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domingo, 5 de julho de 2009

certas covas não se escavam.

você sabe que está vivo quando se mata. não precisa ser abrupto, pode ser com calma. na refeição de cada dia, no cigarro tragado após um almoço equilibrado. você sabe que está vivo não por andar alegre e confiante. não sabemos que há vida quando os semblantes todos sorriem desde antes. com o tempo a gente tem certeza que estar vivo não quer dizer estar andando, comendo ou falando. um dia alguém descobriu que sim que sim é possível morrer cantando e falando e seguir fazendo ainda em morte tudo o que transborda a vida. por isso, quando você dentro se debate, é porque há vida demais há vida demais. algo precisa morrer para continuar-se o caminho. alguém precisa tombar para fazer de nós seres menos mesquinhos seres menos sozinhos seres capazes de aglutinar os braços e tocar em mais peles além da nossa. certas certezas são tão abruptas que elas mesmas se auto-digerem e mudam os fatos. a vida tem disso, eu sinto. quando dói mais faz mais sentido. quando é menos colorida é porque algo real nela se escorre. sinto - mais uma vez - que sentirei mais e saberei menos. mais uma vez. mais uma vez.
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não estou confortável. não me sinto bem, estar mal antes de tudo é saber-se vivo. isso eu não discuto com ninguém. é inexorável. é pedra. é duro é fato. certas coisas não se perguntam certas covas não se escavam.
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sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ligeiro Pranto

- Eu não tenho muito para te dizer.
- Aproveite o tempo, invente se quiser, eu não vou me demorar.
- Você se acha, às vezes, realmente importante, não acha?
- Sim. Isso me acomete.
- Neste momento, portanto, queria te dizer que não procede.
- Que não o quê?
- Que você não é tão importante assim.
- Ah, não sou?
- Não.
- Não mesmo?
- É certo que não. (Ele se retira)
- Espera!

(Ele não volta).

- Frívolo! Infantil! Desmedido... É óbvio que ele importa, é óbvio. Mas não sabe brincar. Não sabe, eu sei. Não entende quando eu grito te odeio não compreende que pode ser amar. Acho por vezes que seja ignorante demais para mim. É bem o que acho. Incapaz de perceber essas sutilezas que fazem de mim quem eu sou. É bom mesmo que se tenha ido...

(Ele volta, fatigado)

- E eu achando que você viria atrás. Não sabendo brincar, poxa, me avisa. Isso evitaria ter corrido um quilômetro sem ninguém a me perseguir. Você me fatiga, às vezes. Olha, eu diria até mais. Acho que você cansa a minha beleza. Desculpa, mas parece haver em você uma inabilidade crônica, é verdade. Você é incapaz de brincar com as minhas palavras e ler meus olhos. O que faz? Permanece fixa no legível - no que eu digo - e perde a verdade aqui comigo...

- Aqui... Comigo. (Ele se aproxima dela) Dá-me um beijo.(Ele o faz) Com delicadeza, querido. Sou de pele não de pano. (Ele o faz com doçura, cria-se no olho dela um ligeiro pranto) Está bom desse jeito. Você me satisfaz. Eu sinto dizer mas o que eu desejo em ti é o prazer.

(Ele se retira)

(Ela espera, confiante)

(Voam pombos negros diante dela, vindo de onde ele agora, não mais virá. Porque virou a página)

(Escurece sobre ela)
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(Ele.

Poética

Sibilar ao ouvido

Algum gemido há muito contido

No ranger das peles,

Salta um dedo

Corrupto desejo do silêncio

Em mim carrego o peso

Ou a falência de um medo

Posto agora as mãos

Ultrapassem o número dois

Dos dois

O que pode ser um só

Ser

Como pode converter

Um estado um sentido

Na menina ou no menino

Confunde o corpo

Alterna o pensamento

Hora queres mais

Hora queres mesmo

E nunca resta tempo

Para apenas esquecer

Para apenas se perder

Na incapacidade plena que deita em ti

Como pude nascer assim?

Uma interrogação não te leva a nada

E mesmo a um ninguém

O silêncio progride como fosse o novo

Amém.

Alguém me escuta?

Alguém pergunta sem questionar

Eu não sei se foi comigo

Mas o que sinto é de se estranhar

É dentro

Tem remendo

Ou pode mesmo me devorar?

Disse eu mesmo precisar da dor

Que venha de surpresa e me faça tombar

E agora que faço

Tombado no chão pisoteado

Que faço eu se o sorriso quebrado

Junta-se aos cacos

E faz da manhã

O seu mais novo e último

Mosaico prosaico de um lapso

Contornável?

Resto.

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