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sexta-feira, 19 de março de 2010

Do Medo De


- Você tem medo de se apaixonar?
- Por que você tá me perguntando isso?
- Porque você tem medo de se apaixonar.
- Não, eu não tenho.
- É o que então?
- Do que você tá falando?
- Disso.
- Disso o quê?
- Disso aqui entre eu e você. Você não sente?
- Não há nada.
- E por que não há?
- Por que você me faz esse tipo de pergunta?
- Por que você nunca consegue me responder?
- Porque as nossas dúvidas não são dúvidas.
- As minhas são.
- As minhas não.
- As minhas são, não para você.
- O problema sou eu.
- Eu te ajudo a se responder. O que é? Diz.
- Eu não tenho nada a dizer.
- Certo. Amanhã a gente tenta de novo.
- Onde você vai?
- Dormir. Estou com sono.
- Você está fugindo?
- Não. Estou aqui. O que você quer?
- Não. Agora vai. Agora vai. Vai.
- Você está fugindo, é isso?
- Você quem quis partir.
- Mas estou aqui. Ainda. Diga.
- Dizer o quê?
- Algo sobre isso entre eu e você.
- Eu não tenho nada a dizer.
- É como se tivesse.
- É confuso.
- Isso já é uma bela tentativa. E eu concordo com você.
- Eu quero você.
- Isso é bem esclarecedor. Observe…
- Vê? Você não deixa uma fala passar sem querer tirar dela algum sentido.
- Isso te incomoda?
- Isso nem sempre vai ser possível. E quando não for, você vai se consumir…
- Tentando encontrar algum sentido que faça sentido.
- Isso é normal?
- Quando eu te aceitei na minha vida, para mim, eu achei isso já uma superação.
- Obrigado.
- Não é? Aceitar o outro em sua vida é abrir mão de um punhado de certezas.
- Certezas.
- Que às vezes a gente teima em conservar, escondidas que sejam, dentro do casaco, dentro da mente, em sonhos, em vícios, em gestos…
- O que eu estou escondendo de ti? Diga lá.
- Você está se escondendo de mim.
- Como assim? Olha, não é isso.
- Ah, não é?
- Não é assim.
- E é como?
- Eu estou confuso.
- Eu te ajudo. Me dá a sua mão.
- Olha, deixa.
- Me dá a sua mão.
- Mesmo. Deixa.

Olham-se.

- Por que é tão difícil se permitir ser lido, ser claro, ser despido? Diz, por favor. Por que você não pode me dar a mão e ver nisso um ponto final e não uma interrogação? Eu não te pedi em casamento eu só pedi pela sua mão. Para colocar ela aqui sobre a minha, para fazê-las se abraçarem, qual é a dificuldade? Eu te pedi um segundo eu nem sequer toquei no assunto eternidade. Por quê? É medo seu de em mim se perder? E se você achar bom, achar minha pele confortável, você tem medo de ficar dependente? E além de mim, mais de quê você hoje é dependente? Você depende de plásticos, de coisas, de vícios, por que não também me deixar ser outra droga outra fissura? No final das contas. Acho que você tem medo de costura. Medo de perceber que o fato de tanto assim estarmos nos espetando é unicamente porque… Porque queremos colar, enfim. Não diz nada. Agora sou eu quem não quer ouvir. Vai para casa, vai. Para a sua casa. Eu preciso amar essa incompreensão sozinho. Nos vemos amanhã? Não responda. Me liga. Eu venho até você. Durma bem. Sinta-se abraçado. A gente se resolve. A gente precisa se resolver. Isso. Isso entre a gente. Isso é bonito demais para se perder. É bonito demais isso tudo. Eu vou lutar, ouviu? Eu vou lutar por você. Para que não desistas daquilo que me parece – apenas me parece – mas importa para você. Desabitar, querido. O hábito, desabitá-lo e deixar o peito feito espaço aberto para o nosso ineditismo. Igual a de tantos outros em tantos outros tempos. Mas estreia aqui em nós. Estreia feita pelos dois. Vai dormir. Você está caindo. E eu também.

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