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terça-feira, 4 de março de 2025

Aqui ao lado

Não era a primeira vez
E mesmo que fosse
Não teria sido
Isto que chamávamos
de paz.

Estar aqui
Por certo estiveram
Lado a lado
O pé dium
No doutro
esfregando-se.

Era assim que deveria ser -
ele dizia
sempre que tempo
entre os amantes
se instalava.

E o som que faz, você não gosta? -
era pergunta boba e abusada
O som desse pé meio seco, o seu,
Na minha pele tão macia -
e eles riam
e riam
e davam-se beijinhos
e boa noite, bom dia.

Aqui ao lado
é como se os amores
já tivessem se esbaldado
em cada um deles
em cada uma de suas
tantas vidas
tantas vidas.

Dizem que os amores das outras vidas -
um deles comunicou
É que fazem a gente conseguir essa façanhade agora -
completou, olho no outro, que então disse
Que façanha, tá maluco? -
A façanha que é te amar -
E amar -
E me amar -
Amor, amor, amanhã -
beijinhos de boa noite.
 

segunda-feira, 3 de março de 2025

Vaguidão

Vagueias por entre palavras
porque perdeste um sentido
para a vida

Ainda que tenhas elogiado
a mutabilidade de tudo
Mesmo que tenhas dito
o quanto a transformação
é o fim e o princípio

Suas rimas no entanto
nada te ensinam
Pois seus ouvidos
só querem os sóis

Sois sozinho
nesta sina
de sofrer tão
logo acorde

o dia

Passou
vago
Passou o dia
onde estiveste?

Perdido entre versos
que nada curam exceto
o que nada curam
exceto o quê?

Nada curam

vaguidão tremenda
vaguidão responsável
pontual e insistente
como uma desistência

que pouco a pouco
vai sendo construída
desde dentro
dentro
dentro
dentro

desistência do quê? - a fulana pergunta
ao que respondes
da vida
da vida
da vida
e do amor
 
 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

ungüento

A distração perdeu a hora

E se viesse, caso viesse,
talvez já não tivesse
com quem fazer
sua arte

As flores estão lindas
dentro de casa
Elas morrem
numa tranquilidade

De causar inveja

Invejo
a possibilidade
Deque tudo nelas
seja tão lindo
quanto essas finas dobras
e esse peso delicado
e essa nuance dos verdes
o rosa
amarelado

Como é possível
a beleza
ser tão inofensiva?

Estou marcado
querendo a pintura
talvez seja a hora

Aliviar-se do pranto
e printar
apenas isso
 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

o que fiz não foi feito

A vaga sensação
Segue vaguíssima
Angústias não dissipam 
Reinados ainda imperam

Mudo
Com lamentações 
Reclamo
Insatisfeito

Dá trabalho
Aprender a possibilidade 
De fazer tudo
De outro jeito

Cansa o novo
O velho tem suas garras
E entre um modo e outro 
Nada? 

Oscilante entre reclamar
Daquilo
E disso
Reclamar 

Equilibrado entre um desgosto e dois mais 

Seria brilhante 
Que a vida pudesse
Dizer outra coisa 
Menos

Ou mesmo mais 
Mais 
Mais
Mais 
 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

A própria vida, imaginar

Tentei desviar o poema
do rumo que à vida é dado

perdi-me

E perdi-me tanto
que já nem poema eu via
quando anoiteceu
já nem alegria
alguma
eu sabia deduzir

Foi tarde pior que o depois
quando um fiapo de resto
na finura de um verso
me alcançou
(a despeito de mim
e disse que então
eu pudesse talvez
viver com a dignidade
dos que a calma desejaram)

Jamais teria acreditado
que para ter escrito
era preciso tamanho
desconfortar-se

Escrevi agora, pois, em alegria

E mim já não me afundo
A graça deste tempo
não me acena, sequer acessa está

perdi tanto
que, enfim,
estou livre

Para o quê?

Livro-me
até quando?
 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Estoy aquí

Já sei que será aqui
onde por tanto tempo
continuarei o curso
desta vida

Aqui estou, logo aqui
onde chamarei de casa
onde direi fica logo ali
ao lado daquela esquina

Será aqui, eu sinto
onde por sucessivas noites
terei prazer e abruptos
ismos, issos e aquilos

Aqui, portanto, onde agora
fico, não como quem não parte
não como quem não vai
mas como quem não se importa

se o curso da vida
anda meio assim ou assado
se é quente ou frio
aqui eu estou agora

E bebe um vinho
e posso escrever
e há um cômodo a ser organizado

e comprei álcool para limpar
também álcool para beber
enfim
não que isso importe

mas é cedo e tarde
no reino da morte
logo ao lado
como quem enlaça a vizinhança

Se a vida soubesse o que viria adiante
ela ainda assim
dançaria essa dança

...
 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Da possibilidade

Ou colado
Ou descolado
Pensar noutros termos
Tipo ou quente
Ou fatiado

Abrir outros binómios
Outras dioceses
Talvez brindar esquecimentos
Atiçar cenouras
Aturar o sol
Barbarizar suas roupas

Deve haver algo
Que nem um 
Nem dois
Três? 

Deve existir 
Algo além de eu ser feito
Para você e você 
Para mim 

Por exemplo
Meu desejo
Heteróclito & heterogéneo
Por vezes fiel
Por vezes ventado

Deve haver neste corpo 
Outra pista de pousagem 
Que não seja 
O colapso 

Não sei 
Não sei 
Esse cheiro
É mesmo afiado
 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Larga tudo, larga todos

Que ingratidão
diriam aquelas
que doem

Basta o bâlsamo
pousar no centro
deste peito

que pronto
ele larga tudo
larga ele todos

Caso alguém
ao mundo chegasse
agora

Jamais imaginaria
que naquele corpo
pudesse existir

o medo

Larga tudo
quebra toldos
o sol em pleno

Larga todos
todos os como ele
todos os que doem

largaria
largou
largamos

Em praça pública
a dor é bonita
quando acaba

Viva o largado
copo na mão
sorriso ereto

Que bom seu amor
quando não é só
meu, mas nosso

que bom
que bom
até que outra vez\
 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

não seria um livro de poeminhas

minha vida
esta
estes poemas
são poemas?
são textos
palavras
poemas são
o que foram
o que foi preciso
que gesticulassem

minha privada coleção de gestos públicos

minha vida
nestes poemas
um suplício
entre o que foi
o que não queria ter sido
e o advento monumental
do que não cabe a mim
dizer
nem predizer
nem sequer
eu diria
aquilo que nem sequer
poderíamos conceber

caríssimas,
se estou doendo
não é que não esteja aqui
não é que não estivesse vivo
não é sequer que não
se estou doendo
é porque ainda escrevo
porque ainda escrevo
faz-se ver
dói

que horror
a dor
que bruta
que ensimesmada
que sem escuta
sem escrutínio
que merda louca
que vista espessa

estou exausto
 

Engano

Enganei-me
partilhando uma paz
antes mesmo de tocá-la
Feita uma ou duas curvas
lá eu estava
morrendo
sem graça nem altar.

Seu amor me pede
que vá um pouco mais para lá
me pede, o seu amor,
que às vezes fique mais de longe
mais
um pouco mais longe
mas nada é dito

Seu amor pede silencioso
que meu amor seja comedido
por isso estou doendo.

Com demora, sem jeito
ou orgulho, rachei-me inteiro
tentando entender a paz
do seu harmonioso tranquilo,

não deu.

Resisto comedido
comendo a poeira
que o diabo peidou
estou doendo
eu estou doendo, meu amor

E não há imaginação
que toque na sua tranquila paz
é brutal, não seria?
imaginar que enquanto um amante dói
o outro possa erguer um copo
e brindar à vida

que merda
que baita merda

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Sustentado do chão

É curioso sobreviver.

Em tantos minutos depois
o corpo já não grita
as estranhas quase ficam
entediadas
É curioso sobreviver à vida
e continuar vivendo.

Quando tomaste a decisão
quando disseste o que foi dito
por dois ou três tremores
forçosamente esquecidos
teria sido como o fim da vida

mas observem, caríssimas
ele ainda está aqui

Agora sobre a cama
o vinho ao lado
o íntimo não bêbado
nem todo avariado
mas é como se

a lágrima quisesse virar rio
dar rasteira
atropelar o cansaço deste tempo
para dar a ver
cansaço maior

oh, amor

que canseira.
 

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Do Inalcançável

Enquanto escrevo
olho em sua direção
A vista, no entanto,
acaba antes do seu fim

Você continua
em sua paz agitada
na sua dança toda coerente
e revolta, você continua

como quem despetala
como quem dobra
como quem sobrepassa
como o que existe

Você existe
e diante de ti
agora com você
cá na minha vista

minha sensação
de ser neste mundo
fica toda mexida
eu me perco

Minhas dores diminuem
mesmo que por um pouco
um momento que mesmo não
eu confio

no movimento
céu no chão
chão de água
oh, mar

Por que insistes em continuar?
 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Triste

"estou triste
tão triste"

e a tristeza
de um não é
a do outro

estar triste
assim absorto
a quem serviria

o mundo vejo
tudo meio tolo
que cansaço deste

enjoo
meio assim meio
culminância

antes era
possível depois se
tornou ânsia

ânsia

desde então
que tristeza que
tristeza ninguém

dança

todos dançam
todas dançam
todas dançam
 

paralelo

tá-se mal tá-se junto
ao que te faz bem
mesmo o sol
olha ali a chuva de ontem
inda acumulada

lado a lado
embaixo do cima
no cimo do fundo
haveria de persistir
esta espécie de murmúrio

um negócio
coisa inominada
uma perturbação leve
quase besta
mas alada

e lá vai ela
esvoaçando meu tormento
agitando suas céleres asas
alimentando meu mau tempo

que momento, senhoras e moças,
que indescritível momento

aquele no qual um homem
tranquilo, apesar das vestes tão pretas
aquele no qual ele
reage a tudo e a quase todos
de um jeito mesmo

que parece
que parece
um jeito que padece
padece
cada
cada
cada mesmo

que momento!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

enxame, inchada



atravessamento

confesso que foi abrupto
o surgimento do soluço
um risco uma seta um susto
abrupto, devo dizer, foi abrupto

uma tranquilidade
para alguém
neste mundo
seria intranquila
despropositada
seria esquisita
devemos reconhecer

as imaginações povoam o corpo
com pensamentos cujas imagens
desfalecem o ânimo
como continuar?

estar assim assado
atravessado ao meio fatiado
meio no espeto meio perdido
nunca dantes tão avulso e autoritário
amedronta

(o que podemos resgatar de tantos aprendizados vida adentro?)

[ora, talvez, dar-se o direito de um baita foda-se, foda-se essa merda
vai cuidar da sua vida no que ela houver de menor e mais pequena
assim na redundância vai cuidar do seu, só seu, sem ninguém
você conseguiria?

pegar o trem e te levar para passear
comprar-te um presente
se aliviar do medo que, por vezes,
parece ser existir?]

magoou-te o amigo
magoou-te o namorado
a mágoa veio a galope
até com o resto de quem já nem faz parte

que momento, meu amigo, que momento

domingo, 2 de fevereiro de 2025

O som que faz

Eis um termómetro
talvez,

O som que seu ronco faz
a mim traz paz, 
não sei

Dizem que os apaixonados
se enganam dado o imenso 
amor, 

Talvez, talvez, honestamente, 
o som que seu ronco faz
ao meu lado 

Faz tanto mais, tanto mais que simples ruído 

Dá-me a tranquilidade de vossa companhia 
Dá-me a repetição do seu algum cansaço, 
Dá-me o calor do seu corpo após longo dia, 
Dá-me um prólogo, seu ronco, de um breve enlace por mim tão desejado, 

Não sei, não sei, mas queria te contar 
O som que seu ronco faz é lindo
E se eu quiser pausar o barulho que por ele é feito, 
eu toco em ti, meu amor, 
como quem oferta um beijinho

E pronto, nem sei, nem sei, António, 
é tão bonito

A possibilidade, essa intimidade, fico todo mexido. 
 

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Da mudança

Não muda
Aquilo que continua
Diriam que é porque é 
Que foi porque foi 
Que assim estava posto
e ora
Discussão encerrada. 

Aquilo que não muda
não continua. 

Continuar seria como transformar-se,
na urgência calma de um estrondo, 
continuar seria uma sucessão de tropeços, 
seria um sucesso no sentido da imperfeição, 
continuar continuaria tudo menos o mesmo.

Ante ao estranho 
Que sua casa invade 
Você pergunta se isso
Ou aquilo, o estranho 
Ele te olha e quer saber 
Sua disponibilidade 

A quantas anda? 

Você olha em direção ao subsolo 
Um armário no tempo
Uma flecha quebrada 
Sua disponibilidade pano furado
Prateleira nunca consertada
Seu dispor a si mesmo
Torneira velha, goteira acostumada 

O estranho te convida 
Vamos? 

Não muda 
A vida insiste 
E a sua ignorância sobrevive 
Ou você tenta
ou se engana 

Você se engana 
Você se engana 
Você se engana
 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Começa-sempre

O nome diz tudo.

O nome esconde. 

De longa expressão 
O começa-sempre
Vira abrupto o mesmo
Sempre o mesmo. 

Mas o sempre
Nada mais faz que não 
Incessantes inícios 
E continuações. 

Mesmo que não, 
Mesmo que não mais, 
Ainda assim, o começo 
Assegura algo que não estava cá. 

Li ontem que um rapaz morreu. 
Rapaz que não conhecia.
Rapaz que cumprimentava-me
ao cruzarmo-nos pelas avenidas.

Esta cidade
Dá início até ao fim. 

A ele desejo outro recomeço. 
Não o conheço, não o conheço, 
Mas a ele desejo
um baita sorriso quiçá 

Um beijo.

¬ para D. P.
 
 

sábado, 11 de janeiro de 2025

Home

Com atraso descobririas que sim, tens tu também família
Não falo das amigas, gente nova reunida 
Família eu digo como mãe, pai, irmão e irmãs, tantas netas e os netos, sobrinhos tantos e tantas tias 
O que mudou? 

Como quem toma um medicamente forte, pura química 
Ontem estavas sem nervos para sustentar velhas armas 
Foste assim engolido pela lida diária 
Falaram disso e da fila do mercado 
Do fulano e seu fim nefasto 
Quanto antes já havia. 

O atraso é saldo de certeza acumulada. 
Certeza feito Deus, velha e mais que empoeirada. 
Certeza assim feito chicotada. 
Assim feito da ditadura militar à democracia e você nada, você nada.

Ser pontual num evento que você poderia simplesmente faltar.
Presente sem certezas nem embrulho, estou aqui, ela diz, o que você precisa me contar? 
Nem toda a vida será a mesma. 
A sabedoria as crianças pressentem.
Faz tantos anos desde o fatídico desencontro. 

Algo mudou. 

Agradecemos, tranquilas e sem enganos.