B - É para o seu bem.
D - Eu não quero mais me fazer bem. Não está adiantando.
B - Como não? Você está aqui, vivo, conversando comigo...
D - E quem disso que isso é vida? Eu não aguento mais.
B - Não aguenta o quê? A sua doença?
D - Não... Mas ter que ser grato por estar vivo. Eu prefiro...
B - Não diga isso. Tanta gente que te ama...
D - Não vem com essa. Se amor salvasse alguma coisa, a fulana não estava lá embaixo, estatelada no hall de entrada desse prédio...
B silencia. Olha com precisão para A.
B - Perdão, mas quem é fulana?
A - Fulana é fulana, não sei nome, nem cor dos olhos. Até porque se fecharam.
B - No hall de entrada?
A - Sim. Ela deve ter pulado por algum motivo. Quando entrei tinha acabado de bater no chão. O sangue ainda espirrou, veio em minha direção.
A estica a perna e mostra um friso marcado a sangue.
B - É sangue?
A - Você sabe que é, doutora. Da fulana.
B - Isso foi agora?
A - Um pouco antes de eu chegar. Depois que aconteceu eu fiquei esperando no lugar, sem mexer, o porteiro saiu. Olhei para o céu, quer dizer, para a coluna de ar que dava no hall de entrada... E veio caindo o que parecia ser um raio-x, um exame, algo assim...
B - E o porteiro?
A - Ah, veio com um plástico e cobriu a moça.
B - A moça?
A - A fulana, a moça era a fulana.
B - Que horror.
A - Foi o que eu disse. Se o amor salvasse alguma coisa, talvez ela tivesse usado o elevador, ou mesmo as escadas... A senhora não acha, doutora?
B olha estatizada e de súbito abre uma gaveta.
A - Enquanto o porteiro cobria o corpo dela, o exame caiu sobre um pouco de sangue. E o envelope do exame, verde, caiu aos meus pés... Eu podia ter visto o nome dela, para não ficar chamando de fulana...
B estica um envelope verde para A.
A - O que é isso?
B - É o resultado do seu exame. Volte semana que vem, precisamos conversar.
A - Eu saí da sala. Entendi tudo pelo olhar que ela não me deu. Ela tinha medo de dizer que eu iria morrer. Como se por dizer isso fosse me impedir de viver, me impedir de amar. Eu desci o elevador e cheguei lá embaixo, o corpo já tinha sido tirado. Mas olhei com fixação para o chão. Deu tempo de encontrar junto à porta de saída, um resto de sangue, uma pincelada no chão. Peguei meu envelope e limpei o sangue, espesso, querendo se possível ser eterno. Limpei de novo, limpei com a mão. Avancei e joguei na lixeira o exame que não me servia mais. Estou aqui, diante de você. O que você tem para me dizer?
C junta as duas mãos e olha sobressaltado.
C - Eu vou te pedir alguns exames. Quando você os tiver, volte que a gente conversa e vê o que poderá ser feito...
D - Eu não quero mais me fazer bem. Não está adiantando.
B - Como não? Você está aqui, vivo, conversando comigo...
D - E quem disso que isso é vida? Eu não aguento mais.
B - Não aguenta o quê? A sua doença?
D - Não... Mas ter que ser grato por estar vivo. Eu prefiro...
B - Não diga isso. Tanta gente que te ama...
D - Não vem com essa. Se amor salvasse alguma coisa, a fulana não estava lá embaixo, estatelada no hall de entrada desse prédio...
B silencia. Olha com precisão para A.
B - Perdão, mas quem é fulana?
A - Fulana é fulana, não sei nome, nem cor dos olhos. Até porque se fecharam.
B - No hall de entrada?
A - Sim. Ela deve ter pulado por algum motivo. Quando entrei tinha acabado de bater no chão. O sangue ainda espirrou, veio em minha direção.
A estica a perna e mostra um friso marcado a sangue.
B - É sangue?
A - Você sabe que é, doutora. Da fulana.
B - Isso foi agora?
A - Um pouco antes de eu chegar. Depois que aconteceu eu fiquei esperando no lugar, sem mexer, o porteiro saiu. Olhei para o céu, quer dizer, para a coluna de ar que dava no hall de entrada... E veio caindo o que parecia ser um raio-x, um exame, algo assim...
B - E o porteiro?
A - Ah, veio com um plástico e cobriu a moça.
B - A moça?
A - A fulana, a moça era a fulana.
B - Que horror.
A - Foi o que eu disse. Se o amor salvasse alguma coisa, talvez ela tivesse usado o elevador, ou mesmo as escadas... A senhora não acha, doutora?
B olha estatizada e de súbito abre uma gaveta.
A - Enquanto o porteiro cobria o corpo dela, o exame caiu sobre um pouco de sangue. E o envelope do exame, verde, caiu aos meus pés... Eu podia ter visto o nome dela, para não ficar chamando de fulana...
B estica um envelope verde para A.
A - O que é isso?
B - É o resultado do seu exame. Volte semana que vem, precisamos conversar.
A - Eu saí da sala. Entendi tudo pelo olhar que ela não me deu. Ela tinha medo de dizer que eu iria morrer. Como se por dizer isso fosse me impedir de viver, me impedir de amar. Eu desci o elevador e cheguei lá embaixo, o corpo já tinha sido tirado. Mas olhei com fixação para o chão. Deu tempo de encontrar junto à porta de saída, um resto de sangue, uma pincelada no chão. Peguei meu envelope e limpei o sangue, espesso, querendo se possível ser eterno. Limpei de novo, limpei com a mão. Avancei e joguei na lixeira o exame que não me servia mais. Estou aqui, diante de você. O que você tem para me dizer?
C junta as duas mãos e olha sobressaltado.
C - Eu vou te pedir alguns exames. Quando você os tiver, volte que a gente conversa e vê o que poderá ser feito...
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