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domingo, 29 de setembro de 2013

Filhote,

Papai voltou a ser criança

Fiquei do seu tamanho
pequeno, é verdade
nem tão gordo
nem tão esperto

Estou bebendo vinho
o dia inteiro

Lavei roupas
na máquina
que tanto te assustava

Mas agora
fui à cozinha
abri a geladeira para um pouco de água
E não te encontrei

Você não veio se coçar na minha perna
não veio falando baixo
como se dissesse
pai, me ama um pouco mais
hoje tá frio
e amanhã você viaja cedo
outra vez,


Eu te perdi, meu filho
Perdi você inteiro
num susto
num segundo

E só agora me veio todo o peso

Estou chateado, meu pequeno
queria ter te cuidado
mais e mais
e ter afastado os perigos todos desse mundo

Meu corpo dói
muito
Dói tudo

Amanhã viajo
ficarei uma semana fora
e voltarei querendo subir as escadas
e sentir sua sombra
atrás da porta
me esperando para contar
todo o seu dia
todo o seu tempo
sua forma de viver
e ser

em si próprio

a poesia mais gigante
e mais pequenina
que eu já conheci

Tudo foi tão rápido, Nanquim

Que eu tenho medo de fechar os olhos
e me perder da vida

Te amo, filho

Que triste tudo isso.

Levo na memória
seu rosto pequeno
indo e voltando
coçando-se
na barba preta
do meu rosto branco de pelos
após tantos gracejos.

Te amo, meu filho
Mesmo sendo tão triste tudo isso.



   

sábado, 28 de setembro de 2013

Arranho

Não foi como um sopro
apesar de breve
não foi leve
foi bruto
sujo
susto rouco
Eu perdi o meu gato
ele morreu hoje à tarde
Eu não sei o que fazer
dentro de casa
entre os seus pelos
voadores,

Tenho
tive
Tenho
tantas sensações imprecisas
Tanta coisa
me dizendo
aquilo que é
que não é
nem poderia ser,

Meu peito dói
minha capacidade de amar aumenta
mas e o cuidado?
Culpo-me em silêncio
para não exceder o tamanho da possível culpa
que talvez eu tenha
eu não temo ser culpado
É só que foi tão bruto
tudo foi tão rápido,

Meu filho
meu gatinho
imenso
peludo
animado
Foi embora sem me deixar lágrima capaz de contê-lo

Infeccionou-se brevemente
e ficou um dia mudo
parado
deitado sobre o tapete do banheiro

Cheguei em casa e falei
perguntei
fiz carinho
E nada

Liguei então para a veterinária.

Embrulhei meu filho
numa toalha toda colorida
Embrulhei e fui com ele no colo
atravessando as ruas
de cada avenida

Cheguei lá
e ele foi tratado
Estava com infecção costumeira
mas que em meu filho
Nunca antes havia morado

Deixei-o no soro
dormindo fora de casa
com o cuidado
(talvez duvidoso)
dos outros

Como saber?

Dormiu lá
Daí que acordei e liguei
para saber
Estava bem

Esteve bem
melhorando, segundo a segundo

Fui trabalhar e no instante de um segundo
me toca o telefone
para me informarem o improvável

Meu filho havia falecido

Fiquei mudo

o cigarro que fumava se apagou

Algo estranho em mim se plantou

até agora

Estou tentando

mas não vou conseguir

Quero dormir

e acordar entre pelos
num sonho impossível
onde eu seja um bicho
entre os seres gatos
imensos
poderosos
e cheios
cheios
de alguma indiferença
a lá raça humana.

LaborAtorial estreia hoje!