um dia você nasce e descobre que gosta
primeiro você descobre
no dia seguinte, acaba esquecendo um pouco do gosto
porque se perde especulando o porquê.
a minha tia me disse, um dia, pela grade, no recreio da escola
não perde tempo tentando explicar as coisas
anda, vai correndo, vai jogar sua bola
eu fui
tropeçei
ralei o joelho
corri com a bola nos pés mas dentro estava travado
pensando no porquê gostava tanto do sorriso dos meninos
brincando ora de atacar ora de ser zagueiro
cicatriza, eu sei
com o tempo fica a marca
depois o que fica é só o esquecimento
aprende-se muito cedo que somos seres propensos
eu não deveria ter roubado o lápis com borracha do Mickey
mas existia em mim um gosto pela proibição
que só se curou no dia em que fui pego
com o brinquedo na mão
com o doce entre os dentes
com o coração pulando a boca
e revelando a mim
e ao mundo
que sim
eu também era gente.
tem sempre um gosto pela coisa torta que me acorda de madrugada e me faz pensar
cara, você deveria comer direito antes de dormir
comer direito para ter motivo justo ao acordar
mas dorme na boca um gosto pela morte
um gosto de adeus de azar de sorte
um gosto inexprimível
que não cabe aqui tentar ditar
deixa que o gosto profundo
confuso
há de me alimentar
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