Deixei sobre a mesa o par de meias não tão limpas
nem bem tão sujas assim
Deixei sobre a mesa e os pés, então, tocaram o frio chão
desta sexta-feira ensolarada
Sem provocação alguma, o fiz porque o calor constante
confunde-se em mim como se pudesse ele me ser casa
Mas casa por vezes é o vento
O tempo por vezes é casa
Casa é por vezes o distrair-se
Esquecimento
Sinto os dedos rangendo como se dor sentissem
sinto muito que as coisas fizeram isso de nós
sinto que o calor do seu abraço seria preciso
mas apenas sinto, disso tudo pouco ou quase nada sei
As linhas parecem desajustadas
o senso dalguma justiça atrasado
o espírito meio que espirra
a salada morre lacrada dentro do plástico
Podemos escolher se o poema seria assim
ou de outro jeito
Podemos postergar o consertar dos móveis
a louça na prateleira organizada
Podemos, no entanto, não poderíamos nos olhar
como se um fosse um copo e outro uma chávena
Corpos assim feito os nossos sangram mais que cacos
quebram mais que vidros finíssimos
Cristal seria pouco quando te mostro do que é feito meu íntimo
Está tudo bem, meu amor, ainda que dizer amor
já não parece capaz para te trazer até mim
Tudo bem, é cedo, não deixe partir o que ainda pode
o que ainda podemos, podemos, mas não poderemos caso não possamos poder isso que sei que nós podemos poder; algum amor bem quentinho e aconchegante