às vezes eu me pego pensando
se eu não tivesse sido tanto assim quanto fui
talvez esse sangue já tivesse secado
talvez já tivesse parado de escorrer
se eu não tivesse dito tantas vezes o mesmo
talvez o corte tivesse sido corte apenas
e nada de cicatriz nem tatuagem
tudo seria esquecido e ultrapassado
tudo seria feito fase
se eu não tivesse respondido a tudo
e tivesse apenas me ausentado
como quem olha para frente
quando falam com você pelo lado
às vezes
- e hoje foi uma vez dessas -
vindo dentro do ônibus
olhando a madrugada esticar suas pernas
eu pensei como a minha dor dói mais pelo fato do compartilhado
pelo fato
duro e simples
do tamanho do nosso amor
hoje olhando pela janela do ônibus em que eu ia
contei os andares dos prédios que cruzavam o céu
contei até a sua idade
e percebi que o número dela era o do andar
o número de anos vividos
foi o mesmo dos andares a despencar
o peso que hoje me forja
é talvez o dessas toneladas
é talvez o peso indescritível
de descobrir que quanto mais se ama
mais dor se acumula
como se amor fosse dor
e dor fosse a cura
para os que amam sozinho
na mesma manhã de domingo
em que eu inventava ficções
você furava o céu
escrevendo a sua realidade
para além do que os meus versos
hoje
são capazes de apreender
...
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