Pesquisa
domingo, 30 de agosto de 2015
Se for impossível, eu farei
sábado, 29 de agosto de 2015
Tudo igual, mas diferente
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
durmo acompanhado
antes disso velas se acenderam
os panos limparam o caminho
pelo qual tu pousarás
teus pés ansiosos
pelo abraço.
o banho foi só no final
antes dele vieram os mimos
tantos e tão infinitos
antes do banho foi a casa
ganhando vento
e se abrindo.
é noite e o frio é delicado.
a música que toca versa
para o meu lado.
todas querem me convencer
de algo bom a me acontecer.
não posso as negar
elas querem me fazer ver:
que o mundo que se inventa
é também o único que existe.
sob a chuva
um lamento
dizendo
talvez seja tarde
mas dentro
dentro
feito revoada
poderia ser mais
poderia e é
e é
muito
tanto
que o silêncio
vira afago
e me faz dormir
sobre braços
que não os do meu
desassossego.
aquilo que me resta
ainda agora e aqui
aprisionado doce
entre os dedos vagos
a poesia se anuncia
sempre que a vida
engasga em beleza
tão breve e
por isso mesmo
tão distinta
não tenho medo
vive o segundo
e nele exista
inteiro, pois
haveria vida mais fulgás
que no beijo a te afagar
que na nuca despida
e carente de abraço?
haveria outra vida
que não só essa
só esse persistente
alarme dizendo
estamos aqui
estamos juntos
aqui estamos
juntos estamos
haveria?
outro motivo
para poetar
outro buraco
que não este
o do peito?
não tenho
não tenha
medo não
vai-te inteiro
como que pelo ralo
se afunde, amigo
será imensa a sua dor
tanto mais breve
for teu beijo.
domingo, 23 de agosto de 2015
o que pode um oi
assim, do nada
oi, eu digo
o olhar foge
por que temos medo
do que sentimos?
ok
diga oi
eu repito
oi
outra vez
já estou na rua
de casaco azul
passando calor
mas cheio
de vontade
uma cerveja
dois copos
tantos sorrisos
tantos
tantos
que o antes morreu sem graça
existe alguma coisa que de repente se escreve
num beijo roubado
no meio da rua
tem problema?
não,
você sorri
não tem,
então roubo outro
e outro mais
e tem essa coisa do cheiro
meu deus
meu deus
nunca chamei tanto por seu nome
mas é que esse cheiro
essa nuca
esse braço
esse homem dentro da baleia
tatuagem
fico todo assim
como se diz?
você sorri
fico todo eu assim
arrepiado
e é bom?
você me pergunta
eu sorrio
que mais posso fazer?
o chão de casa está lustrado
deita aqui
deita aqui
eu vou jogar meu corpo em cima do teu
e jogamos.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Resistência
Não se trata de dizer não.
Não é isso.
Trata-se apenas de restar
sem prever duração.
Tenazmente
feito nisso crente
Saber durar nas horas
zerado de intenções.
Não querer
Cessar quereres
Não desejar
Cessar gravidez
E permanecer como que ausente
do mundo e de sua obstinada
Maquinação.
Duro
Ausente
Resistente
Tu farás parte da chuva
Ouvirá a língua dos pássaros
E descobrirá que as coisas passam
sem que se possa domá-las.
Descanse os olhos.
Sim. Sim. Porque sim.
terça-feira, 18 de agosto de 2015
Sobretudo
Corpo sobre a cama
Teto nos olhos
Ânus agasalhado
Frio nos pés
Íntimo desocupado
Respiro
E centro em mim
Minha existência.
Aquilo que deveria existir
Apenas me espera
Sem cobrança.
Respiro
E ao mundo ofereço
A possibilidade de continuar.
Brando
Leve
Em balança
Destemido.
Nesta noite
Eu sou meu amigo
e meus sonhos
Serão claros
Como a escuridão.
sábado, 15 de agosto de 2015
Fim
E eu fiquei.
Abri o peito
E fiz do peito
Morada
Sala de estar
Aqui, agora
Só o que há
É o que ainda não veio
O mais vasto
Um mundo
Recrio tudo e
Pulso elástica
Sorriso nos cabelos
Era justo não ter
Que encontrar
Coisa alguma
Exceto isto:
Profundo
Que mora
Que aprendi
A admirar em mim.
Anacronizo
Disse o fato
Que logo mais um só fato
Virou.
Nada dura.
Tudo sobra.
O antes que antes foi passado
Hoje rememora e vira presente.
Surpreso, o tempo me olha:
decida-se! Ele me grita:
foi amor ou não foi nada?
Há meio termo?
Penso em diálogo com meu desassossego.
E me acho graça.
Cada hora digo uma coisa
E talvez seja sensato não dizer
Mais nada.
Durmo passavelmente bem.
Sonho pouco pois nada tão grave assim
Desejo.
Vou descer do táxi
E comer um brigadeiro.
Chega de teatro.
Tudo já dito
Por que tanta teimosia?
Pensei ter lhe dito tudo
Mas sempre sobra um resto
Uma sinceridade extrema
Dor profunda que demora
A ganhar forma
E segue firme sem redoma
Dor intensa.
Exageros meus não passarão.
Ponho freio na velocidade do meu coração.
O que há mais a ser dito?
Querer o quê?
Que tanto se exige?
Não sei.
Talvez deva deixar passar
Dar as mãos ao tempo
E ver como se faz para
Ultrapassar.
Estou repleto de mágoas
Coisas sem nome
E listas de ódios e coisas
Profundas (as quais não vou
Abrir espaço).
Quero escrever seu nome
Mas você teme a exposição.
Penso que você não recusaria
Ler seu nome
Caso ele viesse acompanhado
De elogios e admirações.
Este é você.
Só
Te interessa se ver em sua perfeição.
Resta a minha poesia
Sendo sincera sem te servir
Sendo franca mesmo com teu
Repúdio ao que escrevo aqui.
Tudo bem.
Não escrevo para ti.
Escrevo por mim
Para não esquecer de como é possível
Mudar e partir.
Tudo já dito e ainda essa vontade
De mais e mais lhe dizer.
Seria a sua dureza de espírito
Que me impulsiona a querer
Mais e mais
Te dizer?
Talvez o amor.
Mas nem nisso acredito mais.
O que sobrou de você em mim
Foi só mágoa.
Não mais serei parceiro
Não mais minutos juntos
Sem isso de amizade
Só isso de fraqueza
Incapacidade
Isso de fim das coisas
Isso da vaidade.
Foi fim e fim continua sendo
Ainda que não termine.
Rastro
Como um vício
Amanheci sujo e dependente
O café da manhã apesar de farto
Me foi indiferente
O espelho do banheiro
Confirmou meus receios:
estava eu saindo de um tempo
em que o corpo foi suprido
Sem receios.
Como um lastro
Sua ausência se fez presente
Caminhei um dia inteiro
De mim ausente
Porque você seguia no meu passo
Fazendo do meu caminho
Trajeto em embaraço.
Não quis resolver
Não sofri menos
Fiz como deveria
Toquei a face desse monstro
Que me inferniza
Toquei seu rosto
Sorri em silêncio
Não há o que fazer
Exceto o tempo
O tempo.
As ruas circulam pessoas
E todo o tipo de gente
Lá fora a manhã vira tarde
E eu nem escovei os dentes.
Haveria outra coisa que não esta certeza?
Sobrevive um rastro seu
Que já não anula meu coração
Seu sorriso perdeu forma
Sua forma perdeu cor
Sua ausência virou fantasma
E minhas palavras
Voltaram a ser palavras apenas.
Hoje eu não quero nada exceto o que já tenho: este tempo, este silêncio, está vaga (a me lembrar que o corpo demanda esforço para se curar das faltas).
Hoje eu não quero nada
Exceto isto
Sobre
Viver.
Sutilmente
Aquilo que hoje você vê
Também tem olhos
E te mira com
atenção.
Sua angústia
Não é sua apenas
Também ela é da
Multidão.
O que você procura
É para te fazer mais lindo
Nessa escuridão
Ou não importa?
Responda.
Responda agora.
Você procura o quê?
Aqui, o que procuras
Para além de espelho
Capaz de te elogiar?
Sutilmente
Percebes que a vida
Não resta apenas no
Seu entorno.
Você percebe hoje
Que as árvores são mais vastas
Do que o pequeno contorno
Daquelas imagens.
Tudo este já dito
Num instante
Em que fostes incapaz
De perceber.
A noite, essa selva
Talvez te faça perceber:
Olhando para o fim
Tu eras feito de desassossego
Mas decidiu persistir
Sem sequer compreender.
A noite, de novo
Te chama ao embate
E fica tudo mais claro
Sobretudo isto:
A dor é mais nome
Do que certeza.
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Seca
tenha te impedido de escrever
as próximas rimas.
Sinto que é isso:
dureza não no corpo
dureza não na agilidade
dos dedos caçando letras
mas dureza última
no espírito.
Perdeste alguma doçura
perdeste tu o mínimo
que é saber enrubescer
com o mínimo
com o mais delicado
com o ínfimo.
Faz já um tempo se acostumaste tu
à completar os buracos.
As covas então se fecharam
a vida virou jogo pernicioso
que não tolera a falta.
Mas ora, desde quando
o que há não é apenas isto
a falta?
Por que foi que você se acostumou
à coxinha?
Desista disso.
A sua cova íntima
é o espaço onde sobrevive
a sua capacidade
de ser afeto e enzima
A sua capacidade
de ter fé
em tempos tão turvos
e de desconfiança.
Secou.
Então regue.
Secou?
Então deixe-se
molhar
deixe-se molhar.
Respiração
o ar entrando?
Consegues dosar
a quantidade do ar
entrando?
Consegues conter
mais ar do que lhe disseram
em ti caber?
Meditação.
Ouça:
O ar que em ti entra
faz sim algum barulho
Se é doce e leve
não importa
Porque é desde sempre
ruído.
Novamente, eu te peço:
ouça
sinta
dose
e se contenha:
há um mundo entrando dentro de ti
de tantos em tantos milésimos
há um mundo aqui fora
te abrindo
via respiração
Escute:
eis a sua nova condição.
Respirar
a tempo de perceber
Que estar vivo
é questão invisível.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Pelo Maniqueísmo
quando afirmo tais coisas
aqui, em poesia, é apenas pelo direito
de ser contrário à vida
Pois, se sempre fui generoso
ao menos aqui, em poesia
eu quero o contrário
eu vou eu posso
Estilhaçar você*
10 de Agosto de 2015
não preciso dizer mais nada
nem escrever
as coisas que eu ouvi
aquilo que disse
bastam para compreender
o desejo que já morava
aqui em mim:
tudo claro
retinto, superfície quebradiça
sinceridade extremada
a dor não é igual
e não se disputa qual dor
doeu mais
mas
mesmo assim
terminou, finalmente
meu peito sincero agradece
tamanha ousadia
foi legal
foi bacana
mas sobrevive já
feito passado
a gente não sabe de nada
e esse instante
serve apenas para isso
para firmar
o seu olhar fugidio
alguma incapacidade sua
de enfrentar
o presente
que a ti
é presenteado
posso escrever versos terríveis
dizer coisas sem fim nem começo
mas guardo pouco de ti:
os olhos vesgos
o olhar fugindo
a falta de palavras
e a demanda por cuidado
a demanda por sempre mais
(do que existe)
isso é tudo
a mim, nada é
mas é tudo
para explicar
aquilo que já sabia
antes mesmo
de nos desfazer
tudo certo
durmo tranquilo
meu corpo pede
poesia minha
agradeço a ti
por me deixar falar
o que falo
agradeço a ti, poesia
agradeço!
como a ninguém um dia
já agradeci
foi você
que me permitiu chegar
e a partir daqui
partir
mergulho
profundo
bateria
lugar para mim
estou aqui
não precisa
se precisar
não vou precisar
mas se precisar
estou aqui
para ti
estou disponível
se cuida
se cuida, tá?
oi?
eu não ouvi
não preciso
não precisa
está tudo certo
aqui
entre versos
minha grosseria tem autonomia
e as cores pesam
sem piedade
o que há de incrível no amor?
talvez um único fato
ele acaba
e se tanto foi pedido
que eu aprendesse a desamar
eis um motivo para brinde
acabou
ficaste feliz?
eu também
porém
não mais brindes
foi o último
o brinde pelo fim
graças a mim
graças a mim
graças a mim
alguma sinceridade
não estou bêbado.
estou de cueca.
muitas luzes estão acesas aqui dentro de casa.
tenho sono.
estou ansioso.
ouço músicas.
quero chorar, mas não consigo.
talvez durante esta escrita eu chore.
talvez não.
queria paz.
queria sorriso.
mas não sei.
quero distância.
quero outro abrigo (que não eu mesmo).
estou mofado
cansado
humilhado
estou velho
apesar de tão jovem
ainda
tenho esperanças
no quê?
você e eu.
meu deus.
nós dois.
meu deus.
se eu soubesse, lá atrás, o tamanho dessa dor
talvez eu me recusasse a brincar de amor
talvez eu me proibisse
mesmo
talvez eu recusasse este verbo: amar
talvez mesmo
talvez
eu preciso acreditar
que o tempo passa
e mais do que passar
preciso acreditar
que ele leva
que ele me acolhe
que ele me permite
continuar
o que posso fazer?
sinto dores sem nome
sinto o corpo disforme
sinto que sou capaz
de retornar
bruscamente
a quem fui quando junto a ti
mesmo agora
sem te ter
meu deus
nunca chamei tanto por você
que desconheço
está doendo
eis uma verdade
alguma sinceridade
eu estou morrendo
e quanto mais morro
mais teimo em continuar
por quê?
por que não desiste o corpo?
por que não jogo tudo aos ares
e parto? para não me encontrar?
para me perder
me evaporar?
queria os verões que não tive
queria o útero e sua tranquilidade
queria outro cheiro
outra prosa
outros embates
meu deus!
estou cansado
tenho preguiça
até em morrer
não sei como faz
não tive essa aula
eu perdi
me perdi
nos perdemos
e o que fazer?
doo apenas
eu me doo
sem poder
me compreender.
domingo, 9 de agosto de 2015
Uma fagulha
Corre
Anda
Não demora
Apareceu no íntimo
Alguma esperança
Corre, Diogo
Vai
Abocanhe-a
Esperança?
Talvez sim
Alguma coisa
Sem forma
Que te faz
Por um segundo
Endireitar a vida
Torta
Corre
Anda
Não solte
O instante
Vai
Estamos torcendo
Alguma coisa
É alguma coisa
Uma batida
Um ar
Que seja
Mas vai, cara
O proteja
Se proteja
Isso
É
O
Começo
De algo
E
Lindo
Você
É
Um punhado
De palavras
Para se cantar
Vai
Vai!
Ah!
Vai!!!
Voltando
Talvez a confusão do instante
Exija dar uma volta.
Gesto de retroceder
Juntar as armas
E desistir
Do compreender.
Se eu pudesse
Não mais falaria
Eu.
Se eu pudesse
Não mais lembraria do
Nós.
Tudo confuso
Como está
Não resta gesto
Mais justo do que
Restar,
Em meio à crise
Em voltas inúmeras
Conservo a azia
Não por gosto
Mas por zelo
Destinado a essa tola complicação.
Eu acreditei no fim
E ponto final instalei
Sobre tudo
Sobre minha respiração
Pus fim
Onde havia ainda dúvidas
Solicitando atenção.
Sou cúmplice
Sou parte disso tudo
Sou eu, como sempre fui,
Disperso no horror
E destinado às mortes
Todas.
Haverá paz?
Pergunta meu peito
E eu silencio.
Não sei, peito meu
Não sei de nada
Exceto de abismos
E dores profundas
E torturas veementes
Não sei de nada
Exceto daquilo que já morreu.
Avulso estou
Cantando músicas
Cujas letras eu mesmo
Modifico.
Uma volta
Outra mais
O que fazer, meu Deus?
O que fazer neste tarde
Demais?
Eu poderia dizer... Ou: Dialética.
Que a razão de tudo é uma só:
Eu te amo.
Eu poderia dizer isso. E estou dizendo.
Se há verdade ou se brinco em poesia
Não cabe dizer. Só de especular a vida
Já se movimenta energia.
Eu te amo. Ou: muito te amei. Ou mais
Sinto a sua falta. Ou mesmo poderia dizer
Que desde sua partida não soube como continuar.
São aspectos do ser sincero
Que não se pode se furtar.
Eu poderia dizer que há orgulho.
Orgulho meu.
Que há desconfiança e medo!
Medo!
Palavra abismo capaz de tudo reunir
E muito mais multiplicar.
Eu poderia dar desculpas
Eu poderia escrever e inventar
Eu poderia simplesmente me colocar
No seu
Lugar.
Mas não.
Já brinquei de te escutar
Ousei me ver por seus olhos
Ousei me mirar de longe
E me critiquei
E me machuquei
Mas já não dá:
minha interpretação final para além
de tudo ser lindo, é mesmo esse
Mau estar
Propiciado pela sua falta de humanidade
Pelo seu vício burguês de ser
Coitadinho.
A Dialética eu já conhecia antes de te conhecer.
O que eu ainda não havia visto era essa febre
Sua
Do se auto se compadecer.
Perdi o tesão.
Cortou minha energia.
Rompeu meus elos, enfim
Destruiu minha vida.
Doença contagiosa o seu sorriso
Nada de bom em mim hoje
Permitirei
Desabrochar.
Feriste meu peito no centro
E perfuraste um nervo.
Sobrevivi porque dizem
Não quebra o vaso ruim
E de tanta ruindade
Estou cheio.
Cheio.
Hoje
Por você
Só essa mesma trilha sonora:
Repúdio
Nunca mais
Distância
Guerra mundial perdida na História.
Sobrevivi.
Sem rede de segurança
Sim, você pode tentar
Se proteger mudar a roupa
Forjar sorriso e segurança
Mas a vida destolera
Desconfiança.
Vai, siga tentando
Faça do seu caminho
Extrato do seu mesquinho
Medo de ser visto
Como quem és.
Meus olhos te entenderam
Com atraso que não viu
Meu cansado coração.
Meus olhos te desvendaram
Antes mesmo que desatassem
Nossas mãos.
E então segui tempo
Vendo com tais olhos meus
O caminho todo adulterado.
Vi tudo errado e sem medida
Vi demais vi dentro
Vi o que já sabia:
você é uma graça
foi um grande amor
mas assim como o tempo
você passou.
Não tente forjar o amanhã
Ele ainda nem brotou
Não tente sair bem
Do encontro que sequer aconteceu.
Durmo bem
Inconsciente de ti
Amanhã a gente se vê
E depois será o fim.
Simples.
Da mesma bruta forma
como nasce um amor.
sexta-feira, 7 de agosto de 2015
(demorada) Carta aos Filhos (que me cuidaram)
Rio de Janeiro, 07 de Agosto de 2015
Meus filhos,
O pai nem sabe quando foi a última vez que lhes escrevi. É curioso. Não planejava lhes escrever, mas acontece que vocês me vieram e então eu não quis não corresponder. É preciso. Já faz tanto tempo e o pai morrendo e vocês aqui, mais e mais florescendo, porém, sem mão que os guie, sem cuidado meu, meus filhos, o pai se perdeu.
Mas está aqui. Aqui ele ainda está. Tanta coisa passada nesses últimos sete meses que nem saberia por onde começar. O cigarro aceso é a única coisa que permaneceu indistinta. O pai continuou fumando como se a cada novo cigarro adiantasse mais a vida para enfim morrer sem soluço a me atrapalhar.
Vocês sabem que com vocês só mesmo o que há de sincero. Por isso escrevo-lhes pouco e comedidamente, afinal, dói bastante ser sincero em tempos como este. Dói demais, meus pequenos, a vida em meio a homens sem franqueza. E o pai sempre se orgulhou, sempre foi franco, mas dói. E é preciso confessar a vocês: minha franqueza abriu abismos e a cicatrização ainda não deu sinal de chegada.
Confio em vocês. Na confidência aqui explícita, eu confio em vocês. Todos querem amar. E o pai, certo dia, descobriu também esta possibilidade. E o pai foi. E o pai ainda não voltou. Que vergonha. Demanda um tempo - vocês estão vendo - demora um tempo até o corpo voltar a ser corpo apenas. Punhado de matéria. Corpo sem demandas, sem órgãos, corpo solto, sem ganchos nos quais se poderiam prender seres e outras coisas.
O pai está todo doído. Por isso demorei tanto a escrever. Porque o pai esteve perdido. E se lhes escrevo é porque vaguei bastante desde então. Já se foram sete meses e o pai, vejam, só agora, o pai só agora está criando condição de sair. De soltar, de largar, de cruzar a linha da miséria para de novo e novamente com vocês estar.
Mudei tanto que minha fisionomia os assustaria, não fossem vocês tão espertos. Vocês me olham com ligeira cara de reprovação. Eu me acostumei com seu olhar. Podem me reprovar, o pai também está se reprovando, no gerúndio o pai também se reprova. Ele se condena, não tem peso, mas ele não se permite fazer poça nem sequer lágrima porque a vida tem dessas coisas. Ela tem.
E vocês disso sempre souberam. Na primeira vez que os tive, já foi assim, não foi? Falamos sobre o mundo ao redor, falamos sobre tudo aquilo que ainda não sabíamos, conversamos sobre os amigos do papai que haviam morrido, sobre a fome, sobre o desejo, sobre o fim das coisas, nós, meus filhos, falamos sobre tudo o que pode haver: presença e finitude.
E o tempo passa e vocês em mim reunidos. Eu não sei de mais nada. Mas sei que vocês não me exigem saber. O pai fica chato quando acha saber de alguma coisa. Então sigam comigo, mesmo assim, sigam comigo, mesmo assim, sigam. Eu estou junto e sem vocês eu nem sequer me chego a ser. Eu amo vocês e vocês me fazem ser quem eu sou hoje: e amo ser quem eu sou hoje.
Exceto pela parte que me foi tirada. Um orgulho me inflama, um ódio retinto, nebuloso, sincero. Uma ira perfeita, sem retoque a ser feito, ira tenaz e duradoura que me dobra o rosto e me faz tomar os caminhos mais arriscados e mais plenos de desespero. O papai mudou desde a última vez. Mas mudou para conseguir estar aqui: vivo. Mudou o papai e vocês ainda aqui, meus fiéis, meus contraditórios amigos filhos inimigos
Não tenho medo de vocês. Tenho medo do que faria sem tê-los. Depois de vocês uma necessidade em mim se criou e tudo então ficou mais difícil porque aprendi a não ser sozinho. Minhas escolhas incluem vocês. Seus desejos pervertem o meu e meus desejos, quando sozinhos, logo encontram morada em suas feições.
Que lindo é ser pai de uma tão linda e imensa coleção de francos amigos. Vocês sabem disso, não sabem, meninos? Meninas, vocês sabem, não sabem? O pai só é pai por conta de vocês, meus filhos. O pai só é pai porque um dia se viu na bifurcação única que poderia em um homem acontecer: essa de se perguntar sobre estar vivo ou sobre morrer.
Vivi e sigo vivendo. Meus filhos, o pai hoje é relento todo delicado. Sem segredo, o pai, hoje, é só por conta de vocês. Havia tirado férias, fui sozinho, bati-me em outros corpos, bebi outras coisas e senti o cheiro de outros mundos. Mas agora, voltando, eu percebo: eu nasci para vocês. Nasci para ver o mundo pedindo arrego por conta de sua ousadia. Eu nasci para que o mundo não se esqueça jamais de mim um dia, mas, sobretudo, nasci para desconfiar da confiança, para duvidar do amor, para envergonhar a guerra, para provocar alternância (seja no curso dos astros ou apenas para atrapalhar o fluxo dos veículos em alta velocidade).
O pai aprendeu a desamar e isso tudo é meio que por vossa causa. Obrigado, meus meninos e meninas. Obrigado aos que ainda me olham com olhos virados. O pai compreende sua ira (ela é minha também). Um dia as coisas se acertam e seus futuros irmãos saberão disso melhor que nós todos. Eles saberão me reconhecer mesmo quando agora desfigurado.
É preciso ser muito esperto para sobreviver. E vocês são minha iluminação. Obrigado. Hoje o pai é só a saudade de quando ainda era jovem e tais palavras tomavam menos tempo e pesavam mais leves. Hoje não, hoje nada. Tudo ganhou peso e o peso reside aqui, entre as mãos que me aprisionam no centro vazio dessa casa.
Eu peso porque existo. E existir é isso: pesar, apenas. Alguns instantes me salvam de tudo isso. E vocês, feito imãs no céu de lata preta, vocês são minha provisória respiração enquanto eu não desmancho e desapareço.
Por isso, filhos meus, obrigado. Eu sobrevivo só se vocês vierem comigo, me empurrando, dando-me as mãos e me contando os detalhes do futuro que só vocês sabem ler porque ainda não sei ver o adiante. Vocês olham adiante e eu ainda aqui. É o que hoje eu posso, apesar de tanto amar.
Um beijo quente e daquele jeito, do seu
Pai.
magia
a poeira vai embora e fica
ainda no entanto e talvez
neblina
apodrecem os legumes as
frutas ficam negras e chega
a manhã apressada
para quê?
sobrevive algum silêncio
os papéis, todos, esvoaçam
haveria algum sentido
ou só isso mesmo?
dorme-se com frio
faz-se café ao acordar
um cigarro
treze cigarros
fogo
olhos
arrumadas no pênis amassado
dentro da cueca preta
meu deus,
e o câncer?
que não chega?
como tombar?
agora!
a vida às vezes
dura mais tempo
que o necessário
eu te amo
sim, eu
amo sim
que magia.
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
A Relva
Instantes em que nada
Acontece
Algum tímido vento
Ouço sons, mas tudo distante
E então a noite
Escurecendo a possibilidade
De alguma mão
Me arrasar.
A relva: é possível ser
Mesmo sem ninguém
Ou coisa alguma
Me tocar?
E nenhuma mão.
Ciente de que já fazia dias
Sua pele era apenas verde sozinho
Verdade sem teste
Dormente do que ainda
Não veio.
Foi-se perdendo
O veludo
A graciosidade
Ficou seca
Morreu a vaidade
E, por fim, dormiu.
O sol às vezes amanhece atarefado
Raios sonoros e esquentados
Abriram os olhos dela
Relva sem rumo.
Ela sentiu na pele
O abrupto toque de um tiro
Dado ao longe
Mas nem precisava
Pois sobre a relva pele
Tudo entrava
Tiro feito bala
Tudo a acessava
Até a solidão virar verde exposto
não desespero.
É mais porto do que barco
É mais certeza que convicção
Ela sabe
Sente e por isso sabe
Veio desde sempre
O tempo
Desenhado em raios solares
E sonoros
Passe a mão por mim, ó, tempo
Passe-me suas mãos.
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
outra tentativa
alguma coisa?
logo em seguida tudo seria
esquecido novamente.
no entanto, se preserva
essa demanda extenuante
de se firmar algo
nem que seja a agonia.
pois falemos de agonia
ou de cansaço extremo
de estafa ou de versos
que não cessam
apesar do tempo.
numa noite dessas
alguém pensou em outro
alguém pensou em
outro alguém pensou
em outro alguém
pensou em
de forma que ninguém sabe
quem exatamente pensou
mas o fato é
que se pensou
foi pensada
essa coisa
de conseguir
usar a palavra
para dizer
a que se veio.
mas noite de hoje
não veio ninguém
portanto
acaba-se aqui
tudo acaba aqui
incluindo a pretensão
de alguma lembrança
a nos devolver
alguma coisa
alguma coisa
qualquer uma
qualquer coisa
agoniza.
o todo em cada pedaço
talvez você pense que
já não adianta mais
correr
tentar
fazer
enfim, já não deu
por tanto, tanta coisa
você talvez amanheça
destinado ao dessabor
de caminhar o dia
sem fome
a lhe mover
é claro
eu compreendo
também assim
comigo
certa vez
o foi
mas veja:
em cada soluço
reside inteiro
todo um ato
em cada respiro seu
existe um princípio
um caminho
e seu saldo
veja:
não há motivo para se apavorar
a cada passo que se anda
também um passo é dado
as coisas existem como são
são coisas como fatos
você fez
você esteve
se foi grande ou pequeno
pouco ou demais
não importa
porque antes de tudo
seu gesto foi
se fez
inscreveu-se
para que então
comece outro
e outro mais
até o dia em que decidir
você
cessar tudo
para o nunca
mais.
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
Talvez eu cansaço
FÉRIAS DE JULHO
12 viagens aéreas
1 voo perdido
1 voo cancelado
24 apresentações
de 5 distintas criações
1 apresentação cancelada
4 estados do Brasil
4 cidades diferentes
Pouco turismo
1 estreia no Rio (que ainda não vi)
1 estreia em Belo Horizonte
(que ainda não vi)
1 greve universitária
48 injeções de insulina
Algumas hipoglicemias
Roupa suja
Lavanderia
Reuniões e roteiros
Dramaturgia
Muitos táxis e ônibus
Novos encontros
Reencontros lindos
Abraços e mais abraços
Pilhas de livros e anotações
1 morte (de uma moça radiante)
Muita saudade
Alguma promiscuidade
Músicas novas
Muitas olhadas longas para o céu
Porções de silêncio
Porções extras de risadas
Cafés e cigarros
Confissões
Salada de fruta
2 ou 3 filmes
4 ou 5 peças de teatro
Alguns museus
Check in and out
1 roubo de celular
Aniversários
Acabou o shampoo e o desodorante
Muita cerveja
Pouco vinho
Muita água
1 picolé diet
2 aparadas na barba
1 corte de cabelo
1 crise de choro
48 ou 50 poemas escritos
e publicados
Agosto chegou
E eu de volta ao Rio
Para começar um novo semestre
Cheio de desejo
E repleto de dúvidas
sobre isso
de estar vivo.
Pois confesso:
As nuvens
Quando atravessadas
por tantas vezes
e por tantas asas
Produzem perguntas indevidas
Cujas respostas talvez nunca
Sejam alcançadas.
Sobrevivo em contradição.
sábado, 1 de agosto de 2015
duradouro
perco um dia
narrando o outro
um dia eu perco
registrando
o que naturalmente
será esquecido,
sem pressa
sem exigências
exceto as do íntimo
que quer bailar
sobrevivido
em capturas
inconscientes,
eu hoje te olho
e você de mim
ausente
quer poesia maior
que esta
a do impossível?
encontro um amigo
outro amigo me chama
vou tomar um café
como pizza
sobre o lençol
branco
da cama.
cai uma azeitona preta
a cerveja congelou
eu cansei de fumar
eu amo dormir pelado
solto sob o cobertor
mas é que ganhei pernas
e quânticos braços
posso eu, eu sinto
entrar nos sonhos alheios
passear de bicicleta
trazer amigos antigos
para conversas
na penumbra
de estranhos teatros
eis algum movimento
este, o de se dispersar
apesar de tanta concentração
haveria outra condição?
haveria outra coisa
que não apenas essa
escrever?