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segunda-feira, 15 de abril de 2024

Eu escrevi uma carta

Que talvez possa ser usada no dia em que eu morrer.

E sem espanto. 

Mal tinha nascido e fui sequestrado por uma doença que transformou minha vida que viria.

Agora, já com 30 anos de doença, sinto a inevitável necessidade de me olhar sem paciência. O que foi, o que fui, o que de mim foi feito enquanto tentei viver.

Fato é que desde muito cedo aprendi que não viveria muito. Ninguém me contou, foi aprendizado dado pelo caminho. Disseram-me é mentira, também já me disse isso. Mas se a certeza do meu fim não antecipou minha vida ainda, por certo já adulterou meus sonhos. Pela vida, perdi o encanto de um eterno possível. Sem relutar, aceitei cedo que findaria mais cedo. E sem escândalo.

Minha condição, no entanto, talvez tenha me feito encostar ainda mais na vida. Sem excessivo medo, sem saber o cuidado necessário, fui atento, prudente, até que o fui, mas sobretudo em quase tudo eu fui demasiado: montanha russa nunca temi, arrepio por conta das alturas senti, mas estive ali, nas alturas todas, a sentir o tremor das pernas, a ponderar o que poderia vir.

É curioso agora apresentar esta performance. Agora que minha vista falha. Agora que como nunca antes pensei em morte, em me matar, eu digo, sem escândalo. Você quereria continuar a sua vida caso não pudesse propriamente vivê-la?

Eu não aguentaria a distância das paisagens vistas.

(continua) 
 

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