Pesquisa

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Mais que o vazio

Mais até que algum desespero.

De fato, não saberia dormir.
O corpo inquieto. Algo faltando e
No entanto
Tudo ali.

O costume (morrendo)
O vício (sendo judiado)
Aquele cheiro (em despedida forçada)
indo embora.

Pensou que no vazio
Havia mais do que apenas um
Severo tormento.
Percebeu isso.

O corpo. Insatisfeito.
O tudo, agora incompleto.

Não saberia dizer.

Agora era isso apenas.

Padecer e, por tanto padecer,
Vir a ser de novo
Renovadamente.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Entrevisto

Por que poesia?
Para escrever imagens e sensações mais próximas do que, por vezes, sinto e não consigo compreender.

Poesia para compreender?
Não, na verdade, poesia para desistir de entender.

Sente-se especial por ser poeta?
Não precisaria ser chamado de poeta. Não seria necessário chamar o que escrevo de poesia. Independente dos nomes, o que escrevo segue agindo.

Em você?
Em quem quiser ler.

Você lê o que você próprio escreve?
E na dor lida me sinto bem.

Qual dor?
Só a que eu não tive.

Não compreendo.
Paciência.

Pretende publicar um livro de poemas?
Não tenho dinheiro para isso.

E se tivesse?
Compraria um sofá e um ar-condicionado.

Sinto que nossa conversa está indo de mal a pior.
Foi uma pergunta?

Quando entrevisto alguém, busco conduzir a conversa para que a pessoa entrevistada revele o seu olhar sobre os assuntos conversados.
E?

Quero dizer que o seu olhar é meio inerte. Considera-se alguém presunçoso?
Sem dúvida.

E?
E o quê? Era para eu me sentir mal por ser presunçoso, pretensioso, metido à besta?

De forma alguma.
Pois eis algo revelador. Somos quem somos. Não perca tempo fingindo ser bacana. Isso talvez sequer exista.

Talvez em poesia exista. Não acha?
Por isso escrevo. Para fazer as pazes entre quem de fato sou e quem me exigiram ser.

Quem te exigiu ser quem quer que seja?
Papo chato esse.

Era para ser divertido?
No mínimo, bom seria se fosse interessante.

Diga-nos algo interessante.
Me recuso a ser interessante.

Mas exige isso dos outros?
Exijo.

E quando o seu desejo não é contemplado?
Peço mais uma cerveja e fumo outro cigarro.

Ótimo, ótimo...
Não é?

O amor não é para os fortes, nem para os fracos

Agradeço sua existência.

Mesmo.

Agradeço a você, cansaço,
por dobrar minha coluna
e desconfiar da minha dor.

Sou daqueles seres que se gastam
inteiros e destemidos
daqueles que vão
mesmo quando o ir
é apenas e tão somente
continuar caindo.

Caio fundo e profundo.

E mesmo depois do chão
continuo, eu continuo
continuo indo e caindo
continuo crente que seja esse
mesmo
meu único destino:
dar-me e doando-me
doer.

Mas aí você chega
subitamente, olha só
cá está você.

Fiquei cansado.

Fiquei contigo, cansaço.

Casamos?

Um namoro breve?

Uma trepa?
Um caso?

Não sei, mas agradeço sua persistência.

Sua presença em minha casa
na superfície fria do meu peito
no arrepio preguiçoso que me confirma

não tenho mais como
seria preciso descansar outra vida inteira
para tomar forças
e recomeçar essa história de amor.

Cansei, cansaço.

Cansei de buscar, de tentar, cansei dos empenhos todos.

Hoje, cansado,
reconheço-me, por fim,
vivíssimo.

Estou tão cansado de lutar pela gente
que não há mais gente
há só esse sono longo
sono quente
sono preciso

eu longe de ti
eu cansado demais
para insistir.

Não, o amor não é para o fortes
nem para os fracos
o amor
essa coisa de amor
esse negócio

é apenas para os que ainda não descobriram a paz
que ser e estar
cansaço.

Aos furacões

Seriam feios
mas de beleza
já basta o vinho.

Seriam intempestivos
e não há filosofia alguma
nisso.

Seriam impávidos
e arrastariam tudo
consigo.

Parado no centro dessa casa sem alma
janelas abertas
espero sua chegada.

Sinto frio
apenas de cueca
pés descalços.

Penso no futuro que chega
e ainda se parece tanto
com o passado.

Aos furacões
envio meus sinais
(tão pequenos e tão frágeis).

Seriam magnânimos
e por nome teriam adjetivos
periclitantes e fabulosos.

Seriam históricos
pois depois deles
nada mais seria o mesmo.

Seriam o que quisessem ser
porque se soubéssemos como seriam
deixaríamos de ser.

Parado no centro dessa casa empoeirada
peito aberto
espero sua chegada.

Sinto medo
apenas porque esperar
não significa chegada alguma.

Penso no quanto penso
e ainda assim me observo
consternado.

Aos furacões
solicito
que venham e me levem daqui
as soon as possible.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

'Cause I can't help the way I feel around you


Não. Dessa vez a mensagem enviada
É diretamente
para mim.

Sim. Para mim dessa vez
me direciono
diretamente.

Espero que eu esteja lá
quando a mensagem
chegar.

Sim, meu bem. O bem
entre nós há de durar,
mas não

dessa vez
não posso mais cuidar
de outro alguém.

Se sofro? Pouco importa.
Se dói? Já não é novidade.
O que sinto

perto de você
me arrebata
me invade

por isso não
deixemos nossa história
nas mãos do tempo.

Sim. Não. Nem talvez.
Por agora a mensagem
é reta e sem eco

que a gente consiga partir
um do outro, roubando na algibeira
o privilégio do nosso abraço.




quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Vida prática

Ela atropela
convenhamos
Ela pisoteia tudo
Você até tenta
vejam o coitado
Ele tenta
mas a vida
A vida não está de férias
Ela avança sobre tudo
sobre tudo ela se senta


haveríamos de concordar
Numa hora cansa, não?
Isso de chorar
isso de reclamar
Cansa, ora, óbvio que cansa
essa ladainha interminável
do amor do amar

Ela atropela
os gemidos
Ela pisoteia tudo
Ele tenta
vejam a situação
Você até tenta
mas a vida
A vida faltou os ensaios
Ela estreia inédita a cada instante
doa a quem doer


preste atenção
Num instante só o que resta
É a vida mesmo
a vida
Sem embromação
vida ágil
saltando ônibus, cortando estradas
geopolíticas morreriam
o dólar (alguém o viu?)

A vida passou
e, ao menos à força,
você a ela serviu
Ao menos um pouco
Você serviu a ela
Serviu de caminho
Você inteirinho
À disposição
do que ela quiser que assim seja
e já foi a vida
A vida já foi

Forcital