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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Descolar


Com tranquilidade percebo
a importância de não tanto ver-te 
Contaria os dias 
Tento agora não contar 
Mas percebo
a tranquilidade de algum descolamento 

Você aí enquanto eu cá 

Existe algo numa vida que se sustente sem tanto precisar de outra vida? 

Pergunto como quem debocha
a resposta precipita na ponta da língua 
E eu querendo te beijar

*

Sem você tanto por perto
Eu teria que aprender inédito 
O que é isso que disseram ser 
O amor, confesso,

Eu ainda não sei se sei 
Mas sei que estou descobrindo 
Como quem revela uma face
Atrás da qual outras ainda 
Não são visíveis

É o que eu disse
Quando você perguntou se eu precisava 
De alguma coisa 
E a palavra você veio sem que eu pudesse perceber 

Então amanhã não, 
Depois também não,
E também não depois de novo, 
Haveria nisso uma escola
Que me ensinasse a arte do isso mesmo 

Porque é isso mesmo 
É assim como é 
E os sublimes serão instantes 
E o resto é vida prática beijinho obrigado boa noite te amo aquele abraço 

Gostoso
Sublime
e largo
um pouco
  

Querida futura criação ~

Disse meu horóscopo que o dia de hoje teria sido propício para iniciar novos projetos.

Pensei, logo ao ler a profética mensagem, que deveria te começar, dar início à sua, minha, nossa jornada criativa. Mas chego ao fim do dia exausto e não tendo feito nada, exceto desejado.

Desejei abrir um caderno e tomar notas, desenhar um pouco as imagens, imaginar um pouco as palavras. Mas o que resta agora são os últimos minutos do dia e eu aqui tentando precipitar um gesto que fosse a ti, para que possamos criar juntas a nós mesmas.

Te escrevo, portanto, porque venho pensando e te vendo, imaginando e desejando um punhado de gestos e dizeres e, dessa vez, também tantos movimentos. O tempo foi passando e eu fui indo distante do que desejava a ponto de ter desaprendido a saber o que desejo.

Sobre você, querida futura criação já em curso, já em viagem, eu te desejo com a delicadeza mais delicada, na calma menos raivosa, na força menos forçada. Te desejo não porque gostava que alguém salvasse essa minha vida, não por isso, eu te desejo porque ao afirmar tal desejo não sei mais o que dizer.

Não sei mais o que dizer, mas dentro, dentro, dentro eu sinto que faria bem à vida dispor-me desse jeito, querendo ao vivo, e em vida, movendo o corpo, os traumas todos, as belezas e suas tias e iras, eu venho desejando não provar nada a ninguém, mas provar a mim mesmo, colocar-me na boca e mastigar os hábitos para ver nascer, de facto, alguma doçura.

Tenho, faz anos, sido muito sisudo comigo mesmo. Tenho sido péssimo comigo mesmo. Ninguém aguenta por tanto existir sem o afago do carinho. Não digo permitir que se faça isso ou aquilo, isso também não é amor nem cuidado. Estou dizendo do carinho que celebra o gesto ínfimo, do reconhecimento mudo que mesmo sem falar diz algo interior como continua, menino.

Ou homem. Ou fiquei triste muito cedo.

Ou você, então, querida futura criação. Futura não porque você não exista ainda, nem bem porque você não esteja aqui presente. Mas futura mesmo porque o seu semblante é todo do adiante, a sua delicadeza mesclada em intensidades mil é um trunfo que anuncia não tempos porvir, mas éticas por firmar.

Querida futura criação, eu te desejo.

Com amor,
Liberano
 

Sem Título-3



tu pintavas apenas

talvez respirasse

secar

pintar apenas

pensava sobre a importância

passar a deixar

óleo demanda tempo

o gesto dos pincéis

não pensavas

não como quem espera

morrer e passar

mas como quem

horas talvez

enquanto eu óleo sobre tela

em movimento

em 2024

e sobre deixar secar

deixá-lo ali

de suspender o pensar

como quem deixa

assustar-se abruptamente

apenas

ao perceber que por tantos minutos

a pesar