Resta uma dúvida.
Depois de limpar a casa
de passar o café
de juntar as roupas
e de empilhar os papéis
Resta uma dúvida.
O desconforto do corpo
acostumou-se
A desilusão da coluna vertebral
também foi assumida
O ressequido dos olhos
é evidente
mas restou uma dúvida
firme
dúvida forte
persistente
Para quem?
Para quem o poeta escreve?
Se escreve para a mãe morrida
para a família
Para os amores
que ainda não todo se acabaram
Se escreve para os sonhos
para as asas
Para as crianças que um dia
quer ser o poeta pai
eu não saberia precisar,
só que sobrevive
a dúvida
Para quem escreve?
O poeta não sabe sequer por onde começar.
Mas começa.
Ela traça uma linha
a linha o mira
e ele se impacienta, afinal
é necessário saber o destino da rima
mesmo quando ela é ainda tão precoce
e ingênua?
Deveria ele saber?
Eu, deveria eu saber
(caso estivesse em seu lugar)?
Para quem escrever?
O poeta se pergunta
e enquanto isso
eu, aqui, agora, a mirá-lo
eu apenas contemplo uma certeza
a dúvida dele
é aquilo que o alimenta.
só que por tanto duvidar
o que se deu nele
foi o esquecer
já não sabe para quem escreve
mas escreve mesmo assim
crente que no caminho da escrita
possa um dia voltar a entender
Para quem escreve
Para quem escrever.
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