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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

e assim foi

Fazia já uma semana. Pouco mais que isso. Uma semana e quase meio dia. Se estava orgulhoso, poderíamos acreditar que sim. Um pouco, talvez. Um pouco assim como que orgulhoso da própria força ou mesmo ousadia. Estava orgulhoso e um tanto apavorado. Apavorado sim, ora, por que não? Como não? Tudo aquilo era como que inédito. Fazia quanto tempo? Doze anos? Treze? Já nem se lembrava. Fazia uma semana ele estava sem fumar sequer um cigarro. Fazia doze ou treze anos fumava todos os dias. Em uma semana, era como que ter nascido em outra vida. Uma coisa propriamente chamada loucura. Era assim que sentia. O dia, as horas, o peso do silêncio, alguma paz em alguma calma (tudo estranho, tudo tão estrangeiro, estrangeiro tudo isso fazia tantos anos).

Mas, continuaria. Sem fumar. Por favor, não me entendam errado. Continua sem fumar e não fumando. Não fumando. Ele continuaria. Eu quero dizer, ele continuaria a vida, diferente, mas ainda a mesma. Outra, mas ainda a sua. Tão estranha, tão inédita, tão diferente. Sem aquele cheiro. Sem aquele cheiro. 

I wanna show you how

Just stop
Don't think too much 
Don't think a lot
Just do it
Just stop

In the middle of the day 
In the morning
You can do it, boy
Just go and say
Say it
For yourself 
For all the world 
Just say it
I'll stop

Tomorrow? 
In the future? 
No
No
No
Say now
Say it now

I'll stop
I'll stop now 

How? 

Saying these few words
Saying with all your heart and bones and love
Do it, boy
You need it
You must 

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

um fim é também um propósito

lavar os cinzeiros
passar um pano umedecido
em atropelo
sobre as cinzas
perceber, com alguma surpresa,
que o gás do isqueiro laranja acabou
e também acabou o do isqueiro rosa
roxo?
nem me lembro
a caixa de fósforos acabou ontem

um vazio?
uma falta?

não
nada disso

tudo o que fica é a escolha
tudo o que fica é desabituação
para sair do lugar
para sair como quem baila
para bailar como quem se estranha
se estreia
outra vez
e renovadamente

falta?
necessidade?

e o silêncio que brota do sumiço?
e a densidade do ar que se aproxima de seu gesto agora sem sentido?

ficaríamos com o que há
apenas
e se não é falta
somente o que há
é a sua presença
em luta
no embate destemido
com as possibilidades
do estar vivo

terça-feira, 22 de outubro de 2019

247.


Por poucos dias, esses papéis ficaram afixados no espelho do guarda-roupas. Acredito que se ficaram por ali pouco tempo, ao menos em mim, aqui, ainda agora, se fazem presentes. "Acabou". Dizia um deles. O outro, imperativo: "Recomeça. Diferente."

Sabemos do que se trata. As coisas não param de acabar. Não param de morrer. Portanto, não param também de começar. E começam diferentes, ainda que tão parecidas. Quem dirá o que mudou? Você? Eu? Sem dúvida. Eu sou quem restou. O resto que ficou. Eu fico. Eu resto. Acabado e diferente.

Esse processo - esse processamento - que é estar vivo. Quantos cigarros ontem? Apenas 8. Foi preciso dormir cedo para não fumar mais. Acordei cedo, no entanto, e já se foram mais 2. Restam 6 para o decorrer deste dia. Como dizia aquela linha numa dramaturgia escrita por mim: "Que hora é essa que não passa?"

Sigo me perguntando, me pesquisando, me provocando. Provocando-me a mudar, a cambiar, a perceber o que me é destino e o que ainda posso escolher. Não mais controle. Aceito o vento. O vento, apenas, sem mistificação. Aceito a mudança de rumos. Aceito. Aceito. Estou aceitando. Estou tão cansado que essas fotografias analógicas me devolvem um pouco do trabalho que é se fazer ser e ser enquanto ser presente.

A dor, minha guia, pouco a pouco fica tão íntima que já nem faz mais tanto estrago assim. As dúvidas, as suposições, as hipóteses, tudo isso, tudo mesmo, isso tudo perde a pompa insondável e vira migalha de pão. Eu faço a faxina.

sábado, 12 de outubro de 2019

La solitude nesse pio

Riria, talvez porque se não o fizesse
Morreria mesmo.
Por isso, riria. Em meio a tanta tosse
Tantos golpes
Seriam mais azar, mais sorte?
Riria, por fim
Incapaz de se aguentar apenas quando
Junto consigo mesmo.

Remonta tudo.

O que antes no antes havia ficado
Hoje se confirma, hoje mudou
Lá ficou e, no entanto, e você?
Você também não mudou?
Ainda na mesmo?
Seria possível?

O incômodo é por, após tanto tempo, reconhecer-se perdido, de si, de si perdido
Afastado
Devendo a si próprio
Que merda
Que imensa merda

Nisso, pensou, em sabedoria apressada
Pensou em ficar sozinho, em sumir, pensou e foi
Elaborou rápido e nisso se foi
Longe
Distante
Outro país
Sumiu, fugiu, partiu a comodidade social do estar entre conhecidos e, quando distante, implacável, viu-se sozinho

Sozinho

Sozinho

E tossindo
Tossindo
Tossindo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Diz controle.

Diz
Vai
Diga
Diz essa palavrazia
Palavra vazia
Purazia
Azia

Diz
Sobre o controle
Sobre suas vãs tentativas
De controlar
De dizer e firmar
Diz
Diz aí o que foi conquistado

Melhor seria ter perdido
Melhor ter sido sequestrado
TER perdido
Ser indigno
Dessa mentação
Dessa mastigação
DE si mesmo

Diz
Diga, vai
Diz sobre o controle tentado
E passageiro
Vai
Reconhece
Reconheça

O que aconteceu com aquelas certezas?

Arrogante
Arrogância
Ânsia por arroz?
Perdeste, palhaço

Sem amor
Sem tangerina
Sem Geleia
Sem roupas limpas

terça-feira, 1 de outubro de 2019

O que resta guardado

Gostaria, se possível, jovem senhor
De ser exposto, denunciado, entregue aos ventos.

Aquilo que em ti foi trancafiado
Gostaria, jovem senhor, de ser entregue
Como quem delata um crime
e junto a ele o seu perpetrador.

Uma pequena bolsa
uma uva aguda e densa
uma dor quente e presa
Em você sobrevive isto
isto sem força
para alar-se.

É pedido aos jovens da sua idade
que não temam expurgar esse horror
Que compreendam, jovens, compreendam
que horror mesmo é guardar em si
tanto e tamanho desconforto
tamanho e tanta dor.

O que resta guardado
germina
Do silêncio se nutre
e quando perceberes, jovens
a tua idade avançou
e a sua cabeça

não sobreviveu
ao peso
que foi ter sido
por tanto tempo
esconderijo
para seus medinhos.