...ou aqueles quatro.
Não escrevo aqui uma crítica. Escrevo poesia, que se desprende direta do espetáculo teatral que assisti hoje, nesta cidade do Rio de Janeiro, de dois milhões de repartições mas fraca de abraços, cheia de tanta gente e mais cheia ainda de gente olhando para os lados, perdidas no meio da arena, procurando seu contato. Sua condução, seu bonde, dizem uns a metade de sua laranja.
Não escrevo aqui uma crítica. Escrevo poesia, que se desprende direta do espetáculo teatral que assisti hoje, nesta cidade do Rio de Janeiro, de dois milhões de repartições mas fraca de abraços, cheia de tanta gente e mais cheia ainda de gente olhando para os lados, perdidas no meio da arena, procurando seu contato. Sua condução, seu bonde, dizem uns a metade de sua laranja.
A palavra que vem e vai que volta e fica e que a todo segundo em mim se multiplica é esta mesmo: MULTIPLICAÇÃO. Ação tornada imensa, tornada tornado, multi-implicada, palavra geradora. Do conto de Caio Fernando de curtas páginas, de curtas palavras cheias de alma - sim -, eu o li faz alguns anos, foi em 2006, eu me lembro. Pensei no auge da adolescência que começava a morrer: isso no teatro deve ser incrível. Anos depois, eu preciso dizer: sim, fizeram disso algo incrível. Algo cheio daquela prosa, algo enchendo aquelas palavras todas, enchendo tudo de verso, de movimento, de caos desordem e aortas expostas: batidas pela intenção.
Eu gosto. Acho aconchegante. Me fez pensar em amêndoas. Flerta a peça com o próprio teatro, diz o ator, falando com o público como se pudesse me enganar, tentando me distrair para o fato de que ele ali é ator quando na verdade é personagem. Quer dizer, diz o ator, tentando flertar com o público a realidade de algo que não é real: mas no qual nos adoramos ainda assim acreditar.
Fica do real o abraço convulsivo. Fica a repartição feita de pedaços já partidos. Fica o chão. Fica a cor, o marrom, o tom velho, o tom madeira, o tom planilha lápis couro café grampo. O tom do violão. Ficam vozes, peitos abertos, contato. Sim, fica improvisação. De um ensaio que hoje, sim, é já fechado. Nisso se vê bem: é precisão alcançada. É resposta automática e não menos viva, não menos forte, é de novo ali durante as apresentações repetição desejada, devotada. Multiplicam-se as palavras... O que eu queria mesmo dizer?
Queria dizer que num dado momento, quando eles estão numa festa, os dois, os quatro, todos nós, enfim... Quando eles estão lá, embriagados de ilusão (do teatro, da bebida, do amor do desejo da paixão - proibição - enfim...), eis que os corpos começam a se esbarrar...
... e me entristeceu que uma das máquinas de escrever tivesse sido pega e colocada em meio ao espaço, destruindo a festa, afastando o encontro dos dois, dos três, dos quatro, cinco, enfim... Afastando outra vez a possibilidade do encontro. Aumentando outra vez mais sua necessidade.
E então inventamos as coisas. Para que foi inventado o saca-rolhas? Oh, não. Não foi para abrir garrafas, foi para fabricar cenários, construir constelações de cortiça. Para encontrar, inventamos os motivos, eu vou tomar um café, eu vou falar do tempo, eu vou dizer Você viu ontem o que passou? O que passou o quê? O filme? Ah, o filme. Sim, o filme. Sim, que filme? Ah... E então nisso trocamos o olhar, trocamos a troca, trocamos o suor, trocamos o tempo, que gastamos juntos. Que bonito. Eles eram quatro porque ser dois hoje é demais. É pouco demais. Ser dois é ponto final, determinação, com dois apenas não se pode dar voz à multidão... E pasmem, a multidão está ansiosa de tanto aguardar por seus abraços adiados (e não somente partidos).
É isso. Não se tem mais braços para segurá-los. Os abraços tombaram feito avalanche, escorreram como lava. Precisam queimar. Por isso os quatro homens ali dispostos, as mãos juntos multiplicaram e cuidaram de encenar esta condição. Ou seja, a nossa. Encenaram os escuros, a claridão, a clareza e o risco confuso cego bruto sobre o branco. A parede preta, a parede abrigo. O Van Gogh ali pendurado. Quantos Van Goghs espalhados, para tentar amenizar a dor de não se ter um pássaro dentro da gaiola-peito. Um pássaro capaz de voar, de se bater, de espernear e sair saindo, sair correndo, sair para gritar... Ou simplesmente cantar.
Eles não estavam falando do pássaro. Eles não se deram de presente pássaro ou quadro de Van Gogh. Eles se deram atenção. Se deram as mãos. Eu vi. Não havia nada exceto os dois, aqueles quatro, ou cinco, seis, nós todos, nós lá laçados...
E como cantam. Nus, destemidos. Cantam fosse feito festa adolescente dos menino. Assim mesmo, um só tipo, uma mesma vocação. Cantam o óbvio, não se precisa de tradução: tá na cara dá para ver no seu olhar tô fazendo muito falta para você... Impressiona-me o todo, impressiona-me o verbo MULTIPLICAÇÃO. Impressiona-me e muito a sua conjugação, das vozes que se entreolham e se dão base. Das vozes feitas, das pausas, dos risos em nós criados. O sotaque. O mineiro. Nem sei se existiu ou se fui eu que quis ouvir seus lampejos.
Mas não é uma crítica, é respiração. Não é nada exceto a sensação sendo assim aqui lançada. Meus olhos ficaram parados na parede das faces paradas. Parados eles ficaram naqueles olhos vazados, olhos idos, olhos gastados. Olhos, sem dúvida eu sinto eu sei - TRANSTORNADOS, OLHOS ENVERGONHADOS. De olhar para o diferente e fazer consideração. Eu aqui olho para o diferente e considero: assim sejamos então. Capazes de dizer ao outro nem que seja um boa tarde ou bom final de semana ou bom dia, enfim, um sim que seja...
E então inventamos as coisas. Para que foi inventado o saca-rolhas? Oh, não. Não foi para abrir garrafas, foi para fabricar cenários, construir constelações de cortiça. Para encontrar, inventamos os motivos, eu vou tomar um café, eu vou falar do tempo, eu vou dizer Você viu ontem o que passou? O que passou o quê? O filme? Ah, o filme. Sim, o filme. Sim, que filme? Ah... E então nisso trocamos o olhar, trocamos a troca, trocamos o suor, trocamos o tempo, que gastamos juntos. Que bonito. Eles eram quatro porque ser dois hoje é demais. É pouco demais. Ser dois é ponto final, determinação, com dois apenas não se pode dar voz à multidão... E pasmem, a multidão está ansiosa de tanto aguardar por seus abraços adiados (e não somente partidos).
É isso. Não se tem mais braços para segurá-los. Os abraços tombaram feito avalanche, escorreram como lava. Precisam queimar. Por isso os quatro homens ali dispostos, as mãos juntos multiplicaram e cuidaram de encenar esta condição. Ou seja, a nossa. Encenaram os escuros, a claridão, a clareza e o risco confuso cego bruto sobre o branco. A parede preta, a parede abrigo. O Van Gogh ali pendurado. Quantos Van Goghs espalhados, para tentar amenizar a dor de não se ter um pássaro dentro da gaiola-peito. Um pássaro capaz de voar, de se bater, de espernear e sair saindo, sair correndo, sair para gritar... Ou simplesmente cantar.
Eles não estavam falando do pássaro. Eles não se deram de presente pássaro ou quadro de Van Gogh. Eles se deram atenção. Se deram as mãos. Eu vi. Não havia nada exceto os dois, aqueles quatro, ou cinco, seis, nós todos, nós lá laçados...
E como cantam. Nus, destemidos. Cantam fosse feito festa adolescente dos menino. Assim mesmo, um só tipo, uma mesma vocação. Cantam o óbvio, não se precisa de tradução: tá na cara dá para ver no seu olhar tô fazendo muito falta para você... Impressiona-me o todo, impressiona-me o verbo MULTIPLICAÇÃO. Impressiona-me e muito a sua conjugação, das vozes que se entreolham e se dão base. Das vozes feitas, das pausas, dos risos em nós criados. O sotaque. O mineiro. Nem sei se existiu ou se fui eu que quis ouvir seus lampejos.
Mas não é uma crítica, é respiração. Não é nada exceto a sensação sendo assim aqui lançada. Meus olhos ficaram parados na parede das faces paradas. Parados eles ficaram naqueles olhos vazados, olhos idos, olhos gastados. Olhos, sem dúvida eu sinto eu sei - TRANSTORNADOS, OLHOS ENVERGONHADOS. De olhar para o diferente e fazer consideração. Eu aqui olho para o diferente e considero: assim sejamos então. Capazes de dizer ao outro nem que seja um boa tarde ou bom final de semana ou bom dia, enfim, um sim que seja...
As luminárias prateadas. A dramaturgia toda selada. Um beijo espremido no original. Um Caio incontido, in-habitual. Mas ele ainda assim, ele também multiplicado. Preciso nas preciosidades sem fim, nesse despudor humorizado, nesta melancolia disfarçada em discos, cigarros, cafés e abraços. Nu tempo. Tudo girando, o movimento. O contato, sim, mover faz escutar melhor. Os pés expostos e limpos. O microfone. Tantas coisas porque sim, ama-se até nas coisas mais pequenas. Das boas e ruins ficam todas aqui comigo, guardo-as aqui comigo, todas... São frutos e sementes. São parte da soma, parte da diminuição, são partes parte do mistério da multiplicação, pois que se abraçem, então: aqueles dois milhões de desabraçados. Que se abraçem aqueles dois postes e acendam juntos 2 pares 64, esquentando ali a face, desenhando o risco, o riso malicioso de quem experimentou a droga da desobediência e vive ainda para contar seu gosto.
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Cia Luna Lunera
AQUELES DOIS
Do conto de Caio Fernando Abreu
De 8 de janeiro a 28 de fevereiro de 2010.
De quarta a domingo, às 19h30;
Centro Cultural Banco do Brasil - Teatro III
De quarta a domingo, às 19h30;
Centro Cultural Banco do Brasil - Teatro III
Um comentário:
riso malicioso de quem tb já experimentou a droga da desobediência :]
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