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quarta-feira, 25 de julho de 2018

Morre gente o tempo todo.


Morre gente o tempo todo. Dizem isso. E morre gente mesmo. O tempo todo. Morre assim: vai ao hospital ver um negócio, ver se está com alguma coisa e pum! Acabou. Não voltou da triagem. Foi selecionado. Partiu. Morreu. C’est fini.

Morre o tempo inteiro. Gente? Morre sempre, desde sempre. Ele agora aguarda, paciente, o instante de fazer o exame. E se disser, o exame, não ele, e se o exame disser que a coisa está ruim, que o pulmão já morreu, ele faz o quê? Não o exame, ele mesmo, ele homem, faz o quê?

Morre só porque o exame dizia que tudo estava já perdido? Ou ainda pega um cinema, faz um sexo, sacia um vício? Ora, morre gente o tempo todo, não podemos perder tempo. Se tu sabes que vai morrer, colega, então anda, vai ao shopping e gasta todo o seu crédito.

Respira todo o ar que der. Veste roupa de criança e mulher. Come aquele bombom cheio de açúcar. Cheira o chulé do mendigo. Lamba o poste. Senta no queijo. Abre a garrafa e entorne tudo na gaveta de cuecas.

Vive, vai, desorientado. Porque ter feito tudo bonitinho não deu em nada. Em nada. Você acabou morrendo do mesmo jeito como sempre disseram que iria morrer.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

O tamanho da sua responsabilidade.


O tamanho da sua responsabilidade. Ou o do seu cansaço. São semelhantes, talvez sejam até o mesmo, a mesma coisa, o mesmo peso, a exata gravidade que te puxa e traga.

Passeio por essa estrada e aos montanhas ao redor me observam. Não, eu as observo. Elas, comigo, nada querem. Sou menos que um galho, um graveto, coisa boba. Coisa pequena sobre a qual a vida anda. Passeio por essa estrada e as observo. Como são imensas. Sabem, talvez, de sua importância no universo? E se acaso nada soubessem, ainda assim, deixariam de ser tanto?

Olho para elas e uma paz me assola. Posso não ser nada do que acreditei precisar ser para ser alguém. Posso ser só um graveto perdido ali no meio daquele imenso mundo. Um graveto que, no máximo, conversa com formigas e com três ou cinco gotas que nele se apoiam para seguir seu curso.

Posso ser bem pouco e, ainda assim, continuar existindo? Um cansaço por ter sido muito gente grande já, um cansaço extermina meus dias mais lindos, meus afagos mais quentes. Posso não ser nada grave, nada demais, nada mesmo?

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Sigo provisório.


Sigo provisório. Nada novo, no entanto, sempre tão exaustivo isso de se perceber provisório. O que poderia me dizer que fizesse sentido para além de mim? Faço perguntas surdas ao resto do mundo; ser provisório é saber que há o fim.

Nada me ocupa mais do que essa ignorância. Sigo com ela, mas, às vezes, estaco. Pergunto-me o que não tem resposta. Sigo vagando. Eu sou assim. Tão eu e tanto nada. Sou provisório em mim mesmo. A única coisa que não me larga é esse vício de escrever, escrever, quer venha alguém ler ou não. Indifere.

Sim, eu sei. Sei destinar a outro um gesto todo saído de mim. Sim, sei que posso. Juntar palavras e comover você, fazê-lo ir até um determinado fim. Mas, não. Por vezes, não. Nada disso importa mais. Resto agasalhado no frio que não me mata. Sobrevivo e para quem importa um ser, eu, sobreviver?

Numa tarde passam tantas coisas pela cabeça de um indivíduo. O que faz com que algo mude? Mudar é assim tão preciso? Sigo provisório mirando ao mundo e me assustando quando um carro atropela uma bicicleta. Nada novo, nada demais. Tiro fotos. Para quê? Para nada exceto aquele instante.

Se eu pudesse ser outra coisa, não teria imaginação para projetar. Sobrevivo, repito, sobrevivo. Ciente de que ao escrever eu desato um nó para noutro nó me encarcerar. Eita vida besta, meu Deus.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Tirar-se a própria casa.


Tirar-se a própria casa. Ser nômade, eu diria. Ver-se estranhado em cada coisa: na maçaneta, na trinca da janela, na altura do prédio, no silêncio acumulado dos corredores, enfim.

Quando te falta aquela meia, a caixa de fósforos escondida num lugar específico, o cortador de unhas e aquele comprimido precisa, quando te falta o senso do abrigo, o que fazer?

A possibilidade de perder um lar renova a disponibilidade de um corpo a encontrar lares outros, lar no mundo. Por certo não será como era antes, mas eis uma inevitabilidade, eis, propriamente, o brilho do jogo.

Sair sem volta. Vagar. Viver, costumam dizer. Viver sem saber do destino, sem nada saber sobre o quando voltar, volver, retornar. Só se pode ir, correto? Nunca se volta. Só se vai.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Consumado. Tudo foi consumado.


Consumado. Tudo foi consumado. A força, a fé, a ansiedade e o cansaço. Tudo tudo. Nada restou. Não. Restou. Algo sempre fica, sempre sobra algo. Palavras, talvez, uma confissão. Tudo deu tão certo. Tudo que é tudo pode sempre dar tão errado.

Uma dor ocupa minha cabeça. Integralmente. Estala em silêncios e em todo e qualquer movimento. Uma dor em minha cabeça me lembra algo importante: eu estou vivo. É no desfazer desse corpo que me compreendo ser que existe, ser existindo.

Consumo. Existência. Confissão. O garfo quebrado sobre o chão dessa pizzaria me recorda alegrias que já não existem; aproxima memórias de uma infância cheirando a ketchup. O que posso agora? O que poderia eu poder tendo este corpo sido já tão usado, já tão corpo moído?

Asseguro-me na dor. Dói tanto. Estou aqui. Sempre morrendo, sempre nascendo, sempre nunca e nunca sempre. Nunca sinto a gravidade do desabamento. Sempre desabo inteiro e confiante.

Sou mais eu me deixando de ser.

domingo, 15 de julho de 2018

Onde estariam guardados os tempos passados?


Onde estariam guardados os tempos passados que não apenas e unicamente neste agora? Onde viveriam as histórias vividas que não aqui? Onde moraria a violência que julgamos ter sido exterminada?

Olho às coisas todas; atravesso as ruas e suas superfícies; permaneço em outro duração mirando um mesmo aspecto de uma específica arquitetura. Há tanto ali, em cada coisa, há tanto que não dizer sobre. A vida sobrevive alheia ao vivido.

Se fantasmagoria ou não, importa?, um gesto quando já terminado, independente da época em que foi feito, segue ecoando, segue transformando e agindo seu ato. As coisas continuam, nem mesmo se delas fizéssemos cinzas, nem mesmo assim deixariam de estar aqui.

Não, não, não é mera previsão dos destinos, nem teoria do Apocalipse. O que digo, o que sinto, é que a minha, a nossa, talvez, a nossa capacidade em dizer sobre a vida é pouco perto da própria.

Dizer é sempre menos que o acontecimento e, no entanto, continuamos. Continuemos.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Aquilo que comumente chamam de férias,



Aquilo que comumente chamam de férias, a última vez que tive foi quando era bem moleque. Aquele esquema de terminar um semestre da escola, descansar e retornar depois para o mesmo.

Faz muitos anos não tenho férias. De alguma forma, penso, nunca mais terei. Porque o meu trabalho anda muito junto comigo. Num simples olhar ao céu, eu sei, estou trabalhando. Numa breve conversa com um desconhecido, é certo, estou trabalhando.

No entanto, dessa vez, reservei um punhado de dias entre atividades de trabalho para restar, descansar e trabalhar. Não tem jeito. Não reclamo.

O ponto é: o que você trabalha além do seu trabalho?

Carão

E se te olho e me espanto
De antemão, peço desculpas
O espanto, esse meu espanto
É reflexo direto de uma fatalidade
Quando te vejo, esse seu carão
Quando eu o vejo
Ele mata a minha ideia do que deveria ser o mundo, as coisas todas e suas pessoas

Ora, eu te vejo
E me espanto
Que fazer?
Meu espanto é um aprendizado
Ele me ensina a ver mais
E com mais calma
Ele me ensina, você, seu carão
A morar na realidade, esta
Dessa sua cara grande
Que não é a do príncipe
Mas a que temos hoje

E veja
Veja bem
Lhe sou grato
Sou grato a vocês dois
Voce e seu carão
Não sei quem manda em quem
Mas ambos são lindos
Lindos
São lindos
É lindo
Você é lindo

E essa clareza
Sustenta as minhas forças
Pois se vamos beijar ou bailar
Beber ou nos drogar
É certo, já é certo
Estamos de acordo com o encontro que esta vida nos fez encontrar

Você tem um carão!
Que cara grande,
Que homem
Que graça
Sou feliz no tamanho do seu gesto
Grande
Imenso
Cara de amorzinho.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Couro

Arranco?
Sim.
O que descubro?
Todo aquele silêncio cinicamente emudecido.
Como continuo? Outra pele, senhor? Seria possível?
Não, ele me diz. Ande sem nada.
Pelado?
Não.
Como, então?
Pleno e assumido junto ao que lhe restou.
As vísceras?
Não, estúpido. Os vícios.

terça-feira, 10 de julho de 2018

O que sobrevive em ti?



O que sobrevive em ti? Pergunto-me, sempre interessado. Já imaginando vidas outras que em mim continuam e se desdobram.

No que olho, não sei bem se vejo apenas o que há. Tenho a desconfiança sem comprovante de que há algo mais. Nem bom nem pior, apenas outra coisa, algo além.

Grãos. Penso em fuligem. Vejo poeira compondo, festivas, os tempos e destempos. Por vezes, acordo no meio da noite e me sinto radiante em um dia outro, solar, lá longe, do lado de lá.

Por que uma vida parece tão pouca para um tanto do que sentimos?

domingo, 8 de julho de 2018

Um receio sobrevive e se multiplica em mim.



Um receio sobrevive e se multiplica em mim.

Ele diz respeito à possibilidade de algum incomodo durar mais tempo em mim do que o tempo devido.

Sabe quando dura além do que julgamos necessário? Sabe quando a coisa que te ocupa começa a te fazer confundir os passos? Pois bem, é sobre isso que falo.

Alguns sonos poderiam durar mais tempo do que duram. Para que se consiga durar, vivo, sem estar propriamente preso ao dia a dia.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Imaginei que pudesse ser bastante sincero.



Imaginei que pudesse ser bastante sincero. Não que eu não costume ser. Mas, imaginei que pudesse exceder as medidas já acostumadas. Mas isso foi ontem. Hoje acordei imaginando outras coisas. Continuo, no entanto, querendo dizê-las. Todas elas, porém, nascerão aqui. Todas elas, por certo, são e continuarão sendo fruto do meu cansaço.

Fora da estação

E nem havia malas prontas
Só o que havia era um cansaço
De vida longa, grandiosa
Quase ancestral.

Ali estava aquele ser humano.
Era ser humano sim.
As coisas, se a ele olhassem, diriam
E3ser humano, por certo.

E nisso de esperar, a ansiedade
Furou o destino e o fez sair
Sorrateiro
Da pista.

Agora ele, o tal ser humano,
Do lado de fora da estação
Tão sem rumo
Tão sem compromisso

Tão livre. Estranho, pensou.
Ele pensa. No auge do seu esgotamento
Ele reconhece que dar um passo
Para fora da linha o salva de sua maior tormenta

Existir.

Existir como se tivesse em si alguma função definida.

Não sou nada, nunca serei nada
A parte isso, tenho em mim todos os destinos
Do mundo.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Prática Perdão

e então te trazer para perto
não como quem pede desculpas
mas como quem sabe
que de fato será possível
fazer diferente

durar outros minutos
com a mão acariciando seu corpo
durar outros sorrisos
quando te fazendo rir
fosse por muito
ou pouco

não importa
invade, às vezes, sabe?
esse desejo nutrido
de te abraçar
sem vergonha
de um súbito casamento

acasalar?
nem me importa mais
porque sei que é mais belo
a claridão do seu silêncio

Pressão baixa

E vi-me ir ao fim de tudo
Sem pressa
sem preço
Fui inteiro
descendo rumo ao centro
da solidão
Exasperada solidão quieta
e tão colada ao mundo.

A vista nublada
A mão trêmula
Uma saudade do futuro
e mesmo assim
Sem pulso

Cruzei-me por dentro
tropecei em meus passos
desejei o fim de tudo
não de tudo
mas de mim
o meu fim
seria melhor?
Seria sim.

Um pouco de sal.

Apenas um tanto.

E tudo voltou
e se não desisto de mim
é porque ainda há o mar inteiro
a ser saboreado.