou não devo
me declarar luto.

Morri sem saber.
Morri sem ter sido atravessado.
Morri pior, morri abrupto
mas sem piscar quebrar nem mudar os passos:
a vida seguiu tranquila depois de minha retirada sem grito
depois de minha derrota sem vergonha.

Eu fui sem pedir licença
mas não houve ninguém a quem pudesse pedir:
posso ir? Me deixa de mim partir?

Não. A natureza ao redor esteve esse tempo todo empreguiçada.
Eu me olho hoje no espelho e compreendo
palavras palavras vocês não me fizeram nada
exceto me perder de mim.

Por isso eu decreto hoje Luto
para tentar deslizar sobre o meu corpo
enrijecido
para tentar abandonar o verbo
e voltar a me ter só comigo.

Eu morri com a boca cheia de vocativos.
Mas e da voz?
E do sorriso?

Ninguém ousou dizer palavra.
Com os outros tudo é assim comedido.
Só eu talvez que tenha ido
na dança letrada investido
na dança letreiro perdido
crente num nome
mas de mim vazio.

Oh, Verbo!
Por que diabos eu preciso de ti
para dizer o que eu quero?
            

8898

você aqui que não é número
você aqui que lê o verbo e contempla ai
preso no seu segundo
como pode ser alguém que venha aqui disposto
a te fazer sorrir?

este sou eu aqui, que não sou número
este sou eu aqui a procura do teu íntimo
fazendo versos e costurando ousadias
tudo tentado para te trazer de volta a si
tudo para te causar de novo azia.

sim, não somos números, mas
a sua constância é feito tempo contado
a sua presença é silêncio que afaga
e que enfim faz viver um dia.

sim, eu sei, não somos números
mas eu posso contabilizar seus dentes
seus sustos e sobressaltos
eu posso listar preciso o tamanho do amor que sinto por ti
quando tu passas por mim e me deixa nada mais que um lapso seu
perdido no ar
feito atmosfera
feito clima.

eu não sou número
tu não és número
mas é nessa matemática
do não-ser
que fazemos acontecer a vida.