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terça-feira, 27 de setembro de 2022

Toldos Capotas Encerados

Ao meu lado,
Ela dorme como se
Morta estivesse. 

Ao meu lado outro, 
Sempre tudo é tão 
Diferente. 

Saliva no lábio inferior, 
Deserto como o
Deserto. 

O amor, agora, para mim
É saber que daqui a pouco 
Estarás por perto. 

Não tenho fome, juro,
Não lhe exijo 
Coisa alguma. 

Há algo na confiança 
Que me seduz e me
Multiplica. 

Tarde eu cobriria o céu 
Com um toldo todo
Lilás. 

Colocaria uma placa de luzes 
Amarelas dizendo venham aqui 
Aqui tem mais. 

O segredo do futuro
É que ele sabe esperar
Pelo esquecimento.

À frente há estrada
Atrás de mim já não vejo
Eu não vejo. 

O sol na pele grudado 
Drenando o óleo de
Lorenzo. 

A sorte da vida é não ser a mesma. 

Por que, então, você insiste em ser
Apenas passiva e não ativa inativa 
Institiva e meliflua? 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Preciso de ti

Porque é na hora mais escura 
Que o clarão estronda
E eu fico a procura
Da voz que já não porto. 

Preciso de ti como um louco
Precisa da realidade para
Discernir se continua ou
Continua inda mais. 

Porque se agora lacrimoso
Só quem respira embaixo 
Do sufoco é mesmo tu 
Sem nome nem imagem. 

Eu preciso de ti porque 
Exceto você ninguém mais
Sabe o medo que me estrangula 
Ao contrário. 

Nao te peço muito ou pouco
Peço-te o justo que me preserve
Na aventura deste mundo
Sem heroísmos e afins.

Se o suicídio não compensa 
Eis a hora, coração, 
Diga-me para onde
Como ir. 

senso

Perdi até mesmo
O senso de uma
Brincadeira 

Se me pedes
Que eu imagine 
Algo de bom

Para mim 
Não consigo 
Não consigo

Se me dizes
É mentira diga
Uma mentira

Boa para ti
Não consigo 
Não consigo 

O bom para mim 
É oceano longínquo 
O bom é para mim

É só para os outros. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

músculos

Antes pensava sobre o sol
Quando à noite, por fim, 
Viu-se em paz com o ar
Aquele vento lento
Raro 
Ao seu lado. 

Respirou profundamente. 

Observou que nada a sustentava 
Além daquela cadeira
Meio desconfortável 
Nada além da cadeira
Nem vinho 
Nem cigarro. 

Fechou os olhos. 

Antes pensava que chegaria
Haveria de chegar o momento 
Instantâneo 
Em que o pavor
se apaziguaria 
Mas agora

É noite 
Ela sem suporte 
Exceto si mesma
Si mesma
(naquela cadeira) 
Era isso, não? 

Estalou os beiços provisoriamente satisfeita. 

É isso, não? 


domingo, 11 de setembro de 2022

O problema do poema

Falamos da falta de viço
do desejo perdido
do fim dos destinos
falamos muito
apesar de em versos
tão sucintos

Dissemos sobre vida
e morte mesmo sem
nomeá-las, falamos
disso que corre entre nós
da vigília e da espreita
das madrugadas

Depois de tudo isso dito
você me escreveu preocupado
comigo ora preocupado comigo
não entendo como pode
o problema estar a mim
resumido

O problema do poema
é que o problema dele
não é dele mas desse
mundinho

nem só meu não não
o problema do poema
diz dessa capacidade
que ele tem de coroar
os esquecidos

Não se preocupe comigo
por favor mesmo com duras
palavras eu sobrevivo
o problema do poema
é que quando você o lê
você pensa no autor

e não no além disso
e não no além disso



sábado, 10 de setembro de 2022

outside

Em voz baixa
Chamo pela voz
perdida

Faz anos
Não encontro em mim 
a ânsia de algum
Desejo

Resvalo
Cansado
Desisto
Convicto

Se queres estar longe
Desejo
O que posso? 

Inoperante
Quase sem esperanças 
Chega um tempo
Em que a vida é isso mesmo
Hoje não 
Amanhã não também 

No sono que desvê destinos
Embarco sem grandes
Projetos

Sou esboço mais quieto
Que sonoro sou resíduo 
Bem assim me conforto
Os astros

Dançam o universo

Haverá de chegar o instante
Em que as flechas agiriam
Seus gestos

Já chegou? 

Está longe está perto? 

Sou todo ouvidos
Falo em voz baixa
Não anseio por aquilo
Que o mundo não me faz