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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

aquela fala indevida

e disse mesmo
disse a si mesmo
disse o obtuso
o intragável
mas tão honesto
tão verdade
tão verdadeiro

disse assim:
isso que você tanto reclama
isso é desculpa sua
para não enfrentar
a sua incongruência

fez cara de espanto
cara de palavra difícil
incongruência?
sim
e endossou o tiro:

essa mágoa
esse quase rancor
isso é medo seu
de assumir que você tá ruim
que você tá pouco
que você já deu,
já passou

e fizeram silêncio
nem tão breve

nem tão longo
fizeram aquele silêncio
e no escuro da noite
o silêncio foi se revelando

era isso
sou isso mesmo
esse cansaço
essa recusa a me aplicar mais
e mais
a tudo
e a todos
mas, sobretudo,
mais a mim
mais a mim
mais a ti?

sim!

argumente-se!

a mim! falta o cuidado
a dedicação
isso que falta
que seja
falta primeiro a mim

mas ora
ora
veja só
só falta a ti
porque em nada que fazes
isso
essa coisa
essa falta
está presente
se falta fora
não tem como ter dentro
compreende?

você me compreende?

novo silêncio
renovado
você quer dizer?...
você quer me dizer que
isso que eu tô vivendo
isso que tô sentindo
é esconderijo para algo
maior
mais complicado
mais ainda bizarro
do que todo esse cansaço?
é isso?

sim
sim
você entendeu
adiante

quero dizer
você está me dizendo
que a minha mágoa
essa mágoa
esse quase rancor
essa ira, pequena, mas irada
você tá dizendo
que esse meu desconforto
é, na verdade, esconderijo
para esta revelação
esta certeza
esta bomba

exato
qual?

bomba?
qual bomba?

qual bomba?

ora
eu
eu descansei me cansando
eu fui sem me ser
falei de honestidade sem me gastar em nada que disse
fiz pouco
confiei no destino
e agora me sinto raivoso
porque o mundo floresce
e eu só morro
mais e mais
de pouco em pouquinho
eu só fico pro depois
eu só fico pro passado
e o presente?

é você quem faz, seu otário

o presente
é você quem faz, diabo

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

uma curiosidade

e lhe veio então à mente
esta possibilidade estranha
mas ainda assim
desejante

e se, e se eu nada falasse
e se eu simplesmente deitasse
e fosse embora
assim, me perdendo
intencionalmente
no meio da noite?

mas acordou
dia seguinte
a cabeça mais leve
o corpo moído por tanto descanso
acordou
mesmo sem querer
acordou

no entanto
foi apenas engatar no jogo da vida
fazer o café
aguar as plantas
ver o próprio rosto
cansado
no espelho do banheiro
foi só retornar ao dia-a-dia
que mais uma vez
o cansaço lhe assaltou
o presente

e se você fosse
de fato
se você se deixasse ir
pensa
pensa, homem
tanta coisa iria junto
tanto cansaço
tanto papel
tanta responsabilidade
iria embora, assim, também
tanta alegria
tanto prazer
tantas e tantas narrativas

o que fazer?

fazia calor
era só isso que existia naquela fatídica tarde

ir ou não ao médico?
curar-se dessa virose
ou deixar-se morrer?

perguntas indevidas
perguntas sem resposta
oh, vida
ele disse
oh, vida cretina

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Dança do Sol

o sentido está aí
sempre disposto à morte
e aos recomeços

o que você poderia me dizer sobre tudo isso?
diria sobre a soberba da sua apatia
sobre a moleza do seu espírito
nem bem me interessam suas justificativas
pois justificar o que não é justo
não me é bem vindo

diria então sobre as longas horas fora do mundo
as longas e iludidas ações de descanso
quando o mundo segue agonizando
e você, na sua solidão privada,
espectando-o

o sol, talvez, tenha vindo em boa hora
o seu sacrifício, sem dúvida, também veio
em hora precisa
será necessário, caro amigo
ultrapassar a comodidade
da sua inércia
fazer diferente, apenas fazer
sem não mais
sem fazer não
sem esse niilismo que te ocupa
convenhamos
por demasiado tempo

hoje e amanhã
agora e por bom tempo
não mais isso
apenas dança
sensível e tenaz afirmação
dos seus desejos
encarnados
da sua existência
lúcida, construtiva, combativa
solar


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Meio inerte, olhos abertos

Nem muito nem pouco
O possível o suficiente
Para mirar ao mundo
Sem antecipar o seu transtorno
Em mim
Não não poderia suportar
Por isso lento transito
Entre o lá e o cá
Vendo tudo num só canto
A vida judiada
O poder com fome e gancho
Olha
Se eu vivesse noutra época
Talvez esta agora fosse apenas história
Só que é minha
A minha época
A minha compulsão
A minha hora.