você me olha, mãe
E me pergunta sobre o que
tanto escrevo
Eu te olho, meio assim, absorto
eu digo
Você me refuta
o quê?
Passo o fino dedo no seu braço gordo
eu te digo, mãe, eu te digo
Estava boa a salada de batatas
estou com azia
Você ergue os olhos sobre os quais
as sobrancelhas
O poema, você, me pergunta
Como você consegue?
Eu digo que não tem importância
não tem mesmo
Não tem
o poema, mãe
O poema
eu simplesmente o faço
Eu poemo
você ri, está vendo? Me desafia
O poema é essa gororoba
que ninguém gostaria
mas que quem prova
até gosta
até gosta, mãe
Sabe?
Às vezes me sinto assim
um pouco encantado
como se pudesse algo
algo assim
que nem sei, mãe
nem sei
Sinto-me assim
às vezes só
nem sempre
nem tanto
às vezes sinto-me assim, mãe
enlevado, sabe?
Num pequeníssimo alto
maravilhado me vejo
Olha eu lá
É o poema, mãe,
em minha vida
Um instante sem linha
um montante sem moeda
O poema, mãe,
minha placenta que não rasga.
Espero te ver outra vez,
você me diz
Antes da morte?
Eu pergunto
Sim, você concorda
a gente há de se ver
a gente há de se ver
Até lá
- você quase grita -
Haja poema, mãe
sim, meu filho
Haja poesia!