Marcelo surge. Coloca entre as mãos, como fosse relíquia, a garrafa de vinho passada. Senta-se em sua poltrona.
Marcelo – De antemão, a culpa é minha. Não é bem culpa. Mas a coisa em si, ela é minha. Toda minha. Eu desenterrei os cadáveres, eu fiz durar mais do que devia este gosto aqui na boca, esse... Essa... Isto. Isto que a cada segundo em mim pediu abrigo e eu sempre dei. Agora é tarde. Eu não fui forte o bastante para construir casa casamento nem cachorro. Comigo nada disso valeu. Disso nada valeu comigo porque eu fiquei parado no dia em que a gente rompeu. Parado no dia em que a gente aqui neste mesmo lugar se deu e doeu, para se dar outra vez, só que enfim, por vencidos.
Vitória sem vencedor. Sem abrigo, sem aperto, vitória sem abraço é triunfo sem sentido. E agora esse reencontro por mim proposto. Por mim de novo. Para encontrar outra vez essa lembrança tão presente tão quente, mas sem destino. Nem todo gozo vai esquecido porque nada se foi completamente. E é minha. É culpa. Eu cultivei todo o resto, guardei todo e cada abraço perdido. Como fosse trilha, vestígio. Lembrança regada a cada dia é memória recriada e repetida. É, pois hoje, minha memória a minha vida.
Um presente que me dei.
A necessidade da fome. A culpa. A fome, eu sei, ela é minha. Significado, motivo: não há. O que resta hoje são lembranças mexidas, já deturpadas... Lembranças com cheiro, com gosto, com asas. Lembrança é porto-seguro. É desde sempre chegada. Eu parei de buscar. Eu me permiti ceder. Ser sede, fome, sede, ser fome. Corpo-sede do que este encontro de novo outra vez poderá fazer nascer... Ou brotar... Ou surgir
Marcelo se ergue da poltrona, deixando a garrafa sobre ela e avançando ao limite. Estático, mira o céu escurecido e contempla o movimento dos astros.
Marcelo – De antemão, a culpa é minha. Não é bem culpa. Mas a coisa em si, ela é minha. Toda minha. Eu desenterrei os cadáveres, eu fiz durar mais do que devia este gosto aqui na boca, esse... Essa... Isto. Isto que a cada segundo em mim pediu abrigo e eu sempre dei. Agora é tarde. Eu não fui forte o bastante para construir casa casamento nem cachorro. Comigo nada disso valeu. Disso nada valeu comigo porque eu fiquei parado no dia em que a gente rompeu. Parado no dia em que a gente aqui neste mesmo lugar se deu e doeu, para se dar outra vez, só que enfim, por vencidos.
Vitória sem vencedor. Sem abrigo, sem aperto, vitória sem abraço é triunfo sem sentido. E agora esse reencontro por mim proposto. Por mim de novo. Para encontrar outra vez essa lembrança tão presente tão quente, mas sem destino. Nem todo gozo vai esquecido porque nada se foi completamente. E é minha. É culpa. Eu cultivei todo o resto, guardei todo e cada abraço perdido. Como fosse trilha, vestígio. Lembrança regada a cada dia é memória recriada e repetida. É, pois hoje, minha memória a minha vida.
Um presente que me dei.
A necessidade da fome. A culpa. A fome, eu sei, ela é minha. Significado, motivo: não há. O que resta hoje são lembranças mexidas, já deturpadas... Lembranças com cheiro, com gosto, com asas. Lembrança é porto-seguro. É desde sempre chegada. Eu parei de buscar. Eu me permiti ceder. Ser sede, fome, sede, ser fome. Corpo-sede do que este encontro de novo outra vez poderá fazer nascer... Ou brotar... Ou surgir
Marcelo se ergue da poltrona, deixando a garrafa sobre ela e avançando ao limite. Estático, mira o céu escurecido e contempla o movimento dos astros.
Trecho inicial da peça GUARANÁ CEREBRAL, de minha autoria, cuja estreia acontecerá em JULHO, no Rio de Janeiro.
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