Outro beijo.
Café quente, certo?
A luz já voltou.
O nosso fim quando vier nem vai doer.
A cada dia quando me despeço de ti
ou quando te vejo de mim partir, bom
eu sei tu sabes nós sabemos
que se trata ali naquele instante
de mais um fim.
A cada encontro nos damos de volta uma finitude.
Será que vai doer menos? Ou mais?
Nos acostumaremos em dar adeus
e por isso mesmo sempre precisaremos
nos ter para se despedir
e conseguir ir adiante?
Como quem não perdeu nada, sim?
Porque perder é se dar de novo ao jogo do encontro.
Nos perdemos eu acho ou sinto eu sei
para termos que de novo e sempre agora outra vez
nos fazer encontrar.
Pequenos infantes,
nos perdemos como em jogos de se esconder
e achar
nós perdemos para em nós mesmos
fazermos nascer o prazer
incontido,
do se tocar
do fazer estar contigo
do te colar em posição indescritível
e fazer assim
a vida parecer jogo
mesmo sabendo que
depois de tanto suor
haverá de acabar.
Quem dera a vida funcionasse em versos, não?
Ele coloca a caneca com o café por sobre a mesa.
Vez ou outra a retira. Para beber.
A caneca ainda está cheia, no entanto,
ele sempre longe de você.
Ele se dispõe a tentar entender.
Vez ou outra nada compreende. Mas é perceber
que o caminho é feito de ruelas esquinas e longas avenidas
para que as coisas se aceitem como são.
Ele bebe o café.
Ele pensa sua poesia.
Ele não fala nada.
É neste momento que acontece a sua vida.
Sua vida ali daquele jeito naquele batimento está andando.
Bebe o café, faz sua poesia
junto a ti o tempo vai passando
a saudade dos entes mortos se refazendo
indo e voltando
rindo e pisando
para não te deixar esquecer
Que o fim, no final das contas,
pode ser só mais uma coisa.
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Mas não.
Vamos contar uma história de amor.
Ela começou. Um dia ela terminou.
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Não.
Vamos tentar falar sobre a morte.
Você nasce e começa a morrer. A morte é a sinceridade de toda democracia.
É aquilo que um político pode prometer e que, sim, conseguirá cumprir.
Nascemos morrendo.
Mas o que isso propriamente tem a ver com finitude?
Tem a ver com fim. Tem a ver?
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Talvez.
O café acabará em breve. Primeiro na caneca. Ele bebo mais um pouco.
Ainda há bastante. E está quente. E o calor que se deitou por dentro aqui de mim
Já se dissipou. Como pode. Isso não é tempo. É natural das coisas. É movimento.
Eu dizia… O café da caneca em breve acabará. O café da cafeteira também.
Depois o pó de café. E que eu pare por aí:
continuarei vivo.
o fim não coincide com a morte.
o fim é vírgula. tropeço.
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Eu não queria já escrever qualquer coisa. Mas é preciso. É preciso? Olha, essa confusão por estar vivo é incrível. É incrível? Hoje eu tirei o dia para duvidar de mim. Para ver até onde consigo ir. Hoje eu sou fluxo. Querendo abraçar a multidão. Ora, se agora sinto querer chorar. Que fazer? Eu vou ser rio, não posso evitar. Depois acaba. O fim é aquilo que assegura o continuar da estrada. Ou você acha que os suicidas se permitem ir porque entendem que é fim? Não. Eles partem porque não conseguem visualizar fim possível. E morrer não encerra nada. Ficaram todas as duas cravadas em mim feito persistência. Não se concluíram. Hoje eu as olho – aqui na minha cabeça – e tenho medo de as assustar. Porque eu mudei já tanto e no entanto, elas continuam com aquele sorriso de criança querendo ser grande. Ai, eu não queria chorar. Ou queria?
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O menino querendo ser homem – Do que eu quero falar?
A mulher querendo ser menina – É. É simples. O que está gritando dentro de você?
O menino querendo ser – Não tem nada gritando dentro de mim.
A mulher querendo ser – Então vai viver.
O menino querendo – Espera… Eu tô vivendo. Mas nada grita. Tem que ser grito?
A mulher querendo – Ou algo que seja tão forte e capaz de despedaçar.
O menino – O silêncio me destrói. Eu já te falei isso. Você deveria saber.
A mulher – Te destrói como? Eu esqueci. Como?
O menino – Não me deixa dormir. Domina meus pensamentos. Eu não sei…
A mulher – Então seja concreto. Qual silêncio agora fala aí dentro de você?
O menino – O medo.
A mulher – Medo todo mundo tem. Seja específico. Você quer mesmo ser um artista?
O menino – Eu sou um artista.
A mulher – Então tá…
O menino – Não deboche. A questão é o como.
A mulher – Nada disso. Anda. Fala do silêncio.
O menino – Silêncio não fala.
A mulher – Então fala de como se movimenta.
O menino – Como você sabe que ele se mexe?
A mulher – Eu tem algumas dezenas de anos a mais que você. Já me movi de patins, patinete, mobilete, carroça, trem, barco, fusca, metrô, bondinho, moto, bicicleta, pedalinho, ônibus e também sozinha e também pelo silêncio.
O menino – Eu nunca andei num fusca.
A mulher – As coisas saem de moda. Acabam. C’est fini.
O menino – Espera.
A mulher – Ele falou?
O menino – Não. Foi você. Você disse o meu medo.
A mulher – Sair de moda?
O menino – Não. Acabar. Ser. E no dia seguinte. Ser fim. Não ser.
A mulher – Muita coisa. Fecha um pouco.
O menino – Ser fim.
A mulher – Deprê…
O menino – Não. Não quer dizer morte, que acabou, isso ou aquilo… Quer dizer… Como dizer…
A mulher – Você está confuso. Quer parar?
O menino – Não. Eu continuo. Eu continuo porque eu sei que numa hora qualquer isso aqui, entre eu e você, o nosso diálogo, o nosso toque, a nossa escuta, mesmo o nosso cigarro… Eu continuo porque tudo isso, numa hora como esta agora, acabará. Como se diz?
A mulher – Fim.
O menino – Não. Não gosto de ponto final.
A mulher – Então fica com talvez.
O menino – Não. É certo. Concreto. É que as coisas vão… Sem fim, mas já se indo…
A mulher – Agora você tá me confundindo.
O menino – Fique atenta a isso. À confusão. Daqui a pouco ela vai acabar. E é disso que eu falo. Dessa sensação. Do ir que chega. Do futuro que se faz presente e logo passado. Eu não falo de tempo. Eu falo do inevitável. Do movimento. Das coisas que se consomem e somem deixando em nós só seu grito, que já nem mais é grito, é apenas eco…
A mulher – Você tá virando um poetinha, sabia?
O menino – Sim, eu sabia. Mas vai passar, não se preocupe.
A mulher – E ainda teima em me dizer que não se trata da morte.
O menino – Não se trata. Olhe você.
A mulher – Que tem eu?
O menino – Está de pé. Viva. Velha. Consumida. Eu te pergunto: o que hoje em você se concluiu? Ou: tudo o que você carrega consigo é contínuo, as coisas em você não já se foram, já não pontuaram em você seu fim de partida?
A mulher – Você está confuso.
O menino – Vou dormir.
A mulher – Amanhã, quando acordar, me faz um café. E me acorde. A gente continua.
O menino querendo – A gente continua.
A mulher querendo – Eu não vou conseguir dormir com facilidade.
O menino querendo ser – Eu vou demorar a dormir.
A mulher querendo ser – Demore até conseguir.
O menino querendo ser homem – Sim. Uma hora há de acabar. Nem que seja pelo cansaço.
A mulher querendo ser menina – Eu tô exausta. Até brevíssimo.
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Na metafísica, finitude é uma característica dos entes que modificam-se ou têm limites. Onde fica a metafísica? Quero conversar com ela.
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