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quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

o u s a d i a


Foi pegar o autocarro
Tão logo escreveste alguma tristeza 
Porque só nos veríamos
Amanhã. 

Enquanto dizias isso ou aquilo
Ágil troquei o amanhã por este 
Presente estranho que
Vivo. 

Estou aqui, amor, e tenho as chaves
De sua casa. Posso entrar? 

Tô chei de fome. 
 

domingo, 14 de janeiro de 2024

Secador de cabelo


Inventamos um código 
Para grande amor 
Vivido em moradas 
Tão pequeninas. 

Sempre que um de nós 
Adentra a casa de banho
O som do secador de cabelo
Haverá de cobrir nossa vergonha

Em seus sonoros estampidos.
 

domingo, 7 de janeiro de 2024

constato


É estranho
Quando estás deitado ao meu lado
Não consigo escrever poemas. 
 

sábado, 6 de janeiro de 2024

Entrevisto

 
Quanto foi?
Ou seis ou quatro. 
Não sabe? 
Estou esquecendo as coisas muito rápido. 
E bastou? 
Está satisfatório. Sou alcoólico, então, quase sempre besta. 
Besta? 
Eu falei besta? 
Falou. Quase sempre besta. 
Uma pista, talvez, sobre mim. 
Sem drama. Conte-nos?
Da minha vida. Ui. Tanta coisa. Faz tempo. Não quero monologar. Estou com saudades do meu namorado. 
E então? 
É tudo isso. 
Só? 
Tudo. 
Percebi. E os projetos? 
De vida? 
Eu faço as perguntas. 
Não sou obrigado à falta de jogo. 
Como? 
-€-
Estás bem? 
É o álcool, deu aquela ligeira tonteira. 
Quer marcar para outro dia? 
Podemos? 
Podemos. 
Então manda mensagem? 
Mando sim. Descansa. 
Vou tentar. Depois que o vinho acabar. 
 

Goddess


Não, eu não sabia

Sequer esperava, não 

Mas a sua companhia 

Honestamente 


Honestamente 
É como estar diante
de uma deusa 

És viado ou veado? 
Bicha
Bicha? 
Bicha, como bananas
Entendi 

A sua companhia 
diante deste Tejo
É o bastante
para que saibas 
Onde fica teu reino 

Teu reino é cá ni mim
Eu, poeminha
 

enquanto mijava, vi sua cara no espelho


bonita imagem, moço 
a tua

fez-me emocionar
delicado

ou deveria eu dizer
homem? 

és o que és 
taciturno

da insegurança 
és seguro 

queres dizer algo? 
confia, eu diria
e disse
disse
confia, que palavra
não posso evitá-la

abriu-se uma janela que antes não tinha visto
e venta aqui dentro abriu tudo eu não consigo
eu não consigo evitar o que eu sinto quando estou
ao seu redor 

oh

oh

oh
 





sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Menos tanto


Caro amigo ~

Sei que sabes do poema. Ele dizia que as palavras nos servem para esquecer, que falamos para esquecer o que teria crescido entre vós. Por isso te pergunto: queres esquecer aquilo que ainda está a crescer?

Queres interromper o crescimento? 

Não me entendas errado. Não te quero fazer calar. Talvez antes fosse te convocar a ver mais, ouvir melhor e no silêncio um pouco ficar. Fazia silêncio quando vossas mãos estiveram abraçadas, não fazia? 

Lembro-me bem.

Nem tudo precisa do verbo, é preciso dizer, falas demais e quando o silêncio pousa sobre ti já começas a tremer. Por quê?

Seria medo de confiares, antes do que num outro, primeiramente em tu mesmo?

Não esqueça. Não deseje esquecer. Faça calar para que fique em ti aquilo que poderia.

Uma viagem de carro, lado a lado, vocês dois e o silêncio. O sol a cruzar janelas. O vento a ver tudo. A união faz-se no escuro. 

Texto demanda corpo que o receba, não palavra a dizê-lo. 

Até o até, 
Liberano 

Fica


Um estranhamento
Outro desempenho
Um dois dias atrás
Pequeno monumental tormento

Não. 

Estranho desconforto
Uma pausa com distância 
Fecho minhas malas
Parto esta noite

Sim, foi isso. 

Bom dia, acordei
Voltei a adormecer 
Não quero te incomodar
Estou aqui caso precise 

Não. 

Estamos aqui 
Estamos aqui
Sei que estamos aqui
(posso perguntar onde?) 

Não perguntei. 

Manhã seguinte
Já um dia
Manhã seguinte
Já 

Não. 

Manhã seguinte
Dia quase impossível 
Danço choro desenho 
Não possível gozo

Manhã seguinte
Tempestade e devastação
O que é imprescindível 
O diálogo sem concessão 

Conversamos amanhã? 

Precisaria de mais uns dias

Ter paciência 

E o amor, o que com ele faço? 

Tento segurar a teia
Da confiança delicada
Tecida entre o você 
E o meu corpo

Mais além do que penso
Ou sei
Eu sinto que confio honesto
Em ti

Seu tempo poderia não ser meu tormento? 

Respiro
Em praça pública 
O sol veio a chuva 
Tudo junto

A sua calma seria cama
Sua confiança faria a ânsia 
Sair para um passeio
Deve ser isso o amor

Projeto tremendo
 

Meias sobre a mesa


Deixei sobre a mesa o par de meias não tão limpas
nem bem tão sujas assim

Deixei sobre a mesa e os pés, então, tocaram o frio chão
desta sexta-feira ensolarada

Sem provocação alguma, o fiz porque o calor constante
confunde-se em mim como se pudesse ele me ser casa

Mas casa por vezes é o vento
O tempo por vezes é casa
Casa é por vezes o distrair-se
Esquecimento

Sinto os dedos rangendo como se dor sentissem
sinto muito que as coisas fizeram isso de nós
sinto que o calor do seu abraço seria preciso
mas apenas sinto, disso tudo pouco ou quase nada sei

As linhas parecem desajustadas
o senso dalguma justiça atrasado
o espírito meio que espirra
a salada morre lacrada dentro do plástico

Podemos escolher se o poema seria assim
ou de outro jeito

Podemos postergar o consertar dos móveis
a louça na prateleira organizada

Podemos, no entanto, não poderíamos nos olhar
como se um fosse um copo e outro uma chávena

Corpos assim feito os nossos sangram mais que cacos
quebram mais que vidros finíssimos


Cristal seria pouco quando te mostro do que é feito meu íntimo


Está tudo bem, meu amor, ainda que dizer amor
já não parece capaz para te trazer até mim
Tudo bem, é cedo, não deixe partir o que ainda pode
o que ainda podemos, podemos, mas não poderemos caso não possamos poder isso que sei que nós podemos poder; algum amor bem quentinho e aconchegante
  

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Uma tentativa


Não sofrer o amor
Não inventar os motivos
Não antever o que não veio
Não paralisar
Não paralisar 

Sustentar o silêncio é algo horrendo

Suspender a interpretação é preciso 

Como fazer? 

Gostava de saber, académico, 
A etimología da distração 
Para desacelerar o corpo
Para desviar dessa estrada 

Distrair-se sim por traição
Para tão somente dizer
A si mesmo e ao mundo
Que não vou contigo, desespero

Que estou te traindo 
Estou te traindo com qualquer 
Outra coisa que me dê 
Alegria e sustentação 

(e escreverei muitos poemas) 
 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

joga o universo


Por que apenas o senhor jogaria? 

Antes da colheita a semeadura 
o universo a faria

Passo a passo formiga atómica 
registará ele quase tudo

Tremores íntimos também viram flores

Eu vi o que tu fizeste e você naquele instante 
era eu mesmo

A poesia, melhor sua amiga, seguraria
o guizo a sua azia faria história 

Não fez? 

Se eu te disser que isso que sentes
eu já senti outrora você me entenderia? 

O universo joga a possibilidade sentirás 
hoje o que ontem fizeste outro alguém 

Doer? 

Na cara sem medo do folhetim 
o universo de ti se vinga 

E é bonito ver seu corpo entre cigarros 
dor de cabeça e ladainhas

estás vivo e ele, oh, universo, 
é parte do mesmo disparate 
 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

A sua angústia aumenta a minha


Quisera eu ter amanhecido ameno

Ter tomado o café quente e calmo

Ter folheado umas páginas do romance

Lavado uma loiça 
Ter lavado os dentes 
O cu 
Roído as unhas

Quisera eu não ter sentido o bafo da sua angústia 
Ela paralisa-me

Não consigo comer
Já não sei quando proferir palavra 
A neblina da sua manhã 
Invalidou o sol do meu dia
Minha noite chega 
Incompleta e confusa

É como estou agora
A falar de mim como se necessário 
Pudesse ser uma vida
E não duas 

Te abraço quando foi possível 

Compreendo a hora imprecisa dos seus ponteiros 

O amor, meu amor, dá trabalho

A solidão às vezes será um remédio 
 

Ouverture


Quem pede fechamento não é a vida, compreendes?

O fechamento, quem lhe pede isso, não é a vida.

Disseste foi a vida, disseste bem assim: A vida
está me pedindo fechamento.

Estás enganado, vida que é vida não pede fechamento,
vida que é vida pede mesmo é pelo embaraço.

Vida pede pelo, pede embaraço.

E pede nó, e pede confusão, barulho, e vida pede comunhão
entre isso e aquilo, entre soltar e tremer, entre deitar-se à cama
e apenas dormir, sem gemer nem meter, sem gemer nem meter.

A sua abertura então seria a dela, a vida
em abrição que não cessa.

Seria como elegia invertida
celebração da morte não da vida
mas da morte do que ela não era
(a vida) não era fechamento

Fechamento (a vida) não era.