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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Eraserhead

Faz sentido pra você? Agora faz?
Talvez um pouco, amiga. Um pouco mais.
E tá tudo bem?
Não é que não esteja.
Mas tá?
Não sei dizer.
Ainda nessa? De achar que estar mal é estar mal?
E não é?
Não precisa ser.
Como não?
Você não aprende nada com tudo isso?
Deveria, né?
Poderia.
Posso.
Você pode aprender.
Bem que eu queria...
E então?
Eu queria, sem machucar ninguém, eu queria\
Então faz acontecer.
Sem machucar\
Não precisa machucar. Basta\
Ser sincero?
Exatamente.
Como sempre fui?
Como quase sempre você foi.
É difícil. Mesmo assim, é difícil.
Nunca não foi, Diogo.
A gente se engana.
A gente se apaixona.
Mas de súbito, assim, tudo desmorona.
Tudo desmorona. A gente se apaixona. Tudo desmorona.
É o ciclo.
Sem fim.
Beckett, né?
Em algum momento da sua vida, você aceitaria que sim.
Beckett.
Não é?
É sim.
E como você tá?
Tô em outra. Tô distante de vocês. Acho que sequer sou lembrada.
Faz tempo. Vai completar 10 anos já.
E você pensa em mim?
Quase nada. É verdade.
Viu?
Não vai com força a coisa toda, né?
Nem pra morrer foi com força.
Não foi?
Foi leve pra mim.
Não é possível.
Leve e horrível. Pesado e tão simples. Todos os comprimidos.
E não acordou nunca mais.
Nunca mais?
Não sei.
Estou aqui. Na futuridade. Conversando com você em mais uma postagem nesse blog velho.
Ele tá velho.
Você também.
Você tá bem?
Isso importa?
Sei lá. A manhã deu em chuvoso. Talvez fizesse todo o sentido ter essa conversa com você.
Que bom.
É.
Não é?
Pode ser.
Quer me falar o quê?
Lembro daquele dia. Um dia quase perto do fim. Que saímos da aula e eu te trouxe cá para casa (ainda esse mesmo apartamento, apesar de ter mudado a disposição dos móveis e a tinta das paredes). Te trouxe porque senti que você precisava de abrigo, de mim, talvez, de um amigo. E tudo foi tão violento. Você tava medicada, mas me dava também a sensação que estava se divertindo com aquilo tudo. E não tinha graça alguma. Você tava ríspida, foi ríspida comigo, eu fazendo comida pra gente, sei lá, tava tentando ajudar e você toda pontiaguda. E eu me esforçando pra entender que você tava mal, não eu, que eu podia aguentar tudo, você é quem não tinha condições. E amanhecemos no dia seguinte, lembro de seu rosto remelento, eu todo confuso, lembro que o dia começou e você partiu e depois, depois dessa minha tentativa de fazer diferença, de te ajudar, depois eu já estava num ônibus, cruzando a Presidente Vargas, e o Ramón me ligou, perguntou onde eu estava, eu disse que num ônibus, ele tentou disfarçar, eu disse que falasse, fala, Ramón, pode falar. E então ele disse que você tinha tomado todos aqueles comprimidos e que estava no hospital, meio de coma, sei lá, mas já meio longe, meio distante e depois disso foi só no enterro, só no enterro, vendo seu corpo num caixão fino sendo enterrado meio na lama, nem tanto na terra, foi só isso.
Você lembra dos detalhes. Eu lembro daquele pirulito gigante, lembra?
Lembro também.
Ficou bonito com a cor da minha pele.
Ficou mesmo. Tirei até foto.
Deve estar perdida em algum HD queimado.
Pois é.
Está tudo bem, meu querido.
Não é você quem está falando comigo, não é mesmo?
Não. É você quem escreve. Mas sou eu junta, ao mesmo, eu sou tudo isso.
E está tudo bem?
Precisa estar?
Feliz por te lembrar, por falar com você, foi de surpresa.
Assim é que é bom.
A saudade que senti agora, por você, é gostosa de ser sentida.
É.
Um beijo em ti.
Outro em você.
E na Madeleine.
Onde ela está?
Não sei. Talvez com o Luquinhas. Não sei.
Pois é.

Com e para A. Dória.

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