Marcel - O nosso nome...
Marceau - O que é que tem?
Marcel - Parece o mesmo. Mas, não é. Eu sei...
Marceau - Não é. E também não acho que pareça. Além do mais, somos muito diferentes.
Marcel - Ache uma diferença aqui em mim?
Marceau - Diferença como?
Marcel - Como! Diferença! Algo que em você é de um jeito e em mim é de outro.
Marceau - O seu nome?
Marcel - Não. O nome não serve
Marceau - O que é que tem então de diferente se o nome não serve?
Marcel - O nosso nome...
Marceau - O que é que tem?
Marcel - Parece o mesmo. Mas, não é.
Marceau - Eu sei...
Marcel - Sabe nada.
Marceau - Às vezes, acho mesmo que não sei.
Marcel - Só às vezes?
Marceau - Quase sempre. Me dá um copo de água?
Marcel - (servindo-o) Aqui está.
Marceau - Obrigado. Acho que o fato de você me servir muda tudo.
Marcel - Tudo o quê?
Marceau - Tudo o que existe entre eu e você. Eu digo, quebra uma possível hierarquia...
Marcel - Você usa essas palavras... Sabe o que significam?
Marceau - Li uma vez. Devo ter esquecido, porque? Não funciona? Te agride?
Marcel - Não. Até que parecem exatas.
Marceau - De onde você tirou essa água?
Marcel - Do vasilhame.
Marceau - Qual vasilha?
Marcel - Do vasilhame. Da planta violácea.
Marceau - Você me deu água de planta?
Marcel - Ora, qual o problema?
Marceau - Essa água tá suja!
Marcel - Não não está.
Marceau - Eu não vou te explicar de novo.
Marcel - Eu não quero ser explicado.
Marceau - Você não tem jeito.
Marcel - Mas você agora tem cor. Vê porque te dei a água?
Marceau - Me dá um espelho?
Marcel - (colocando um óculos e fazendo nele Marceau se refletir) Vês?
Marceau - Em volta do olho, você diz?
Marcel - Começou no olho, mas o seu pescoço violácea.
Marceau - Violácea?
Marcel - Não é lindo? Eu escolhi da planta exata. Combina com você.
Marceau - Certo. Combina sim. Certo. Isso sai?
Marcel - Não sei se devo te dizer.
Marceau - Eu sei. Repito. Isso sai?
Marcel - Quando virar flor de enterro. Sai em menos de um dia, vai saindo feito degradê.
Marceau - Quando eu morrer.
Marcel - Você pode enfeitar meu enterro.
Marceau - Quando eu morrer,
Marcel - Eu morro primeiro.
Marceau - Mas se eu morrer,
Marcel - Eu já terei ido. Antes, bem antes, do seu último gemido, eu já fui, amado.
Marceau - Por isso hoje lhe sou flor.
Marcel - Violácea. Que eu acho um nome diferente.
Marceau - Diferente de quê?
Marcel - De tudo. Parece até que inventamos outra cor.
Marceau - Inventamos sim. Inventamos.
Marcel - Pode dizer, eu consigo ouvir. Você ia dizer outro amor.
Marceau - Certo, vamos indo.
Marcel - Certo, dê-me sua mão.
Marceau - Meu deus, ela está rosa também.
Marcel - Não diz isso! Rosa é cor de delicado. Você tá ficando violácea. Violácea.
Marceau - Andando, amado. Andando.
Marcel - Você disse amado?
Marceau - Não. Você que quis escutar.
Marcel - Isso é possível?
Marceau - Você acabou de dizer que eu ia sarar!
Marcel - Eu disse?
Marceau - Não. Eu que quis escutar.
Partem.
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Pesquisa
domingo, 31 de maio de 2009
sexta-feira, 29 de maio de 2009
Por um simbólico que dê conta desta vida
Aqui dentro de casa um silêncio sem fim. Abro o bolso da mochila, tiro de dentro um maço de cigarros. Onde está o isqueiro? As coisas todas querem se perder. Nada assim parece tão descarado em se falando do meu fim. Mas eu procuro, eu revolvo os móveis, eu acho junto à caixa de velas semi-usadas uma menor, de fósforos. Risco um deles no meio da sala escura. Acendo o cigarro. As janelas estão fechadas.
Avanço à primeira delas. Surpreendo-me, já é noite. E mais, chove plenamente o céu inteiro. Avanço rumo ao quarto. O som alterna-se feito meu compasso. Eu queria ser música, mãe. Não queria ser carne nem osso. Queria ser compasso verso estrofe e não estorvo. Eu sigo até a janela do meu quarto. Arreganho a sua abertura, queria se possível que se escondessem as janelas por dentro das paredes e me fizesse dormir dentro mas sob este céu que cai. Este céu hoje está caindo.
Eu me encosto nesta parede de tantas vezes ali encostado. Vou fumar mais um cigarro. Mais um cigarro. Eu vou fumar. Ninguém disse não ninguém falou nada apesar de todos já me terem dito. Mas no final das contas sou eu quem digo. Eu fumo, eu me precipito. Eu ouvindo mais uma de todas essas canções fico pensando em qual delas posso eu ser. Eu preciso de um simbólico que me faça valer.
Chove tanto lá fora. Aqui dentro as pernas doem em profundo. Eu fumando construo dia a dia meu próprio túmulo. As pernas gritam primeiro os pés se contorcem em seu silêncio amedrontado. Eu não quero que seja assim e penso Alguém precisa me ajudar alguém precisa me ajudar. Como me tornei assim tão necessitado de ajuda?
Então eu fumo e o íntimo dói profundamente. O íntimo torna-se mais íntimo pois tudo nele fica nublado e se perdem os limites, eu fumando sou meu silêncio ampliado, disfarçado, enlouquecidamente dopado. Não quero mas continuo. Eu preciso de um simbólico não o contrário. Não há realidade que possa ser dita. Para conter a vida eu preciso de uma poesia que me faça nela mesmo ir me extravasar. Por isso chove tanto, eu começo a perceber.
Quem é que chora por mim vendo-me assim ir me perder? São alguns amigos, morridos? É meu avô? Minha avó? Algum passado inimigo ou amigo ou cachorro ou mesmo a lagartixa que matei e enterrei no quintal de minha infância? Seria um Deus me dizendo pela chuva pare menino ainda há tempo, pare, ainda há jeito.
Num impulso então eu me lanço a todo o pranto. Estico o braço direito e na ponta dele uma ponta em fogo queimando. Abaixo a cabeça e me debruço sobre a janela. Não vou sair dali até que tenha se apagado esse fogo que eu mesmo acendo e que agora me dispersa. Esse fogo que eu mesmo acendo e nele me ateio feito fosse pegar fogo alguma brincadeira perversa.
O braço esticado. O céu nele caindo. Eu começo a desenhar o simbólico que eu preciso. O corpo doendo tentando resistir mais um tempo que seja tentando segurar essa juventude que se estupidifica. Eu tento. Eu crio. Eu invento uma rima vendo assim todos chorarem por mim. Não me orgulha. Me desespera. Eu mantenho o braço além da janela e prometo a mim mesmo, dessa vez pelo simbólico, há de apagar essa chama. Hei de secar, molhando o corpo a pranto e não mais a sangue, essa chama que me consome.
O braço ali esticado. O céu nele caindo é o simbólico que sinaliza o imediato. Ergo a face e vejo a chuva tingindo a superfície do meu aniquilador diário. Morre logo cigarro, morre logo cigarro. Eu quero você aqui na minha boca mas sendo você meu veneno meu aniquilário eu não quero eu o quero distante quero ver-te tremendo de frio quero ver-te molhado, por isso, molha, molha céu.
O braço esticado as pernas e os pés revoltados. Como pode o nosso dono ser assim tão retardado? Como pode esse menino querer ser grande se já se reduz em cinzas e num caminho contrário? Algumas restrições a vida lhe impôs, mas então que brilhe na sua imensa capacidade para este simbólico do agora.
Chove tanto lá fora. Eu começo a me convencer, pois esticado o braço com o cigarro, o céu pareceu protestar e sinalizar com mais empenho e força a morte daquilo que me mata, portanto, deixo o braço esticado e é realmente desse simbólico que eu me alimento.
Eu quero ser música, mãe. Você entenderia? Você me entenderia? Se eu te falasse assim um dia, mãe, não quero mais ser filho quero ser melodia. Você me entenderia, mãe? Me entenderia, ainda assim? Eu toco esse piano imaginário eu te faço acreditar que em mim as coisas querem funcionar, mais uma vez.
O braço molhado. Eu ouso manipulá-lo. Aponto o cigarro para o céu. É para lá que ele quer me levar. Mas chorando tanto assim dessa forma, as gotas que eram dor agora reduzem ainda mais esse horror que os pés e pernas parecem temer.
Deixo o braço esticado e o tempo é o da morte. O tempo agora é o que pode haver entre a luz quente e pequena se esvaindo enquanto a chuva vem secando o fogo do cigarro na mão contido. Eu seguro. Preciso aguentar. É desse simbólico que eu preciso para viver.
Tudo passa pela vontade, pela vontade do desejo. Eu não posso deixar de macular este simbólico com essa autonomia que eu preciso conquistar. Por isso, de súbito, eu esmago água de choro e chuva e queimo com a mão qualquer possibilidade de invalidez que possa em mim permitir viver. Não vou deixar. Não vou morrer. Eu apago com a pele esse fogo que quer me queimar. Eu luto de frente. Eu posso aguentar.
Eu olho o céu parando de chover e vejo que a manhã se anuncia. Seria já o céu sorrindo a minha cura? Seria já o céu sorrindo para mim? Pode ser que sim. Isso sou eu também que posso ver. E vejo. E, de pensar, realizo.
Estou curado. O corpo doendo ainda porque nos segundos passados fui injusto. Preciso pagar ainda um pouco desse lapso. Mas se prepare corpo meu. Terás que sorrir enormemente mal se anuncie o próximo poente.
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Avanço à primeira delas. Surpreendo-me, já é noite. E mais, chove plenamente o céu inteiro. Avanço rumo ao quarto. O som alterna-se feito meu compasso. Eu queria ser música, mãe. Não queria ser carne nem osso. Queria ser compasso verso estrofe e não estorvo. Eu sigo até a janela do meu quarto. Arreganho a sua abertura, queria se possível que se escondessem as janelas por dentro das paredes e me fizesse dormir dentro mas sob este céu que cai. Este céu hoje está caindo.
Eu me encosto nesta parede de tantas vezes ali encostado. Vou fumar mais um cigarro. Mais um cigarro. Eu vou fumar. Ninguém disse não ninguém falou nada apesar de todos já me terem dito. Mas no final das contas sou eu quem digo. Eu fumo, eu me precipito. Eu ouvindo mais uma de todas essas canções fico pensando em qual delas posso eu ser. Eu preciso de um simbólico que me faça valer.
Chove tanto lá fora. Aqui dentro as pernas doem em profundo. Eu fumando construo dia a dia meu próprio túmulo. As pernas gritam primeiro os pés se contorcem em seu silêncio amedrontado. Eu não quero que seja assim e penso Alguém precisa me ajudar alguém precisa me ajudar. Como me tornei assim tão necessitado de ajuda?
Então eu fumo e o íntimo dói profundamente. O íntimo torna-se mais íntimo pois tudo nele fica nublado e se perdem os limites, eu fumando sou meu silêncio ampliado, disfarçado, enlouquecidamente dopado. Não quero mas continuo. Eu preciso de um simbólico não o contrário. Não há realidade que possa ser dita. Para conter a vida eu preciso de uma poesia que me faça nela mesmo ir me extravasar. Por isso chove tanto, eu começo a perceber.
Quem é que chora por mim vendo-me assim ir me perder? São alguns amigos, morridos? É meu avô? Minha avó? Algum passado inimigo ou amigo ou cachorro ou mesmo a lagartixa que matei e enterrei no quintal de minha infância? Seria um Deus me dizendo pela chuva pare menino ainda há tempo, pare, ainda há jeito.
Num impulso então eu me lanço a todo o pranto. Estico o braço direito e na ponta dele uma ponta em fogo queimando. Abaixo a cabeça e me debruço sobre a janela. Não vou sair dali até que tenha se apagado esse fogo que eu mesmo acendo e que agora me dispersa. Esse fogo que eu mesmo acendo e nele me ateio feito fosse pegar fogo alguma brincadeira perversa.
O braço esticado. O céu nele caindo. Eu começo a desenhar o simbólico que eu preciso. O corpo doendo tentando resistir mais um tempo que seja tentando segurar essa juventude que se estupidifica. Eu tento. Eu crio. Eu invento uma rima vendo assim todos chorarem por mim. Não me orgulha. Me desespera. Eu mantenho o braço além da janela e prometo a mim mesmo, dessa vez pelo simbólico, há de apagar essa chama. Hei de secar, molhando o corpo a pranto e não mais a sangue, essa chama que me consome.
O braço ali esticado. O céu nele caindo é o simbólico que sinaliza o imediato. Ergo a face e vejo a chuva tingindo a superfície do meu aniquilador diário. Morre logo cigarro, morre logo cigarro. Eu quero você aqui na minha boca mas sendo você meu veneno meu aniquilário eu não quero eu o quero distante quero ver-te tremendo de frio quero ver-te molhado, por isso, molha, molha céu.
O braço esticado as pernas e os pés revoltados. Como pode o nosso dono ser assim tão retardado? Como pode esse menino querer ser grande se já se reduz em cinzas e num caminho contrário? Algumas restrições a vida lhe impôs, mas então que brilhe na sua imensa capacidade para este simbólico do agora.
Chove tanto lá fora. Eu começo a me convencer, pois esticado o braço com o cigarro, o céu pareceu protestar e sinalizar com mais empenho e força a morte daquilo que me mata, portanto, deixo o braço esticado e é realmente desse simbólico que eu me alimento.
Eu quero ser música, mãe. Você entenderia? Você me entenderia? Se eu te falasse assim um dia, mãe, não quero mais ser filho quero ser melodia. Você me entenderia, mãe? Me entenderia, ainda assim? Eu toco esse piano imaginário eu te faço acreditar que em mim as coisas querem funcionar, mais uma vez.
O braço molhado. Eu ouso manipulá-lo. Aponto o cigarro para o céu. É para lá que ele quer me levar. Mas chorando tanto assim dessa forma, as gotas que eram dor agora reduzem ainda mais esse horror que os pés e pernas parecem temer.
Deixo o braço esticado e o tempo é o da morte. O tempo agora é o que pode haver entre a luz quente e pequena se esvaindo enquanto a chuva vem secando o fogo do cigarro na mão contido. Eu seguro. Preciso aguentar. É desse simbólico que eu preciso para viver.
Tudo passa pela vontade, pela vontade do desejo. Eu não posso deixar de macular este simbólico com essa autonomia que eu preciso conquistar. Por isso, de súbito, eu esmago água de choro e chuva e queimo com a mão qualquer possibilidade de invalidez que possa em mim permitir viver. Não vou deixar. Não vou morrer. Eu apago com a pele esse fogo que quer me queimar. Eu luto de frente. Eu posso aguentar.
Eu olho o céu parando de chover e vejo que a manhã se anuncia. Seria já o céu sorrindo a minha cura? Seria já o céu sorrindo para mim? Pode ser que sim. Isso sou eu também que posso ver. E vejo. E, de pensar, realizo.
Estou curado. O corpo doendo ainda porque nos segundos passados fui injusto. Preciso pagar ainda um pouco desse lapso. Mas se prepare corpo meu. Terás que sorrir enormemente mal se anuncie o próximo poente.
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quinta-feira, 28 de maio de 2009
então a altura das suas sobrancelhas.
Passa um menino e lhe vira o rosto. Ele aceita, não compreende, mas aceita. Retira da mochila uma maça. Põe-se a comer. O menino passa novamente e mais uma vez lhe vira o rosto. Ele digere mal a maça, já não consegue mais esconder. Promete para si mesmo no íntimo que se o outro passa mais uma vez e lhe vira o rosto,
O Um - Oi? Espera aqui!
O Outro (parando sem nada falar)
O Um - Você passou três vezes na minha frente e virou o rosto em todas elas.
O Outro (sem nada falar sugere quem cala consente)
O Um - Você não vai falar nada?
O Outro (não sente necessidade alguma)
O Um - Nada? Não quer nem deixar claro o porquê de me ignorar? Eu te fiz alguma coisa? Não, desculpa perguntar, mas eu te fiz?
O Outro (incapaz de sociabilizar)
O Um - Quem cala consente, é isso que você quer me convencer?
O Outro (cruza os braços e senta-se diante do Um)
O Um - Então, pelo menos, parece querer me escutar.
Olham-se fixos.
O Um - Eu não posso acreditar. Eu fiz alguma coisa, eu sei que eu fiz. A questão não é essa. A questão é: porque você haveria de me ignorar sendo que o que eu fiz é direito meu, você não poderia me incriminar...
O Outro - Eu posso te incriminar.
O Um - Você fala.
O Outro - Quando eu quero.
O Um - Porque vira o rosto?
O Outro - Porque eu quero.
O Um - E eu com isso?
O Outro - Eu não sei. Eu não te vejo. Eu viro o rosto. Você não me importa.
O Um - Mas você vira o rosto, não?
O Outro - Porque eu quero.
O Um - Sim, sim, porque é seu desejo. A questão é: e porque deseja tanto não me ver?
O Outro - Você cansa a minha beleza.
O Um - Ou a minha beleza é que fatiga você?
O Outro (reforça o cruzar dos braços e permanece mudo, calado)
O Um - Eu devo entender que quando você cala quer concordar? Eu entendo isso, é quase um mito universal, quem cala consente, eu devo entender desse jeito? Que a minha beleza é quem tira você do eixo? É tão difícil assim assumir uma postura? Você não se incomoda de andar solto cheio de angústias?
O Outro - Eu não estou cheio de angústias.
O Um - Alguma deve haver.
O Outro - Eu estou cheio de você.
O Um - Isso é ruim?
O Outro - Cheio de você.
O Um - É bom, então?
O Outro - Cheio.
O Um - Nem todos andam por aí tão completos assim. Deixa eu te perguntar, você me ignora porque você gosta de mim?
O Outro (silencia mais uma vez)
O Um - Eu não vou acreditar nesse cala consente, mas vou ter que te perguntar, porque em você as coisas não podem ser mais claras, menos agressivas, você sabe, isso tudo me faz parecer que você me odeia e que quer me ver morto. Você me odeia ou mesmo quer me ver morto?
O Outro - Eu não vou dizer.
O Um - Então me odeia. E quer me ver morrer?
O Outro - Eu não vou falar.
O Um - Ah, não vai?
O Outro - Não, não vou.
O Um - O direito é seu. Mas eu interpreto da maneira que for.
O Outro - Tudo bem. As coisas são assim, naturalmente. Eu também já interpretei o seu olhar faz tempo. Foi ele quem me disse as coisas que me fazem virar o rosto e reduzir, é verdade, um futuro tormento.
O Um - Oi, como é?
O Outro - Você entendeu.
O Um - Não, não entendi.
O Outro - Tudo bem, nem tudo na vida faz sentido.
O Um - Eu quero entender, não faz isso comigo!
O Outro - Não faço desde que controle então a altura das suas sobrancelhas.
O Um - Elas estão altas?
O Outro - Agora parecem mais calmas mas quase sempre me induzem a me esconder sob a mesa.
O Um - Que mesa?
O Outro - A do recreio.
O Um - Controlar a altura das sobrancelhas.
O Outro - Elas me assustam, é verdade.
O Um - Eu posso tentar.
O Outro - Controle.
O Um - Sim.
O Outro - E quem sabe assim, um dia eu possa te olhar, sem medo de temer.
O Um - Eu assusto você?
O Outro - Assusta sim. Agora você pode entender.
Parte o Outro ruma a outro destino. O Um fica ali sentado pensando num futuro não muito longínquo. Pensa por um segundo se deve usar trema ou não. Não chega a nenhuma conclusão. Percebe a sobrancelha mexendo e se concentra para evitar sua elevação. Ele a controla. Ele sustenta uma paz possível ao seu semblante. Nas mãos, uma maça amarelada espera ser comida. Será?
.
O Um - Oi? Espera aqui!
O Outro (parando sem nada falar)
O Um - Você passou três vezes na minha frente e virou o rosto em todas elas.
O Outro (sem nada falar sugere quem cala consente)
O Um - Você não vai falar nada?
O Outro (não sente necessidade alguma)
O Um - Nada? Não quer nem deixar claro o porquê de me ignorar? Eu te fiz alguma coisa? Não, desculpa perguntar, mas eu te fiz?
O Outro (incapaz de sociabilizar)
O Um - Quem cala consente, é isso que você quer me convencer?
O Outro (cruza os braços e senta-se diante do Um)
O Um - Então, pelo menos, parece querer me escutar.
Olham-se fixos.
O Um - Eu não posso acreditar. Eu fiz alguma coisa, eu sei que eu fiz. A questão não é essa. A questão é: porque você haveria de me ignorar sendo que o que eu fiz é direito meu, você não poderia me incriminar...
O Outro - Eu posso te incriminar.
O Um - Você fala.
O Outro - Quando eu quero.
O Um - Porque vira o rosto?
O Outro - Porque eu quero.
O Um - E eu com isso?
O Outro - Eu não sei. Eu não te vejo. Eu viro o rosto. Você não me importa.
O Um - Mas você vira o rosto, não?
O Outro - Porque eu quero.
O Um - Sim, sim, porque é seu desejo. A questão é: e porque deseja tanto não me ver?
O Outro - Você cansa a minha beleza.
O Um - Ou a minha beleza é que fatiga você?
O Outro (reforça o cruzar dos braços e permanece mudo, calado)
O Um - Eu devo entender que quando você cala quer concordar? Eu entendo isso, é quase um mito universal, quem cala consente, eu devo entender desse jeito? Que a minha beleza é quem tira você do eixo? É tão difícil assim assumir uma postura? Você não se incomoda de andar solto cheio de angústias?
O Outro - Eu não estou cheio de angústias.
O Um - Alguma deve haver.
O Outro - Eu estou cheio de você.
O Um - Isso é ruim?
O Outro - Cheio de você.
O Um - É bom, então?
O Outro - Cheio.
O Um - Nem todos andam por aí tão completos assim. Deixa eu te perguntar, você me ignora porque você gosta de mim?
O Outro (silencia mais uma vez)
O Um - Eu não vou acreditar nesse cala consente, mas vou ter que te perguntar, porque em você as coisas não podem ser mais claras, menos agressivas, você sabe, isso tudo me faz parecer que você me odeia e que quer me ver morto. Você me odeia ou mesmo quer me ver morto?
O Outro - Eu não vou dizer.
O Um - Então me odeia. E quer me ver morrer?
O Outro - Eu não vou falar.
O Um - Ah, não vai?
O Outro - Não, não vou.
O Um - O direito é seu. Mas eu interpreto da maneira que for.
O Outro - Tudo bem. As coisas são assim, naturalmente. Eu também já interpretei o seu olhar faz tempo. Foi ele quem me disse as coisas que me fazem virar o rosto e reduzir, é verdade, um futuro tormento.
O Um - Oi, como é?
O Outro - Você entendeu.
O Um - Não, não entendi.
O Outro - Tudo bem, nem tudo na vida faz sentido.
O Um - Eu quero entender, não faz isso comigo!
O Outro - Não faço desde que controle então a altura das suas sobrancelhas.
O Um - Elas estão altas?
O Outro - Agora parecem mais calmas mas quase sempre me induzem a me esconder sob a mesa.
O Um - Que mesa?
O Outro - A do recreio.
O Um - Controlar a altura das sobrancelhas.
O Outro - Elas me assustam, é verdade.
O Um - Eu posso tentar.
O Outro - Controle.
O Um - Sim.
O Outro - E quem sabe assim, um dia eu possa te olhar, sem medo de temer.
O Um - Eu assusto você?
O Outro - Assusta sim. Agora você pode entender.
Parte o Outro ruma a outro destino. O Um fica ali sentado pensando num futuro não muito longínquo. Pensa por um segundo se deve usar trema ou não. Não chega a nenhuma conclusão. Percebe a sobrancelha mexendo e se concentra para evitar sua elevação. Ele a controla. Ele sustenta uma paz possível ao seu semblante. Nas mãos, uma maça amarelada espera ser comida. Será?
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