Pesquisa
quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
quarta-feira, 28 de dezembro de 2022
ao problema, oferecer trabalho
Sim, é sempre mais fácil
Diante de um problema,
Fazer o corte, sair correndo
Por todos os possíveis lados.
É mesmo sempre o mais fácil
Pedir desculpas e tirar-se
Do jogo, pedir desculpas
E enganar-se de que
Não posso fazer mais nada
Não posso fazer coisa alguma
Pois tenho meus limites
Pois não posso resolver tudo
Mas
Às vezes o problema de um problema
É justamente não ter problema algum
Exceto o teu corpo a ansiar por um problema
Sem, no entanto, encontrá-lo
Ofereço ao problema invisível e real
A possibilidade efetiva de ele ser
Duvidado e questionado. Ao problema
Ofereço a duração do inacabado
Continuo
Não vou embora
Não mandarei que vayas
Não sei o que fazer
segunda-feira, 26 de dezembro de 2022
não sei viver junto
a palavra crime não dá nome
aquilo que agora descubro
é que não seria uma derrota
amar minha solidão
peço desculpas, naturalmente
não queria ofendê-lo
mas a minha companhia
por agora
é meu amor maior
quinta-feira, 15 de dezembro de 2022
o dizer
então você me escreve
Matinal
que chegará aqui pelo domingo
De manhã
É cedo agora
Leio sua mensagem
É em mim agora
Que ela mora
Fico todo mexido
penso que preciso lavar
Lençóis, comprar uma espátula
Queria te encher de bolos
mas só sei beijar
Sobra
Na sobra do tempo
escrevo
Nem bem porque preciso
mas porque o tempo
assim
a sobrar
me atrai tanto
no tempo que sobra
atraco-me
Nau sem nada
Não sem náusea
deslizo na sobra
a sombra do meu ser
Se a vida fosse só conquista
eu seria o primeiro ou terceiro
a perder.
no final das contas
é fácil se acostumar com o se acostumar. você afirma que isso é isso e que aquilo é outra coisa. em silêncio, você se diz que talvez isso possa ser aquilo, mas você dorme como um peixe dorme tranquilo na água morna. o hábito é uma poça. seria preciso alguma força para acordar, num dia frio como hoje, e perceber que não, que você não gosta de ficar sozinho. seria uma revolução. seria mesmo. teria sido,
sábado, 10 de dezembro de 2022
Outra primeira vez
Teria sido perceber que o amor
era mesmo algum bem e delicado
estar
Amor era isso, tarde você perceberia
é a tranquilidade do quão gostoso
é estar
contigo, chico
~~
Penso em ti sem a pressa de te escrever
penso em ti com a paz de quem saber
que não será mais sobre ganhar ou perder
penso em ti sem alarmes ou promessas
sou todo calma sou todo pedra
mas penso em ti
e isso me mantem acordado
~~
A coisa mais honesta
Quando já é muito noite
e você apaga as luzes
e as velas
e você fecha a janela
e enfia-se sob
os cobertores
logo em seguida
(e isso já faz muitas noites)
você pensa nele
ali
deitado ao seu lado
e enchendo de calor
esse frio
que vive
ao seu lado
faz muitas noites.
Estreia
Em algum momento
as agendas do mundo
diriam que a sua vida
está prestes a começar.
Talvez num dia ocioso
onde a guerra ainda não
tivesse acordado talvez
entre o dormir e o sonho.
Diriam as agendas que
uma ínfima vida enfim
estaria a brotar tomada
por desejo desconhecido.
Seria essa a sua vida, menino
uma surpresa som de sinos
um estalo estrondoso um
reinício
ainda que a vida seja só continuação
hoje você aguarda a noite de estreia
enquanto dormes
de olhos bem abertos
e cansados
O que poderíamos fazer
para te ajudar?
quinta-feira, 8 de dezembro de 2022
Estigma
E por tanto estigma no mundo
Em mim o estigma encontrou
Terreno para germinar.
Sou a polícia de quem sou,
não consigo me livrar.
Nao digo o nome
Mas a intensidade
Age em mim
imponderável.
É preciso muita vida
Para matar o estigma
Que me mata.
segunda-feira, 21 de novembro de 2022
Saber Perder
E assim esteve entregue
Por sete ou dez dias
Totalmente entregue
Sem ação contrária
Que o fizesse fazer
Outra coisa que não
A única que ele fazia
Nada.
Abriria interesse filosófico e
Existencial, diriam de tratar
De um caso extra normal
E mesmo a fofoca
Num segundo
Perderia a força para virar
Nada.
Das coisas abstratas
O tempo foi seu fiel
Companheiro. Não fez
Cobranças, apenas deixou
Que desassossegasse
Tamanho desassossego.
Das coisas mais assim objetivas
Nem a escova de dentes deu relato.
Os copos sujos. A janela aberta
E fechada e aberta novamente.
Das coisas mais objetivas
A poeira deu o recado.
Reste, homem, nada há
A ser vencido. Entregue-se,
Homem. Quando a tosse acaba
Vem outro vírus, outra dor,
Outros e outros mais martírios.
quinta-feira, 17 de novembro de 2022
Polícia
ao qual você se submeteu?
Pergunto por querer saber
se você consegue perceber
quão horrível é tudo isso
que você faz com você.
Seria preciso ir aos inícios
começar te perguntando dos gestos
menores e mais ínfimos
você os percebe?
Há uma polícia dentro de ti
a vigiar e punir os seus gestos
Há uma polícia dentro de ti
e para quê?
Para quem?
Por quem?
Cada passo
cada respiração sem sobressalto
cada gracejo
pronto
é tudo condenado
e condenado
e inquirido
e diminuído
desvalorizado
Para quê?
Para quem?
Por quem?
terça-feira, 15 de novembro de 2022
Deveria
Por um segundo
Que fosse por cansaço
Olhar para si mesmo
A ponto de perceber
Que não, que você não
Deveria fazer nada
De outro jeito.
Por hoje, por favor, aceite
É tão somente o que tem sido
Essa fraqueza, essa quase covardia
Moral, esse querer pouco, querer
Se possível
Apenas continuar vivo junto
Aos tempos.
Sem grandes anseios
Quando vês, a vida foi isso
Nem guerras, nem batalhas,
A vida foi indo e nela
Você foi embarcado
Sem dever algum exceto
Continuar.
As biografias, os grandes feitos,
Os pequenos, mesmo os pequenos,
Tudo seria tão sem nexo,
Tão sem terra e tão sem vento
Então por que sofrer?
Viver teria sido cruzar
Segundos como quem respira
Fora dos eventos.
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
Tanto tanto
Testar a vista
A capacidade dos olhos
De ver dentro
Da superfície
Sem procura
Apenas mirar
Como se incerto
Atirasse sem matar
Amplidão exaustiva
Terreno hibernante
Formigas que brincam
Silêncio que canta hoje
(mais que antes)
Você estava ali
Na busca desenganada
Nada a querer, nada nada
Ali estava você
Ciente de que o si é sempre oco
Ciente de que a busca seria sempre jogo
Oco jogo provisório agora é tarde
Já és outro
Outro
Outro
e outro
Instabilidade
Constava a importância
De não se apegar
Às seguranças
Ela dizia que as seguranças
Aprisionam o ser as seguranças
São invariáveis e um ser
Um ser humano
Precisa da mudança.
Diria, portanto, a mais urgente
Te peço que não esqueça
Que a mudança é processo
Não um presente
Ela toma tempo até que o corpo
Tome a si mesmo
E pegando a si mesmo
Em seu próprio colo
O corpo se diria
Esse par de fios de cabelos
Está a ficar um pouco mais
Branco branco branco.
Nao te peço que se acostume
Com coisa alguma, não isso,
Antes te peço que perceba
Que todo esse susto que vives
Se chama apenas vida a vida
Ela também gosta de mudar
domingo, 13 de novembro de 2022
de ti nada
o tempo passado me fez conhecê-lo
de ti hoje já nada espero
não mesmo
tem lá suas coisas lindas
devem ser devem ser não sei
mas você não me engana
de ti espero a fala que brilhante
seca a possibilidade
dos inícios
você mata tudo com teu sorriso
nem falo em revolta ou revolução
por ti tudo no mesmo daria
de ti nada espero porque já não quero
a sua companhia prefiro a chuva
que me tranca aqui dentro
bem ao seu ladinho
só nós dois agora
você o insuportável
e eu como que aquele outro
que gostaria de não ter te
sido
quinta-feira, 3 de novembro de 2022
Rotula
Meio fora do lugar
Desvio da mente
Às pernas a tarefa
De fazer diferente
Somática, sim?
O corpo não quer essa ordem
Ela escapa, ele desvia
O corpo é minha sorte
Mas não direi dos efeitos
Não trouxe parafernalha
Digo o que escrevo
Porque me falta fazer mais nada
Mais nada.
quinta-feira, 27 de outubro de 2022
e a perna vai
honestamente 64
ainda assim as pernas
iam e foram
sobre mim
o peso sustentável
de uma leveza despropositada
abri as pernas
como quem fosse elástico
as dores as cãibras tudo isso
ali foi passado
pernas alegres
abertas em ato
pensava sobre não saber o que trazem as peles
pensava sobre um mundo onde todos fossem de si desconhecidos
pensava se eu saberia dizer qual era o meu hino
pernas abertas
não lembrei de deus
mas de dar
dar com a calma no muro
impedi-la de vazar
retendo o instante
não para fazê-lo durar
mas para premê-lo
entre pernas
e só assim
bem suados
gozar
quarta-feira, 26 de outubro de 2022
onde escreves
onde pousam os poemas
eles ocupam espaço tomam tudo
pousam por certo decolam
poema por quase todos os lados
ser menos gente
ser menos coisa
mas ser poema
coisa meio gente meio outra coisa que jamais saberei como nomear
o poema pousa e faz festa
se não sei ainda como ser poema
que ao menos eu saiba como fazer festa
quarta-feira, 19 de outubro de 2022
35 (trinta e cinco)
não houve comemoração
mas bem que pensei
sobre o que segue
sendo
estar vivo
nunca antes tão
sem contorno
a filosofia, enfim,
pousaria sobre
mim
sou todo sem ser inteiro
nasço renascido
em cada encontro
me desfaço
me entrevejo
e já não sou ontem
já não serei amanhã
a duração
instante
é o refrão maior
comemorar a inércia
a rigidez
comemorar certezas?
não não não mesmo
isso não
comemoro seguir vindo
e indo e vivente
comemoro os momentâneos
chãos
e tetos
os beijos comemoro
as barbas todas
as babas que saltam de ti
e afogam-se
em minhas bocas
comemoro o sexo
o frio a solidão implacável
comemoro a vontade de comer
comida
e a possibilidade de tê-la sobre o prato
comemoro em especial
este punhado de barbas prateadas
que perfuram o semblante negro
e fazem festa
festa platinada
eis onde estou
eis quem 'tou sendo
eis o que há
eis este tempo
...
s l i d e
sonolência
c h u v a lenta lenta
atraso institucionalizado
não faz mal não faz mal
sente-se
o café outro
o farelo voador
seu olhar sisudo
a perguntar
sem palavras
se isso é amor
é amor?
é amor
a cidade aproxima
os amantes
vagam perdidos
encontram-se
aos rompantes
agora
c h u v a firme firme
pesadas gotas
nem fim
nem triste
haveria sim, haveria
no frio é mais gostosinho
quarta-feira, 5 de outubro de 2022
celebrare
não celebras o aniversário
com a idade ele acabou
por perder a graça
nem sequer celebras
aquela vitória as vitórias
são mesmo ingratas
celebras a tremedeira
daqueles segundos
que ousaram-se em
minuto
não é por tanto
nem por pouco
é por isso
isso mesmo isso
aquela passagem
aquele vento que invade
a casa e a varre
celebras o fato de que mesmo morrendo
continuas vivo
celebras o queijo e o vinho
celebras a possibilidade
do singular e do plural
celebras os vocativos
todos que te chamam
cada qual tinha um nome
celebro-vos
a roupa está lavada
a louça semi-suja
a vida cansada
celebro esta cama que me olha
e me chama esta cama
que me ama
ela me ama.
terça-feira, 27 de setembro de 2022
Toldos Capotas Encerados
Ao meu lado,
Ela dorme como se
Morta estivesse.
Ao meu lado outro,
Sempre tudo é tão
Diferente.
Saliva no lábio inferior,
Deserto como o
Deserto.
O amor, agora, para mim
É saber que daqui a pouco
Estarás por perto.
Não tenho fome, juro,
Não lhe exijo
Coisa alguma.
Há algo na confiança
Que me seduz e me
Multiplica.
Tarde eu cobriria o céu
Com um toldo todo
Lilás.
Colocaria uma placa de luzes
Amarelas dizendo venham aqui
Aqui tem mais.
O segredo do futuro
É que ele sabe esperar
Pelo esquecimento.
À frente há estrada
Atrás de mim já não vejo
Eu não vejo.
O sol na pele grudado
Drenando o óleo de
Lorenzo.
A sorte da vida é não ser a mesma.
Por que, então, você insiste em ser
Apenas passiva e não ativa inativa
Institiva e meliflua?
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Preciso de ti
Porque é na hora mais escura
Que o clarão estronda
E eu fico a procura
Da voz que já não porto.
Preciso de ti como um louco
Precisa da realidade para
Discernir se continua ou
Continua inda mais.
Porque se agora lacrimoso
Só quem respira embaixo
Do sufoco é mesmo tu
Sem nome nem imagem.
Eu preciso de ti porque
Exceto você ninguém mais
Sabe o medo que me estrangula
Ao contrário.
Nao te peço muito ou pouco
Peço-te o justo que me preserve
Na aventura deste mundo
Sem heroísmos e afins.
Se o suicídio não compensa
Eis a hora, coração,
Diga-me para onde
Como ir.
senso
Perdi até mesmo
O senso de uma
Brincadeira
Se me pedes
Que eu imagine
Algo de bom
Para mim
Não consigo
Não consigo
Se me dizes
É mentira diga
Uma mentira
Boa para ti
Não consigo
Não consigo
O bom para mim
É oceano longínquo
O bom é para mim
É só para os outros.
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
músculos
Antes pensava sobre o sol
Quando à noite, por fim,
Viu-se em paz com o ar
Aquele vento lento
Raro
Ao seu lado.
Respirou profundamente.
Observou que nada a sustentava
Além daquela cadeira
Meio desconfortável
Nada além da cadeira
Nem vinho
Nem cigarro.
Fechou os olhos.
Antes pensava que chegaria
Haveria de chegar o momento
Instantâneo
Em que o pavor
se apaziguaria
Mas agora
É noite
Ela sem suporte
Exceto si mesma
Si mesma
(naquela cadeira)
Era isso, não?
Estalou os beiços provisoriamente satisfeita.
É isso, não?
domingo, 11 de setembro de 2022
O problema do poema
Falamos da falta de viço
do desejo perdido
do fim dos destinos
falamos muito
apesar de em versos
tão sucintos
Dissemos sobre vida
e morte mesmo sem
nomeá-las, falamos
disso que corre entre nós
da vigília e da espreita
das madrugadas
Depois de tudo isso dito
você me escreveu preocupado
comigo ora preocupado comigo
não entendo como pode
o problema estar a mim
resumido
O problema do poema
é que o problema dele
não é dele mas desse
mundinho
nem só meu não não
o problema do poema
diz dessa capacidade
que ele tem de coroar
os esquecidos
Não se preocupe comigo
por favor mesmo com duras
palavras eu sobrevivo
o problema do poema
é que quando você o lê
você pensa no autor
e não no além disso
e não no além disso
sábado, 10 de setembro de 2022
outside
Em voz baixa
Chamo pela voz
perdida
Faz anos
Não encontro em mim
a ânsia de algum
Desejo
Resvalo
Cansado
Desisto
Convicto
Se queres estar longe
Desejo
O que posso?
Inoperante
Quase sem esperanças
Chega um tempo
Em que a vida é isso mesmo
Hoje não
Amanhã não também
No sono que desvê destinos
Embarco sem grandes
Projetos
Sou esboço mais quieto
Que sonoro sou resíduo
Bem assim me conforto
Os astros
Dançam o universo
Haverá de chegar o instante
Em que as flechas agiriam
Seus gestos
Já chegou?
Está longe está perto?
Sou todo ouvidos
Falo em voz baixa
Não anseio por aquilo
Que o mundo não me faz
segunda-feira, 22 de agosto de 2022
segunda-feira, 1 de agosto de 2022
Lucração
E com que perspicácia
conseguiram os eles
modelar o isto
o Isto
o Isto
Com que audácia
os eles conseguiram
usar tudo isto
tudo Isto
Isto mesmo
tudo.
Caminho sôfrego
cansado
sem pulso já sem faro
só vou como se nem a morte
pudesse me salvar disso aqui.
Que horror foi a humanidade
que os eles fizeram existir
que horror
que horror tudo isso
isso
isso
isso
que não deseja
nada exceto
o lucro
domingo, 31 de julho de 2022
Decanto
Sem lhe dar a devida atenção
Ainda assim te observo
O tempo que passa por mim
Passando por ti te atropela
Tão impune quanto a tua força
É teu cansaço, meu caro
Sumindo você vai
Num indo até murchar
De tamanho de nome
Você já não é mais o mesmo
Se te chamo devo te chamar
Pelo nome de sempre?
Não te chamo, apenas deixo
Que você sinta o que é ser
Reduzido ao que o tempo
Fez de ti
Que você encontre
Outro corpo para se divertir
Ou não
Ou não
Não mesmo.
quinta-feira, 9 de junho de 2022
Do medo
Sua presença faz-me tremer
Entre desistir e tentar continuar
Durmo repleto e acordo
Atrasado de mim
No andar do dia
Enquanto outros falam
Balanço a cabeça e em silêncio
Pergunto-me se é chegada a hora
À noite, já deitado
Lá estamos nós
Eu e o medo
Ele sempre ao meu lado
sexta-feira, 20 de maio de 2022
quarta-feira, 27 de abril de 2022
Dar nome
Não deixarei de fazê-lo.
Se digo que o suicídio anda
em mim andando
É porque já nos conhecemos.
Sem espanto, à noite, deitado
Peço a ele que saia
Peço ao suicídio, por favor
Não durma ao meu lado.
Sua existência não me assusta
Antes me incomoda sua insistência
Desocupado, entrevejo sua face
Sempre que me fogem os sentidos.
E não posso ficar breve e perdido?
Ele me olha com seus mil olhos
E sonolento me diz que a brevidade
Não dura tantas horas assim, meu querido.
Ergo-me buscando a força para um novo dia
Ele continua deitado à cama
O suicídio me desautoriza
Eu passo o café, tenho apenas uma caneca
Nada lhe ofereço exceto minha atenção:
Olho bem seus olhos (são como os meus)
E, enfim, percebo: o suicídio assim tão perto
Só está em mim porque em mim já não vivem
Desejos.
No meio da cidade
Caminho até parar
Sobre um banco me sento
A cidade que me perdoe
Mas foi preciso parar.
Andar por andar andei bastante
Parar com convicção, no entanto
E no meio da cidade,
É coisa deste instante.
Nem tanto para observar
Nem bem para descansar
Para no meio da cidade para
dar ao corpo a possibilidade do parar.
Pois quantos movimentos já não acontecem
A despeito do se movimentar?
Quantas ações, quantos gestos,
já não acontecem sem acontecer?
Parado no meio impreciso desta cidade
Não espero nem procuro, apenas duro
Sem desejo algum sem volúpia
Sou menos que a paisagem
No entanto
Já não há exigências
Existo tranquilo como a pomba
A cinza, o ladrilho, como a tarde.
segunda-feira, 25 de abril de 2022
domingo, 24 de abril de 2022
plano 5
Sim, de fato, será preciso perseguir algo que me interesse. Escrevi isso faz algumas horas e segui atento ao que disse sem compreender: encontrar algo que me interesse. Veja: se estou aqui, se me considero vivo, mas não encontro algo que me desperta o interesse, o que está acontecendo?
Creio que não ter interessem em algo ou alguma coisa é a manifestação maior daquela famosa morte: a morte em vida. O que te interessa? Honestamente, o que te interessa? O que te dá vontade de?
Perseguir aquilo que me interessa, ainda que não saiba o que possa ser.
plano 4
Seguimos acumulando intenções e intuições. Gosto da repetição e da diferença em especial porque me traria duração ao processo criativo, eu que sou tão apressadinho.
Acrescento outro aspecto bastante sério que já tinha sido esboçado num dos planos: encontrar algo que me alegre, que componha corpo junto com o meu, alegria mesmo, ação e paixão alegres. Como posso me livrar do ranço do julgamento? O que foi colocado entre aquilo que vejo e como vejo? Por que pareço - a mim mesmo - tão resmungativo e insatisfeito?
Em outras palavras: como reaprender a se interessar pelo outro? Seja o outro um poema, um filme, um dilema?
plano 3
Repetição e diferença. O corretor sugeriu repetição e dificuldade. Parece-me que faz algum sentido que no próximo mês, maio, eu possa escrever e publicar os poemas e seguir reescrevendo-os até sentir-me satisfeito, até entender o que significa sentir-se satisfeito.
Assim, o poema escrito é escrito e postado. Dia seguinte, é mexido, alterado, postado. É o mesmo poema? O que a repetição pode ensinar e provocar? Ficar no mesmo apura o poema, cansa-o? Repetir o poema tal como postado no dia anterior e continuar nele e com ele, em busca (do quê?).
Tudo isso é uma ideia? Seria um problema caso fosse? É um plano? Um plano. Mais um.
sábado, 23 de abril de 2022
plano 2
Suspeito que eu possa celebrar o que há de bom em minha vida. Não sei fazer isso. Talvez pudesse ser uma tarefa gigante.
Agora estou semi naufragado na banheira do meu banheiro. Faz mais de dois meses que vivo aqui e só agora me disponho a isso.
O calor vai evaporando enquanto escuto músicas e desço vinho.
Será que o fato de a poesia que eu escrevo ter ficado tão triste e severamente crítica tem a ver com a minha inabilidade para celebrar alguma alegria?
O que pode o poema desandar na/da vida?
sexta-feira, 22 de abril de 2022
plano 1
Fazer outro uso deste blog e do que aqui escrevo. Por um mês, maio, outro tipo de uso, outro tipo de experimentação. Qual? Não faço ideia. Mas sinto, sinto que é o momento de colocar o poema noutra posição.
O que sirvo ao poema?
O que o poema serve a mim?
Por que tenho me sentido tão próximo à palavra poema?
Daí um outro e novo plano, não se trata de ideias ou idealizações, mas de planos de ataque.
Atacar o quê? A si mesmo.
Atacar o hábito que se tornou escrever poesia. Revigorar, tentar, revigorar os ímpetos, os modos, os propósitos.
Seguir buscando aqui o que possa ser esse próximo mês.
quarta-feira, 20 de abril de 2022
Soleira
Deixo o poema na soleira da porta
Depois dela, já no sono
ou sonho
O que poderia um verso?
Confio na viagem vindoura
de mim só mesmo o cuidado
Vá, poema, vá, e aproveite
Ele me olha, de costas para a porta
Não sabe se entra ou
retorna
Eu lhe digo que vá
Que depois que vamos
Há muito mais, há mais ainda
Ele não parece convencido
O poema me olha
Na soleira da porta
O poema está sozinho
terça-feira, 19 de abril de 2022
Expurgo
Trabalho o poema desde cedo
Decanto o tormento pela manhã
Almoço em silêncio e sozinho
À tarde, desato as rimas burguesas
À noite é noite finjo ter sono
e te esqueço
Mas é na madrugada mesmo
Em que moldo à luz dos meus desejos
Amanheço cedo o poema trabalha em mim
Canto atormentado pela casa
Como silêncios e mesmo o sol pequenino
Tarde e noite, junto tudo
Burguês que sou, ronco sem dormir
não me esqueço
Um dia um de nós se vingaria
Assim suspeitamos
--
Há dias o poema
Outro que não sabemos.
segunda-feira, 18 de abril de 2022
Eu queria namorar você
Sobre a cama
despidos e abraçados
com um que de esperança
e um tanto descompromissado
Disse-me tu, ontem
Eu queria namorar você
Hoje, felizmente, nos reencontraremos
para continuar a conversa
Sobre o que possa ser
isso de namorar
Para mim, sem dúvida, para você
O que possa
O que pode
O que gostaríamos que
pudesse ser?
Condicionador
Pensava a caneta sobre o papel
que a recebia
Pensava sobre a extensão e a contenção
sobre como um papel é pequeno
ante a palavraria
Pensava o risco e o traço
nos plurais que ali não couberam
no singular futuro
limpo
mas analgésico
Pensava se ao continuar escrevendo
o mundo se abriria feito papiro
Pensava tanto que percebeu no pensamento
o melhor papel-livro
sem limites
sem contornos
sem início nem meio
o pensamento como fim primeiro
e último
domingo, 17 de abril de 2022
How does it feel
Agora compreendo. É visível. E tátil. Um ranço, sem dúvida, um desejo grandioso de esquecer. Sabemos não ter escolha, algo foi imposto. A irredutibilidade da vida, talvez, como preferir. Ainda assim é um assalto, uma rudeza sem fim, causa em mim um grito que, no entanto, continua crescendo entalado. Entre as talas dessa garganta, um dia direi pequeno e com cuidado: meus amigos, meus amigos, vocês talvez não percebam, mas me machucaram. Vocês, meus amigos, me machucaram.
sexta-feira, 15 de abril de 2022
modo brócolis de ser
É como tenho sido. A carne na boca ou tombando o precipício, para mim, tanto faz. Se branca ou vermelha, talvez rosa fosse melhor. Não tem o bacon, para mim tudo bem, tudo bem, calma, tenho gordura armazenada nessa birriga. Pode ser, tudo bem, com presunto, fiambre, só queijo, queso, isso, isso mesmo. Sem gritaria. Pode ser que nessa leveza toda, sendo quase uma rúcula, pode ser que você por fim pare de comer o vermelho das carnes. Pode ser, mas sem cobrança, sem pressas, sem alarmes, alardes, sem isso, sem aquilo, na leveza, modo brócolis de ser. Com calma, pode até ser que eu aceite esse tipo de nominho, nomizinho, eita: Flexitariano. E direi assim, ali naquela esquina: Sou Flexitariano e você?
quinta-feira, 14 de abril de 2022
Deixa
IRRESPONSABILIDADE PRIMEIRA
Deixar que elas convoquem outras conhecidas sem a sua prévia autorização.
IRRESPONSABILIDADE SEGUNDA
Permitir que elas se divirtam entre si e formulem frases. Um perigo, deveras um perigo.
IRRESPONSABILIDADE TERCEIRA
Por força de algum hábito (?), deixar que elas concluam um parágrafo. Os parágrafos, ah, os parágrafos: eles se fazem delas, malditas, elas: as palavras.
Aquelas palavras antes de dormir
Caríssimo -
Sabemos o quanto és um homem inteligente. Dizem que você leu bastante. Leu de um tudo, me disseram. Disseram-me também que ao me aproximasse de ti, atenção, disseram-me que eu tomasse cuidado com os conceitos. Nem sei o que é isso, mas disseram-me assim: ele fala por conceitos. Ele fala só conceitos. Ele fala sozinho e através de conceitos, com conceitos, quem ou o que quer que eles (os conceitos) sejam. Pois bem. Cá estou: na beirada da tua insônia. Cá estou para te perguntar: o que são os conceitos que parecem ser tão importantes a você? Tem como dar um exemplo? Explicar seria demais?
Imagino um homem que teve as condições. Elas não são coisa dada. É preciso ter as condições. As condições para ler as palavras, para tramar com palavras um punhado de outros sentidos. Imagino um homem assim, com pressa, como você, um homem com condições e que leu bastante, disseram-me, eu não sei se procede. O que me importa é apenas essa imaginação (eu mesmo sou um homem que não sabe conceitos, mas imagina que é uma beleza, não sei se serve, mas imaginar é comigo mesmo). Dito isto, penso: a que distância da vida os conceitos te colocaram? Eles participam? Jantam contigo? Quando você tem uma relação sexual com alguém, os conceitos deitam-se contigo?
Disseram-me coisas, é verdade. E para além das verdades e das falsidades, mesmo, para além de todo esse trê-lê-lê, queria apenas lhe dizer essas palavrinhas antes de dormir. Queria te dizer que de nada adianta a filosofia quando ela te põe tão ausente de si. Do que serve uma coisa se eu não posso colocá-la entre os dentes? Quando sinto-me confuso, eu, um homem todo dado às imaginações, eu apenas calo a boca e está pronto, resolvido, é a vida.
E você, meu caro, caríssimo, e o senhor? Quando cessa o ar do verbo, quando a boca seca e decreta seca, o que o senhor faz?
Adiante, diga o que você diria.
Você dirá de qualquer modo. Você dirá algo. Apenas diga o que você diria.
Vamos lá. Eu te aguardo.
Boa noite,
segunda-feira, 11 de abril de 2022
Propensa
A farpa angular
Que desafia a tortura
Do seu nariz.
A superfície lisa
é cheirosa e te lembra
O porquê de não ser feliz.
A vida lá fora parece maior
e tem pressa em te provar
o quanto foste perdedora.
Troncuda, truncada, sonora
SEUS beiços estalam
Deus intervirá.
Você dá dois passos
e se diz secretamente que
só usas Deus para bater nos outros.
Esse é o seu mantra
A tua oração
Pretensiosa que és
Nem mesmo assumir-se homem
Nem mesmo isso
Nojento.
do pânico ao ultraje,
antes a perdição te colocava triste
Cabisbaixo
o mundo sem linha nem horizonte
Você todo chateado
Agora é estranho
a morte o fim algum findar
te chega e você é esse orgulho
Essa soberba
Essa cara afrontosa como se pudesse
Sinceramente, não te entendo
Não te entendo
Faz-se de vítima
Faz-se de vilão
Só não consegue mesmo é ser gente
Um tremor, dois, talvez mais
A fidelidade do espelho então seria questionada. Nem toda a luz nele se conservaria. A escuridão também em ti se destacaria. Ver a si mesmo não é só alegria.
Às vezes, acorda-se sem pressão. Nem é preciso se ser, basta ir até a cozinha, esquentar a água e fazer o café. Mesmo no café, goela adentro, mesmo nos pequenos e cotidianos gestos, nem aí sería preciso ser alguém. Mas se por acaso viesse um tal espelho, pronto, a possibilidade de estar livro enfim se perderia. Ver-se num espelho é a estrada mais curta para aquela mesma ladainha.
Em mim, sobre mim, eu, eu, latindo, eu, eu, sem rumo nem hinos, mas indo, sempre indo e querendo e lutando e bradando e rangido e tremendo. Tremendo. Você sem você é tão mais bonito.
Acendo outra vela. Quantos minutos ela vive? Estar apagada é já ter morrido? Sendo resto, você, não é nada além do resto desprezível?
a distância
do pano à chama. A que distância nasceria o fogo? Algum incêndio, uma tragédia inflamada, viria se eu pedisse a ela que viesse? O inusitado é o desejo que ainda estranho, absolutamente estranho, é por certo anseado. O choro de um que vira coro sonoro e orquestrado. A chama da vela decorativa que devora o íntimo da casa e faz explosões sonoras. O fim, sua iminência, seria então parte do quê? Ora, da sua vida. Você se observa, perplexo com aquela descoberta, esta: aquilo que sentes não é teu, mas de meio mundo.
sexta-feira, 8 de abril de 2022
A sua presença
Começa dentro de mim. No seu sorriso, escorregão, já estou afundado. Sem força, intencional, fico jogado. Como um perdedor convicto, quero perder a vida quase inteiro nisso de te amar. Não me importa se se importam. Importa o isto que sua mão me traz. Importa o siso que me implantas sempre que me mordes e mais. Importa que sorrias. Entre os entres das noites, importa que reste fôlego para as risadas e risarias. Começa dentro de mim, essa espécie de paixão com medo, paixão gripada, paixão de quem por muito tempo não soube o que poderia ser isso. Isso de se aprontar para te receber. Isso de se olhar no espelho e falar a si mesmo, sim, é isso mesmo, hoje você está a serviço de si e de alguém mais. Começa dentro esse negócio que é o momento, o momento. E depois tu nem falas Oi, nem boa noite tu pronuncias. É que queres tanto a minha boca que o tempo do tempo é atropelado e resta a gente, os dois, já sem cuequinhas. Começa dentro. Mas acontece mesmo aqui: sobre este peito, planície arrasada, terreno provisoriamente ocupado, terreno provavelmente convicto de ser baldio.
balance
Se tudo uma zona
Disseram que o amor
Nos salvaria
Chego a pensar
Se acidento a vida
Atrás desse equilíbrio
Quebro uma perna
Pego uma infecção generalizada
Menos você
Pego tudo
Bicicleta em dia chuvoso
Menos você
Disseram
Do amor
Uma zona
Soltura
Haveria alguma importância nisso. Naquele instante, porém, ele nada via. Não porque tivesse a vista embaçada, não porque não quisesse ver, mas somente porque seu corpo estava ocupado com outras garras. Garras. Ganchos. Sentía um empuxo, uma puxada. Palavras estranhas. O que sentia era mesmo aquilo, algo fundo e indo, algo abrupto mas lento, e sempre dentro, dentro, bem no dentro onde ele não tinha vista capaz de enxergar coisa alguma exceto um breve lamento. E repetia a si mesmo. Lamentava. Lamentava. Estava chato. Sabia disso. Isso ele em si enxergava. Chato como quem tinha colado à vista um pouco ou quase nada de nada. Haveria importância aquele momento ali ainda tão distante. Quando ele pudesse se desprender da lamentável lamentação de si mesmo, aí sim, aí se sentiria mais solto e na soltura que lhe viesse viriam também outras paisagens.
quarta-feira, 6 de abril de 2022
Provisão
E em tantos meses
a conta desse ano
há de fechar:
terei vivido mais tempo
entre palavras do que
entre humanos.
Do pavor
Era como se estivesse fazendo um passeio, algo assim um tanto provisório, algo assim que acabaria ali, logo ali no depois daquela terceira ou quarta esquina. O estremecimento das pernas, a fadiga interna, tudo isso ele aguentava, ele aguentaria. O sol mesmo constante soava ainda frio. Era como se as coisas, a natureza mesmo, ele, sobretudo, era como se as coisas não tivessem chegado ainda. Perguntava-se: o que está faltando? Que horas será a hora do chegar? E permanecia mudo, entreolhando a vida do lado de fora da janela. Tentava afugentar os pensamentos. Não porque não eram bons, não porque pareciam prenúncios de algum profundo desassossego, nem por isso. Tentava afugentar de si os pensamentos porque não queria acreditar nem aceitar, não queria compreender que não, não se tratava mesmo de um passeio. Era a vida. Era o todo da vida até ali. Era a vida que o tinha levado até aquele ponto. Não havia nada exceto a vida acontecendo e, no entanto, não ousava falar, mas, no entanto, e esse pavor imenso? E esse medo imenso de ser diferente? De ousar e arriscar? E esse pavor imenso que te toma secretamente? Esse pavor imenso que parece tempero e vai se espalhando por entre a comida, a água, o banho, a barba, e esse pavor imenso que está no ar, que dorme ao seu lado, e esse pavor imenso? Não respondia. Talvez porque se o encarasse: se encarasse a si mesmo, se encarasse o tal pavor imenso, talvez se encarasse a própria vida, se a disputasse como quem brada, como quem briga, talvez aí, assim, talvez, perceberia que estava tudo certo. Que tudo certo estaria. Mas não. Ele não era esse homem ainda. Ele não era esse homem. A este homem, vendo a vida lá fora acontecendo, os medos lhe davam corpo e liga. É com os medos que ele ficava. É com os medos que eu fico. Que então tenha consciência disso. Alguém lhe diz. O quê? Ele olha aos lados, não sabe quem o disse isso que acabo de lhe dizer: que tenha, ao menos, consciência de que você prefere viver entre os medos. Para que ao sofrer do pavor, desse tal pavor imenso, saiba: é tudo porque assim você quer. É tudo porque bem queres desse jeito.
eu acho que poderíamos
mesmo mesmo
você me olha meio em dúvida
meio certo do que já fizemos
eu digo honesto
digo que acho mesmo
mesmo mesmo
e sorrio
envergonhado
te olhar assim
pelado sobre a minha cama
é um desassossego
mesmo
mesmo mesmo
você me olha sedento
eu penso será que mereço?
merece mesmo
você me diz
você já sabe
que eu me puno
por cada grama de alegria
que a mim é ofertada
mesmo o beijo
beijo beijo
mesmo o beijo
o beijo
eu o beijo
eu beijo-o
te beijo
mesmo mesmo
o cuidados dos inícios
é bonita e delicada
a enrolação toda que fazemos
quando tudo o que queremos
dizer
é mesmo
e tão somente
ei, ei,
quero estar contigo
eu quero estar contigo
sábado, 2 de abril de 2022
Mensagem apagada
É engraçado, mãe. Você me cobra porque eu fico calado, porque eu não mando mensagens, me cobra sempre por eu não compartilhar a minha vida com você.
Mas agora eu percebi. Eu talvez não fale tanto assim com você por causa disso. Você parece que não me respeita, não respeita o meu jeito de ser, o meu tom, o meu modo de falar, o meu tempo. Parece sempre que eu deveria ser diferente de quem eu sou. Você tem um trato rude comigo, de cobrança, um jeito grosseiro mesmo. Não sabe conversar com calma, me ofende.
A propósito, mãe: nos últimos anos, o tipo de texto que você mais me envia é: Mensagem apagada. O que isso significa? Que eu deveria ficar pensando que você gostaria de dizer coisas, mas achou melhor não dizer. Que - ainda bem - você pensou melhor e decidiu apagar as grandes verdades que pensa e que teria escrito e enviado para mim? Eu deveria ficar preocupado e curioso com o que você teria dito mas não disse?
Percebe?
Eu não sei viver em guerra, mãe. Não gosto. A simples troca de mensagens com você deixa o meu dia triste. Aqui são 15h e eu vou ficar o dia inteiro pensando nisso, me perguntando porque a minha mãe está sempre insatisfeita, por qual motivo ela me enche de mensagens cheias de coração, bom dia, boa tarde, Jesus isso e aquilo, para depois, subitamente, ser rude?
"Não estou mendigando nada." Você escreveu.
Uau. Que jeito de falar.
Eu te pergunto: como é que eu vou conversar com alguém que me provoca tudo isso?
Prefiro ficar em silêncio. Prefiro ficar na minha. Viver a minha vida e ter relações com pessoas que realmente me respeitem.
quinta-feira, 31 de março de 2022
Dispêndio
Quando te pergunto do que valeu
Nem quero saber se algo você aprendeu
Não me interesso pelos sucessos e fracassos
Eu quero mesmo é saber se você voltou
Voltaste até aquele poema?
Ou o tempo ficou corrido
Não dei conta disso e daquilo
Ou as coisas acabaram ficando estranhas
E então?
Voltaste ao poema?
Leu de novo aquele furor
Daquele dia
Aquela maldita rima
Você voltou àquela estrofe
Você encarou de frente
Aquela afasia?
Quando passa um mês um ano
Quando se concluem os planos
Penso sempre em te perguntar
Você voltou ao poema ou só
O que tu fez foi celebrar?
Bebeu bastante?
Dançou enlouquecido?
E não leu o poema?
Não voltaste ao que tinha escrito?
Não posso ser mais direto
Mais franco seria impossível
Você voltou ao poema ou não?
Diga sim ou diga não
E a tarde tomba
A escuridão é de tremer as pernas
O futuro veio antes
E sofrendo as intempestividades
Morrerás unicamente
Por não ter lido
Aquela merda daquele maldito poema
Que já te dizia, lá no começo,
Para não ir adiante.
segunda-feira, 28 de março de 2022
Aos olhos dos outros
És mesmo muito prestativo
Coloca-se em segundo lugar
Para ajudar todos os outros
Sim, de fato, é comovente
És muito prestativo
Mas agora
Quando já não há outro
Que te veja
Agora eu te vejo
E percebo o quanto
A sua dedicação é proporcional ao seu gozo
Soas agradável
Soas dedicado
Soas tão maduro
Tão adulto
Descolado
Mas olhando de perto
Perdes a graça e soas
A mim
Um curioso babaca
Um babaquinha
Por fim, enfim, tu és
A vã tentativa de fingir
A si mesmo que não és
Assim
Tanto egoísta
Mas saiba
Longe dos outros
Sob o seu orgulho
Te acho mais simples
Do que aparentas
E nem te peço que mude
Pediria, se possível,
Que ao menos percebesse
Que ser babaca faz parte
Ser babaca faz parte
Só não me peça aplausos.
domingo, 27 de março de 2022
arrastão
Arrasto 9 dedo e pés assim @coisa se escreve basta arrastrar e pronto a coisa está escrita eu tento não errar mas é difícil ei escorrido o dedo sobre essas letras e procuro a palavra mais próxima e até que funciona é preciso conhecer a ordem das letras no teclado massivos mas funciona d fungicida funciona mesmo é como tudo uma questão de costumar
que fuerte
que força tem o pensamento dessa cabeça que força olha vou te dizer coisa assim não conhecia só por si só ela se agiganta e come tudo e só avança e se tu pensas que era só um pensamento esquece ele já está imenso e toma corpo invade avenida a sua cabeça se dizendo não era nada nem para tanto só que já foi já está dado o sino tocou a fita cortada não terá volta aquilo que pensas tão logo é pensado já te surge e com asas,,
Que tristeza o poderio de paixões tão tristes.
Hoje você perdeu novamente.
Amanhã tentamos outra vez.
sábado, 26 de março de 2022
DÍA
Através da tua pressa, entreouço um resto para ser vivido. Nem muito nem tão pouco, indo além da sua angústia, eu celebro esse sacrifício. Por ter ficado ali, onde não querias. Por ter conjugado de modo tão agudo, o verbo que te deu azia. Respeito a indecisão, celebro vossa ignorância. O seu poema, de um jeito ou de outro, ainda dança. Ele dança. Mais tarde ou mais tarde, verás que ainda brilham estrelas, mesmo mudas. Mesmo hoje, vejas, o passeio te salva da loucura. Diga o que quiser. Não faremos poesia. O bruto pelo bruto há de te salvar.
destempo
Ah, por certo
Algo escapa
Inclusive dele
Oh, tempo
Uma risada
(palavra feia)
Ou mesmo aquele brevíssimo toque
Seu na minha nua nuca
Algo escapa
E fora do tempo
Vira mantra
Penso assim
Que aquele instante
Que aquele brilhante
Aquele momento
Ingênuo de tão pequeno
Sobreviva imenso
Imenso, assim eu penso
Ascese improvável
Fé desmedida
Aquilo que gostaria mesmo
Era de tocar a tua pele
Toda
Enfim
Já é tarde no país da solidão
No país da ansiedade é carnaval
Passam-te tanto a mão
Que findas o dia no fundo mesmo
Sem sobrancelhas
Nunca mantenha os olhos tão assim abertos
Nunca diga sempre
Sempre o nunca e se quiseres mesmo saber
Não importa o antes, quiçá o depois
Estás aqui e acolá é logo amanhã cedo
Ouve
O passado te celebra se fazendo presente
O prazer ultra passado te reverencia
Junte-se ao poema, ele te pede
A pele rachando
O abafar das asas sonoras
A possibilidade de inteiramente desafinar
O estrondo tímido
O então é o então será
Impossível
Perfeito
Um adeus
Como se continua se o próprio poema não quer continuar?
quarta-feira, 23 de março de 2022
Euros
O poema não quer nascer
Ele recusa o meu empenho
Sabe que preciso dele
No entanto, ainda hoje,
Ele não veio
sexta-feira, 18 de março de 2022
enquanto espero
sigo a escritura
Ela me diz
Não tenha medo
eu continuo
Ela me pede
Olhos abertos
Venha, venha, venha de olhos bem abertos
eu obedeço
haveria em mim uma tal disponibilidade que mesmo em cansaço ousaria me surpreender
Ela me diz
Não sabes o que é
Fique então com o que poderia ser
eu sorrio
divirto-me com isso do vir a ser
Ela me pede
Sem tantas certezas
Vamos, jogue-se
e de fato há em mim algum pertencer que me estaca no instante e ali eu sobrevivo
Ele me conta
Sabes bem que nada disso dura muito
Ele me repete
Viver e morrer são apenas palavras duas para um mesmo rumo
em mim um escrito que não cessa, uma escrita que gasta as horas, uma escritura que me vaza da minha noção do que é meu, do que era mundo
quinta-feira, 17 de março de 2022
curriculum vitae
estou vivendo sem anotações
nem fotografias
talvez um dia se necessário
eu poderei dizer que loucura
foi um momento muito especial
e me diriam mas nada?
não tens nada registrado?
ora, não, eu diria, sim, naturalmente
tem meu corpo
olhe bem
como a pele
é folha e como
os beijos todos
viraram textos
na falta de registro
sem documento nem hino
nem abrigo sem arquivo
MESMO
sem graça alguma
ainda assim
olhe bem
estou aqui
e sigo sendo
pegar os pedaços
Hoje te flagrei triste
Mas sem exagero
Te ouvi convocando a si mesmo
Dizendo pega os pedaços
Pedindo pegue-se no colo
Deve haver algum remendo
Possivelmente há
E nem escrevo para celebrar
Tristezas antes o faço para listar
Um dos pedaços que já brilham
Quando você imagina, Diogo,
Ser possível se pegar para descobrir
O que poderíamos fazer para esse
Estranho instante se desfazer.
Já está dado, não vês?
Que beleza é pedir a si mesmo que se pegue no colo a fim de algum conserto.
Que força, meu amigo, soa até exagero.
Tua estranha dor não é inoportuna
Ela te expõe, escuta
Você é esse aí,
Chora e brilha,
Sonha e liga,
Beija e dorme,
O balé vale à pena
Sabes que um segundo dura muito e que o sempre sempre passa
Então vai,
Num canto,
Cheio de vírgulas,
Pegue-se todo e por inteiro,
Aos pedaços se reúna e barroco
Chore-se
Estás mesmo precisando de um bom banho
Banho onde água quente ou fria não importaria
Banho lágrima que meio morno meio ácido
é só a vida
far gone
Just drink fuck dance
Right to the disaster
Ok ok you can tell me
But in a moment or
In another you would
Have to wash the dishes
So don't tell me that live is
This easy and destroying
Game or not you have to
Prepare something to eat
Or guess what my dear
No fuck no dance no water
You'll just die you'll just be a
Little memory in someone's
Never mind
sábado, 12 de março de 2022
Secador de cabelo
Não, não, não que eu use
mas ter por perto faz de mim
um homem mais quentinho
Não, não, não que eu use
mas nesse frio continental
um secador seca também
meus medos
Não só cabelos
nem só pentelhos
a barba, não só ela
secam também
os medos meus
Eu não sei se vem de Deus o céu ficar azul
Também não sei
mas nessa noite esfriada
o secador de cabelo me embala
Não, não, não que eu ouse
mas algumas revoluções industriais
salvaram minha humanidade
O secador de cabelo
A botija elétrica
mesmo meu coração
Revolucionários
revolucionários
até o amor chegar
sexta-feira, 11 de março de 2022
Perceber
Por meses todas as ruas
Uma só avenida
Sem distinção deslizava
Do lá até aqui
Indistinto
Árvores as mesmas
Não percebeu diferença
Carros o mesmo
Mesmo se fossem lanchas
Seria tudo idêntico
Na ausência de surpresas
Ansioso por novidades
Um dia acordou e se indagou
Por que outra cidade se toda
Cidade lhe era sempre cidade?
Não soube responder
Mas seus olhos pareciam
Mais despertos
Ver ou não ver
Uma questão de sentir
Lamber os galhos secos cheirar
O abrigo do homem que passa degustar
O café duplo tão pequeno mesmo
A tua dicção a tua fruta isso
Não, isso lá não havia
Onde então a novidade
Que não apenas na tua
Sensibilidade
Ou
Não?
Sair de casa
Como quem mergulha
Em altíssimo mar
Meu amor
Viver feito aventura
quarta-feira, 9 de março de 2022
Na antessala
Escrevo como quem.
Como quem pudesse
Apenas por escrever
Desembrulhar a mudez
Do mistério que grita.
Não escrevo para livros
Mas para livrar-me do
Susto. Este sim agora
Escrito em mim.
Teria sido mais fácil
Ficar a ouvir histórias
Mas ao escrever destituo
O império desta hora.
Dura menos o espanto
Agora mais na medida
Do necessário que não se
Calcula
Escrevo por distração
Escrevo porque cura
Escrevo como quem
Está perdendo tempo
Na antessala da loucura.
terça-feira, 8 de março de 2022
Esforçante
Seria como um susto
o instante em que ele perceberia
que mesmo em sua solidão
tinha medo de se permitir
felicidades
Como um susto
invadindo a tarde
e queimando a torrada
ele enfim perceberia
que seus medos vieram de uma hora bem mais tarde
Perguntaria o que fazer
se deveria conversar com um amigo
se deveria escrever o que anda sentindo
e mesmo com possibilidades
seria tudo inverossímil
O padrão dos séculos
em seu corpo faz colônia de férias
pensou chocado e debochado
O padrão em ti encontra um solo
para vingar e quem morre é você
quem morre é você
disse tudo em voz baixa
para não se ouvir dizendo
o tal dizer que confirma sim
quem morre é você
quem morre é você
desprendendo-se do tormento
brilhando ao relento do abandono
de si próprio a constatação agora
se fazia ouvir e se impedindo das
alegrias quem morre é só você
e ainda morre sozinho
sem alegria
sem a efetiva possibilidade
de um gesto inédito
te acontecer
quem morre sozinho
é só você
você quem pode
(você) quem pode correr
quem pode vazar
desorientar-se dessa sina
ensimesmante e que tanto
te esgota
seria trabalhoso
estar vivo também é
seria de um esforço imenso
e redundante esforçante mesmo
o baile necessário para te salvar
e devolver à vida
sem solidão tanta
sem morte debutante
só com alguma sua alegria
agora colada no seu encalço
fedendo o seu próprio bafo
Um afago mínimo, quase sem força
I.
Súbito
O teu espanto seria todo o mesmo
como pode recusar um carinho desses
como pode?
E então veria a si mesmo no susto
embebecido
Não é que eu não queira
você diria
não é que eu não goste
confessaria
É só
apenas
que eu não sei
Eu não sei
e os homens ao teu redor ririam muito
ririam de ti
ririam de si próprios, porém mudos
É que é difícil mesmo ser vizinho do calor
quando se foi ensinado a ser tão autossuficiente
tão firme
tão forte
tão orgulhosamente homem
II.
Mas nenhum erotismo em causa
nem muitos arrepios nos pelos
nem viria sequer por ti
nem por outro homem
O carinho, afago mínimo
viria por acidente
seria fruto de um esbarro
o famoso esbarrão
dela que cruza por ti
no meio do salão
e faz roçar na sua pele
a pele do pano felpudo
Um arranhão, um rasgo delicado
o arrepio que te acarinha é o susto
já interpretado, pois assusta
ser amado
quando por tanto tempo
pensou que isso não era para você
III.
Você agora na avenida
procura pela noite onde se encontrar
deseja se possível ancorar
Está tudo bem, você se diz
trêmulo
faz frio
onde ela está?
Você se pergunta, mas dentro
você sabe que a procura é toda em si
é sua contigo sozinho
Passa as mãos nos braços frios
vasculha os bolsos da calça
o suéter não tem bolso
você percebe
Pela primeira vez você percebe
Que o suéter não tem bolso
ora
também algumas coisas não estão prontas
para receber algum amor
IV.
E quando menos você espera
quanto mais cansado você se torna
já na porta de casa
a rua entre silêncios e barulhos abruptos
um cão despelado se aproxima de ti
e ainda que você pense na lepra
no cancro
nas feridas visivelmente no cão brilhando
ainda assim você deixa
que ele
de ti se aproxime
e emita aquele som que diz
durma bem, camarada
Você estaca com a mão presa no centro do ar
você quer mas diz que não pode
você quer se desafiar mas algo em você é mais forte
de ti o cão se aproxima
sua mão desce até ele
ao que ele se distancia
e no céu pouco estrelado daquela noite
você lê a constelação do momento
O fato de receber um afago não quer dizer que seja preciso dar outro em troca
aqui não há escambo
aqui não há escambo
Você bate a porta.
A besta
Lá está ela
mais uma vez sobre a ponte
no rosto, o dito semblante
a força que a impele
aos futuros
Sabe bem que não pode isso
que não deve aquilo
sabe bastante que no caso dela
o fim é sinônimo de muitos
inícios
E mesmo assim lá ela está
sobre a ponte outra vez
em sapatos firmes e esverdeados
ela ciente de que lhe abriram
risos e braços só porque sim
Mulher
como sou
sempre existiu
Já não é essa a questão
já não é essa a questão
A questão parece ser
a questão é
quantos homens feito você
precisam repetidas vezes
desaparecer
desaparecer
E cruzou a ponto
bem agasalhada e fiel
ao sorriso que outrora
disseram que em seu rosto
se chamava bestial
sexta-feira, 4 de março de 2022
Sem palavra
Eu tenho uma imagem para qual palavra
ainda hoje
não encontrei.
De fato, imagem que escapa
à nomeação, que esquiva
ela o é.
Imagino uma bolsa mediana
do tamanho de um estômago
humano.
É uma bolsa selada, porém,
dentro da qual sobrevive
o âmago.
E então agora começa a imagem
a imagem que me acompanha
faz anos.
Nesta imagem uma pinça
um gancho uma coisa sem nome
ataca tal bolsa
o âmago sendo tentado.
E a imagem é só isso
apenas esse gancho meio que
puxando
meio que riscando e enjoando
o centro do âmago da bolsa
que não estoura.
Durmo e acordo
faz anos
na iminência desse arrombo.
Vago continentes não encontro
seu nome sua representação
aquilo que te simplificaria ao passo
que lhe daria algum
contorno
não encontro.
O ganho
A bolsa
O âmago
Essa mão que não é mão
Esse gesto tão ação
não não, eu penso
não deve ser eu comigo mesmo, certo?
esse gesto tão ação será eu comigo mesmo?
não não não
não não não
quarta-feira, 2 de março de 2022
22h00 - ONU confirma que já morreram, pelo menos, 227 civis na Ucrânia
Não os conheci. Não, os pelo menos 227 civis, não, eu não os conheci.
Caminho pelas ruas de outro país, em silêncio.
Cruzo por senhoras que leem os jornais do dia.
Na cafeteria, televisor ligado, o atendente resmunga um meu deus
enquanto contabilizam os mortos.
Caminho pelas ruas pensando no dinheiro do aluguel.
Sou convidado para um almoço, mas invento uma desculpa qualquer,
preciso continuar caminhando.
Entro numa loja, faço impressão de estudos sobre o romance no século XX,
o século das grandes guerras.
Agora estou parado
ali, naquela rua de ontem, estou ali parado, longe dos mortos
eu estou em guerra
mas com outras armas
e sem armas eu estou em guerra
mas a guerra não é um lugar
a guerra é mesmo um afeto
sem palavras sem sentido
a luta diária me estrangula
os íntimos estou em guerra
e o sangue ainda que nas veias
ainda que adoecido
me sobrevive neste mesmo mundo
onde eu só me faço desgastar
e roer e moer e despedaçar
Quantos já morreram então?
Quantos já haviam morrido?
Quantos haverão de morrer?
Por que tanta morte, meu deus, por que tanto morrer?
Terapie-se
Sendo assim
perguntaria a ti
nem bem o contrário
mas tão somente
o inusitado
Destacaria uma palavra solta
e gastaria um não
dois talvez mais quatro
quatro minutos
especulando
outros sentidos que não o imediato
Depois daria um sorriso
largo
pediria desculpas e diria
perdão, Diogo, mas é engraçado
é engraçado, eu te diria
e em silêncio
algum remendo em ti
te remendaria, ora
se por agora não podes sentar no divã
que então seja brincando
que o cuidado
te aconteça
Não quero saber de retorno aos padrões
que tanto já te humilharam e feriram e marcaram
Em algum momento você precisaria aceitar que
sim, há coisas boas destinadas a ti
Há coisas boas destinadas a ti.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022
Hipoglicemia (para não esquecer)
Talvez seja a insulina
a insulina que usas
e que usas faz pouco
tempo talvez seja ela
Quando não há energia
em seu corpo não há
açúcar etc. o que ela faz
tal insulina é te colocar
em delírio ~~~~~~~~~~
Ontem, por exemplo,
ergueu-se da cama pensando
em fim não vai ter jeito
acordou terminado
Hoje o mesmo, delirante
mas sem sabê-lo, ergueu-se
da cama convencido de que
o fim chegou e c'est fini.
Lembre-se
(para não esquecer)
Que se não comes bem antes de dormir
amanheces mais morte que vivo
Atenção
(para não esquecer)
Não precisas da hipoglicemia
podes bem viver basta (aquilo que você já sabe mas teima em esquecer)
Das notícias - II
Procurei saber
e compreendi o porquê
de ter parado de procurar
saber sobre o que anda
acontecendo por aí
domingo, 27 de fevereiro de 2022
sem concessão
talvez demorasse
Perceber que é preciso se ser
é tarefa longínqua
talvez um dia trinta anos
num vento se perderia
e de novo o espanto
subindo a ladeira
Você perceberia que sim não há tempo é mesmo determinante ser quem se é
na manhã seguinte
o café te abraçando por dentro
perguntarias quem és tu
Quem és tu mesmo mesmo?
e lavaria as louças
e é preciso comprar lasanha
mais outra vez distraído
quanto mais mais longe de ti se colocas
noutro mês o susto outra vez
estacionando o carro
vaga apertada
Por que não aceitas sem quem és?
Como é? Respondendo a si mesmo
Como é o quê?
com o tempo até o tempo
perde a paciência
(eu só te peço que no ser quem tu és
Não se machuque, por favor,
para que possas ser por um bom tempo
Este
que tu és)
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022
a cama na mão
impressa
tatuada
nas articulações
nas dobras
e mesmo na ossatura ora curva
ora angular
todas elas machucadas
tens a cama em suas mãos
tens a marca da maca gravada
se será pouso ou voo
é cedo
é manhã
nela estamos
a cama
recém montada
te alça aos voos
te alça aos sonhos
precipício seguro
moradia fraterna
vida que voa rente ao solo
e que germina
e germinante
reorienta
domingo, 20 de fevereiro de 2022
let it be known
That I did it
I moved
Changed
Shifted
Don't care from where
To where from
Don't care if it was right
Or not I did it
I changed
I'm not longer there
Here I am
Listening to that voice
From inside
Knowing that if I don't speak
I'll be forever in this grave ground
And I can choose to
Live or let me die
So
Let it be known
That all I did was to make sure that
I wanted to love at the highest level of
And I would have been
I would never ever have been there
I'd have been there
And now I am just here
I'm here indeed
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022
Então ele ficou surpreso
Que eu pudesse me emocionar
que eu pudesse sofrer de algum modo
que eu pudesse chorar
sentir uma coisa subindo pelo peito
espremendo a garganta e me fazendo
querer gritar
Ele ficou surpreso
disse assim
Nossa, que surpreendente
e eu disse como?
Como assim surpreendente?
Sei que pareço não me importar,
mas sim, eu me importo, sim,
eu amo
sim, eu amo meus amigos, sim,
sentirei falta e tudo mais e então
algum silêncio
algum barulho
essa ciência
ciência do amor
que mesmo tímido
me move e
sustenta
Das ânsias e ansiedades, do pouso e dos pousares
Em algum momento, serias brindado com a possibilidade do chegar
Chega de algumas coisas, chega
Chega a algum lugar, você, algum lugar
Já faz quase dois meses sem fumar
Já faz quase (quanto tempo?) sem beijos nem trepares
O que sobrou foi mesmo você
e está tudo bem
está tudo bem.
Observo-te e já nem sei o que dizer
Algo aconteceu, algo se deu sem que você pudesse interceder
e assim você foi, assim segue indo
movido por uma força descomunal
apesar de tão calmo, tão tranquilo
Como é possível?
Como é possível começar algo
sem nem saber que se está começando?
Sobre um colchão emprestado
colchão de solteiro (um pouco sujo e
emprestado por um amor novo e antigo
hoje ultrapassado mas ao seu lado)
sobre um colchão de solteiro
é manhã em sua nova casa
e você pensando
na quantidade de
dinheiro
necessária para pagar as futuras contas
quer saber:
foda-se.
Se algo muda, se algo agora se inicia, esse algo é
isso: você saindo de si, você tirando férias desse martírio
que se tornou ser você. Vamos mais leve, vamos mais tranquilo,
você sabe: estás aqui porque você mesmo se trouxe até aqui
Você se trouxe até aqui
os prantos te acompanham
como rios águas sem fim sem lamúria
os prantos as saudades e os medos
tudo aquoso
a morte toda é mote
para esse revolver todo
e pronto
cá estás,
em sua nova morada,
hoje eu te flagrei chorando leve e abrupto sobre o pão, o atum, o café
usando os pratos novos os talheres novos a cozinha nunca antes usada
é isso, diogo
é isso aí, liberano
inícios são possíveis e impossíveis
são belos e apavorantes
são e estão acontecendo
e você?
De moletom
outro café
tendinite na mão direita
coração trêmulo e confiante
és o que és
uma música em looping
uma fé corajosa
a Pomba Gira que celebrou a tua coragem
e disse-lhe ouro
e deu-lhe proteção
e abriu oceanos pelos ares
e te disse da alegria inaudita
sim
você está aqui
e em breve
algum técnico das Águas do Porto chegará para ligar sua água
e te permitir um banho quente
um banho quente
o que falta está chegando
o que falta está quase
mas aqui já está
aqui já está
e você?
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