Ele estava com o olhar perdido, mas firme. Olhava não o simples a sua frente, mas o imenso que o simples pode trazer consigo.
E então uma moça veio em sua direção. Era rua, noite, cidade, ele estava sentado mastigando um sanduíche de salame e ela se aproximou. Ele recobrou o olhar e retirou apenas um dos fones do ouvido. E ela lhe disse: "você é muito bonito".
Ele sorriu leve, disse "obrigado" e então ela partiu.
Daqui onde eu o vejo, fico me perguntando o que poderia manifestar sua beleza. Ele está cansado, meio suado, bebendo uma cerveja e mastigando lento um sanduíche ordinário. O que pode fazer desta criatura algo assim merecedor de tal intempestiva afirmação?
Penso se é porque ele está apaixonado. Mas pelo o quê? Não é um amor humano. Não pode ser. Quero dizer: ele está apaixonado não por alguém, mas pela vida em si. A vida, mistério sempre rachado e exposto.
Lá para onde ele olhava antes de ser atravessado pela moça que passou pela calçada, o que lá havia que nutriu sua beleza? Havia contemplação. Nem antes nem depois.
A contemplação sustentando o pulso de um mundano e qualquer coração.
Ele agora limpa as mãos sujas do limão que espremeu sobre o sanduíche. Ele enche novamente o copo com mais cerveja. A beleza nasce dele e nele mas é toda do mundo. Sua beleza só reluz porque hoje há fora.
Aqui de onde eu o vejo, ser belo é ser amigo do instante que te faz. Cansado, suado, recém saciado, acendendo um cigarro, eu sou bonito, não porque sou, mas porque ser belo é estar por si mesmo abraçado.
Eis o fascínio da solidão.
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