Deseja-se aqui investigar princípios que regem ou que possam reger o nascimento de filhos. Mais que isso, o nascimento incessante de crianças, infantes, pequenos, meninos, meninas, garotos, moças, pobres, infelizes, coisas miúdas, vida sob forma e tamanho impraticável, ainda. Deseja-se aqui investigar sua fundamentação social e sua repercussão através do tempo. O que significa, neste momento, ter filhos no Brasil? O que significa, neste calor, povoar o mesmo mundo com mais e mais crianças? Este pequeno estudo se propõe de forma equivocada ou não a especular possibilidades, especular poeticidades, respostas, dúvidas, certezas, abismos sobre o assunto em questão.
Da Natalidade
Confunde-se muito normalmente o termo natalidade com o termo natal. Não há ontologicamente aproximações, o que não quer dizer que no natal não se procrie, muito pelo o contrário, já que o fenômeno de trazer ao mundo pequenos seres é geralmente a saída duvidosa encontrada por muitos casais para se presentearem mutuamente sem o gasto de sequer uma camisinha. Em pesquisa recente, diagnosticou-se que inúmeros são os casais que optam por gastar ao menos uma camisinha, seguindo a cartilha do governo federal, que as distribui com qualidade e em quantidade. Camisinha esta, elabora o jovem casal, previamente perfurada, para que possa trazer assim a surpresa de uma criança nela embrulhada. É assim, muitas vezes, que o destino premia almas humanas carentes de afeto e encontro com presentes únicos e especiais.
Da Prole
As crianças nascidas dizem respeito direto ao tempo no qual foram ao mundo despejadas. São crianças-contexto. São fluxo desse momento, menstruação do tempo. São formas germinadas, sorteadas, uns diriam selecionadas, deste segundo que acabou de morrer. Logo, nascem todas morrendo. E a cada década nos aproximamos mais e mais dessa lógica, deste entendimento filosófico que hoje caminha quase de mãos dadas com o homem mais taciturno e torpe: sim, nascemos morrendo. E morrer, ao contrário do que se mostra nas novelas, faz parte da vida. Viver é morrer. Morrer é viver. São caminhos que se comunicam, braços que se abraçam. São, ponto.
Das crianças nascidas, naturalmente, nascem perdidas. Sentindo o ar ao seu redor, o gás carbônico, sentindo o suor dos pais e tios. E como há tios, num reflexo direto de como há pais reprimidos, cujos filhos nascem todas as noites quando se deitam ao travesseiro os pais que no dia seguinte afastam de si essa possibilidade esse medo. É difícil, em recente pesquisa também se comprovou como possíveis mães e pais temem pelo destino de seus filhos neste mundo. Quando entrevistada, a transeunte Ana Teresa Alfradique, de 27 anos, disse categórica: O que se faz com um filho no meio desse mundo caindo aos pedaços?! Não soubemos responder, no entanto, buscando teóricos que especulam sobre o assunto, encontramos uma leitura mais aprofundada que parece situar a gênese desse medo. Walmir Marceau, filósofo e psicanalista francês, residente em Madri, afirma em seu controverso tratado Ilhas e Filhos, que não se percebe com facilidade, mas novas crianças, estes tais filhos que hoje se teme tanto em lançar ao mundo, são as peças necessárias para efetivar o futuro. É como se pensássemos: quem terá força para carregar o concreto, quem terá vitalidade para erguer o muro da civilização, para destruir o muro da mesma quando se tornar necessário?
Uma Abordagem Solar
Pesquisa realizada numa instituição de ensino de 2º grau no Rio de Janeiro coletou opiniões de 247 jovens, entre os 15 e 17 anos. A proposta foi solicitar a eles um motivo que justificasse o nascimento de uma criança levando em consideração o mundo presente. Dentre as respostas, quase sempre muito criativas, uma porcentagem de 38% dos jovens fez referência ao clima, mais precisamente ao calor, muitos consideraram "um crime" colocar uma criança num mundo deste jeito. Outros 19% acreditam que o mundo já está muito cheio para se colocar nele mais crianças. Uma parcela considerável de 7% faz referência à adoção, afirmando haver muitas crianças precisando de novos pais. E, por último, pode-se dizer que cerca de 3% questionou a pesquisa a partir do incômodo de se ter que ter um motivo para trazer uma criança ao mundo.
Esse tipo de pesquisa nos abre revelações sem precedentes. Em primeiro lugar, novas pesquisas estão sendo elaboradas, para tentar avaliar onde tais jovens se inserem nesta conjuntura atual do mundo, conforme muitos disseram. Sentem-se parte dele, sentem-se responsáveis, capazes de interferir no clima, no caos? Ou não, sentem-se já fadados ao fim, como se prenuncia em muitas falas? Além disso, busca-se um cruzamento da taxa de natalidade com a sexualidade. Isso é fator que interfere na paternidade/maternidade? De certa forma, parece salutar a possibilidade da adoção. E mais ainda, o desprendimento ambíguo, de certa forma, com que os jovens se opuseram à necessidade de um motivo. Isso denota num primeiro momento o desapego à tradição - principalmente religiosa - em nosso país, ao passo que também pontua o que poderia ser lido como leviandade.
Da Angústia Freudiana
Há uma corrente de pensadores que desenvolvem já há algumas décadas, uma relativização da idéia de paternidade e prole. Em muitos casos, o que se apresenta são novas possibilidades para o mesmo. Ou seja, especulam-se tipos outros de filhos, produções outras que sejam concretas, mas que não necessariamente impliquem no nascimento de uma espécie humana. Em muitos casos a referência principal diz respeito à produção artística, que parece lidar de forma extremamente positiva com a angústia do pai ferido. Por vezes o medo, o receio em se ter filhos, multiplica-se em estímulo para produções artísticas que se tornam ou mesmo já se tornaram emblemáticas em muitos países, por seletos artistas. Ainda é cedo para dizer, mas o que poderia ser a superação de uma angústia paterna talvez esteja se comportando mais como uma transferência - a citar Lacan - pela qual o homem passa para outro objeto, para outra realização, a incapacidade daquela existência primordial e, no caso, considerada utópica, impossível de se atingir.
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