Pesquisa

sábado, 30 de junho de 2012

o fundo da noite

por vezes
a duração de um dia
diz respeito apenas
ao restar.


já não importa
se cedo
ou tarde
importa apenas
durar para além
dos segundos.


criar raíz
no silêncio da passagem
dormir com peito cheio
peito inflado
ansioso por fim
ansioso por ser
museu em si lacrado.


dorme em paz,
durma bem esta noite
deixe-se dormir sem parar
avance destemido
sem medo do mundo da noite


por mais que você o procure
sabe-se desde ontem
não irás
nunca a fundo
o tocar.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

JUSTO UMA IMAGEM

Texto a partir do espetáculo JUSTO UMA IMAGEM, de Denise Stutz e Felipe Ribeiro.

--

Estou faz semanas querendo sentar para escrever as palavras que agora escrevo. Assisti ao espetáculo de Stutz e Ribeiro no Teatro Estadual Gláucio Gill e, desde então, é como se tivesse meu corpo assumido certa impaciência expressa num olhar mais afiado e numa escuta mais duradoura. JUSTO UMA IMAGEM se apresenta como um espetáculo que une cinema ao vivo e dança contemporânea a partir da obra do artista Jorge Selarón (que para quem não sabe, criou a tão famosa escadaria do Selarón, na Lapa/RJ). Porém não é sobre isso que me interessa falar. Aqui escrevo, sobretudo, para abordar o poder da imagem e o poder que é o seu próprio auto-questionar, o seu próprio esboroar.

Se é o corpo da performer ou sua sombra escrita ao fundo do palco, já não sei dizer. Meus olhos transitam no jogo possível que é a imagem. Não sei definir conceituar nem mesmo defender uma ou outra visão do assunto. Contento-me em ver. A imagem baila a minha frente. Ela não precisa de manual para se fazer presente. Por isso transito. Como num quadro exposto ao fundo do teatro, a atriz esboça tintas via movimento. A iluminação do espetáculo acentua os vetores as linhas e direcionamentos. É uma poesia concreta e ao mesmo tempo tão impalpável. Por tanta linha em curso (a começar pela tábua corrida que dá chão ao teatro), eu me pego pensando que tudo talvez não passe de uma questão de opinião. De linha. De qual fio eu escolho para seguir.

JUSTO UMA IMAGEM se apresenta revestido em doçura. Em corpo exposto mas gentil. É, no entanto, jogo que te traga para o dentro de suas oníricas realidades para, em seguida, te expulsar, refém do próprio estranhamento. O encontro nosso com a imagem ali escancarada abre outro destino ao pensamento: trans…forma. A relação criada entre texto e corpo é sutil e diversificada. Seja porque Ribeiro pronuncia o seu texto enquanto Stutz dança suas palavras. Seja porque Stutz dança o seu corpo e faz com que as palavras saiam de sua boca também dançadas. O texto e o corpo não nasceram colados. Nesta peça, isso fica muitíssimo claro. É tudo uma questão de encontro (ou não).

Divulgação.


A imagem ali posta e contra a parede (do palco) pressionada, escorre o seu desejo totalizante. A imagem não apenas quer se dizer, a imagem quer dizer e ser interpretada. Quer ser entendida. Ou seriam meus olhos? Seriam meus olhos que acostumaram a amar o vermelho? Ou amam o vermelho para disfarçar o medo do sangue e da carne? Mas donde foi que eu tirei que aquilo é aquilo e não isso? A sequência das cenas ou movimentos me levam a detectar em mim um automatismo que eu já sei deter, um jogo pronto que eu já conheço em mim, mas - eu percebo - é sempre bom se voltar contra ele. Mas age, durante a revelação do espetáculo, age sobre mim uma espécie de desfibrilador de brinquedo, que dá choque preciso em pontos nevrálgicos da minha consciência. JUSTO UMA IMAGEM me faz querer dançar não o sentido, não a imagem, mas sim a forma pela qual eu os atinjo. Minha cognição sai toda atrapalhada. Fiquei burro na pista de dança.

Daí já não sei dizer do cinema, quiçá da dança muito menos do artista que compôs a longa escadaria da Lapa. Importa a mim ser corpo à denúncia expressa no título da peça: JUSTO UMA IMAGEM que te escraviza e que te embala. JUSTO UMA IMAGEM é capaz de muito e também de nada. JUSTO UMA IMAGEM como intersecção plena entre a justeza do sentido e embriaguez do corpo que o abarca.

De nada. Saí da sala de espetáculos e disse aos amigos que não sabia de nada. Que preferia não falar, por um tempo. Saí já desacostumado, vertendo a mim mesmo outro caminho que nunca a mim tinha anunciado. Dizia deixa que depois eu comento, deixa para pensar depois. A peça, em sua medida, me agiu a mudança sobre o pensamento. Me fez pensar sobre o porquê deste gesto. Sobre o porquê de um, dois, três, vários acostumamentos.

O corpo de Stutz fez música não porque cantava, mas porque dançava tanto que fez titubear os pelos, nascendo disso poesia sonora e corpo-catavento. As falas de Ribeiro, por sua vez, por mais que fossem texto explícito e declamado, vinham junto às imagens tramando desacordos, desmontagens e demolições. Eu não sei se estas minhas palavras dizem o que gostaria de expressar. Mas eis aqui, desta forma, neste arranjo e com estas cores, certa imagem turva da impaciência sincera que o encontro com a arte me provoca.

--
JUSTO UMA IMAGEM
ficha técnica:
criação: Denise Stutz e Felipe Ribeiro
direção: Felipe Ribeiro
intérprete:  Denise Stutz
vj-ing: Felipe Ribeiro
direção técnica: Daniel Uryon
produção: Samuel Paes de Luna

últimas apresentações:
de 09-31 de maio - qua e qui às 20h - Teatro Glaucio  Gill - Copacabana - Rio  de  Janeiro

prêmios e editais contemplados:
recebeu subsídios do Programa Rumos Itaú Cultural de Dança 2010
foi contemplado no Edital FADA 2011 de circulação da Prefeitiura do Rio de Janeiro
--

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sisudas Palavras


Acredito que elas possam capturar
Algo que fique
Por acaso
Perdido no ar.

Acredito que possam expurgar
Algum pedaço de dor
Que não consegui
Em mim
Matar.

Acredito tanto que possam
Algo que eu não saiba ser
Que talvez tenha
Acostumado
A tê-las mais em mim
Do que eu em você.

Tanto nelas acreditei
Que me esqueci de viver
Escondi-me de ti
De te olhar
De te ver
Que hoje sou só
Apenas eu e elas.

Elas que me conhecem mais
Do que ninguém
Que me entorpecem
Dizendo outras
Que não são você
Nas quais você não cabe
Nas quais não pode
Você
Ser.

São palavras
Nas quais me detive
Quando estive só.

E só,
Não pude só me ver.

Por isso corri linhas
Saltei versos
E nelas,
Palavras,
Fui respirar.

Hoje,
Se me sufocam
É, pois você também
Tira-me o ar.

Hoje,
Se me sufocam
É, pois cansei de te inventar.

De sentar-me com elas
E entretendo-me ao amor
Criar outras faces
Que não essa
Sisuda
Que você tem.

A realidade ultrapassou
Tudo o que elas foram
Um dia.

O suor do meu amor,
Abatido amor,
Faz-se num cheiro
Que não se explica
Por isso nem eu
Aqui
Vou tentar.

Acredito que tenham dito
Muito do que sou
Ou fui
Ou quem sabe
Um dia será.

Mas, hoje
Quando me vejo assim
Posto em palavras
Dôo por reduzir-me
A existência
Em diversos arranjos
Que não me dizem por inteiro
Que não são feios como eu
Que nem são belos
Feito o que conservo
Dentro de mim
E que só pode ser
Algo mais do que
O meu amor por você.

Seja você qualquer outro nome
Que essas palavras possam escrever.