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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

sobre a moral que mina o furor da minha paixão

estou faz vários dias muito impaciente. olhei para fora, para as ruas do mundo, tentei encontrar o motivo de meu desassossego e nada se provou profundo, a ponto de me dizer algo sobre o que sinto.
mirei dentro de casa, vi as plantas morrendo, enfiei os dedos na terra, reguei, plantei, deixei morrer as plantas que estavam mortas. sacrifiquei uma, já muito doente, enfim, foi no jardim de casa que eu operei no mundo o gesto definitivo que sobre mim eu já não opero faz longo tempo.

eu me apaziguei. fiquei meio morno, meio concordatário. otário. aprendi a dizer sim mesmo quando o não, acrescido de meia dúzia de considerações, me era imperativo. aprendi a nublar minha opinião, cegar um pouco os olhos, dopar-me demais, aprendi tudo o que nunca poderia me fazer me ser porque eu não sou isso.
eu não sou assim. não posso ser.
e fui assim ficando calmo, inofensivo e amanheci, certa manhã, doente.


como faço para voltar a estar vivo? se sei como opera, se sei a flecha que trago comigo e o alvo as qual a destino, se sei disso - porque sinto - como então devo proceder? alguma coisa quer me segurar, algum controle quer me reger e, por isso, seguidas noites, permaneci insone, dormindo para a vida que em mim desfalecia e acordado apenas para a rotina escrota do dia a dia.
pergunto como faz e percebo não ser essa a pergunta. eu devo não mais fazer perguntas, devo fazer o seguinte: pegar o vaso de planta, arrancar pela raiz o vegetal, o manjericão, não importa; arrancar a raiz, pegar a interrogação e planta-la feito broto, feito muda, mudança ainda tímida, mas todo esperançosa.
pegue a interrogação, vire-a de ponta cabeça. perceba: o que era interrogação vira gancho que perfura a terra e se crava no fundo do vaso feito uma raiz portátil. o que sobra acima, no contato com o mundo, olhando o vento e bebendo a chuva, é um ponto suspenso. é um ponto-projeto de mundo, outro mundo.

amanhã vou regar minha dúvida engolida e germinar afirmação. germinar sim, sim, por que não? faz anos algo me segurou, me domou, aprendi sem querer aprender como se fazia para não dizer aquilo que sabia ser preciso gritar. calei meus arrepios e só fazendo arte foi sendo possível não morrer por inteiro (ainda que tenha continuado a caminhar, a respirar...).

a morte, faz muitas décadas, acontece com a vida em curso. você morre e segue os dias. morrer não é sinônimo de fim, porque o mundo sofisticou sua engenharia de morte e a morte já veio, você nem viu e segue vivendo a mentira que é estar vivo (porque já não tens habilidade para se engasgar no ar, como faziam os recém-nascidos).

uma vez escrevi numa peça de teatro que os bebês, quando nascem, choram porque descobrem - muito cedo - o quanto podem amar. e é desse soluço que aqui venho a mim - a ti - falar. algo domesticou minhas iras, minhas vinganças, minhas paixões, minha inconstância. me vi doente e demorei, mas agora é claro: ou eu enfio o pau no ó da moral, ou serei homem cujo peito só florescerá poeira.

como germinar? essa talvez seja a pergunta, hoje, a mim, menos passageira.

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