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sexta-feira, 19 de novembro de 2021

turva tudo

como um vício
gordura na louça
dente no íntimo
como vício
essa ladainha
de ver morte e fim e tanto é precipício

diria ser forte
diria ter coragem
diria que é isso mesmo
mas não
não

tu és apenas outro um covarde

amas a vida tanto
amas tanto as pessoas e as coisas
amas tanto as palavras
esses poemas desajustados
amas tanto que és medroso

não saberias partir sem chorar

então chore
chore que a coisa continua
chore que a coisa sobrevive
chore que a vida continua se escrevendo
e há muito ainda muito ainda

tudo turvo
tudo feito vício
colado no olho
lambido o íntimo
tudo tudo tudo turvo

como estou no mundo agora
um lodo grosso e fino
pegajoso pecaminoso
o fim faz-se início
caminho caminho eu caminho

Talvez para nada

Talvez você pudesse
através dessas palavras
se olhar com mais calma
se ver melhor
se cuidar com mais garra

As rimas não ajudariam
elas atrapalham
mas talvez você pudesse
talvez você possa
talvez para nada

Haveria um dia
em que cansado após tanto
você se lembraria do quanto
tentou se dedicar a isso
que hoje está morto

Num dia, talvez,
você percebesse
que a vida tinha esse tom
essas curvas, aqueles meandros
a vida é tanto, tão baixa, tão pranto

As rimas não ajudariam
elas não mais funcionam
o sol deu-se frio
a luz te dá sono
a companhia te envergonha

Estás com quem agora?
Haveria de se perguntar

Estás com quem agora?
E talvez com ninguém
talvez por coisa alguma
talvez por nada
você, então, responderia

Estou comigo
Eu estou comigo
Eu realmente estou aqui
e estou acompanhado
Eu estou comigo

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Tá-se como?

Não não
Bem não se está 
Está-se mal, confuso, 
Confusado
Não mesmo 
Bem não se está 
Está-se péssimo, doendo, 
Vivíssimo. 

(Por vezes se esquece que as coisas da vida acontecem mesmo em vida. Esquece-se que as coisas da vida são também aquelas chatas, terríveis, descabidas. Pois se é em vida que as coisas da vida acontecem, que posso eu que não vivê-las?) 

Daí passa um dia 
Está-se bem, pergunto-me 
Não não mesmo
Dois três quatros dias 
Estou como? 
Todo enjoado por fora e por dentro. 

Penso na morte 
No sofrimento 
Penso no impossível 
O tormento não existe inteiro 
Mas meu pensamento 
O agiganta.

(O medo. A consciência. O medo de tomar consciência de tudo aquilo que eu não gostaria de saber, de tudo aquilo que eu não gostaria de ter que me preocupar. Estou vivo, eu me repito. Parece tão pouco. É tão ingrato. Queria mais. Queria perceber melhor que isto que vivo agora é a vida sendo vivida, a vida morrendo e brilhando, sendo inteira e já partindo.)