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sábado, 28 de dezembro de 2024

Força subterrânea [um excerto]

Tenho a sensação de que o final desse ano é também uma espécie de despedida. Foi um ano de lamúria e força. Força subterrânea. Alguma força que me protegeu e me fez conseguir continuar, no entanto, uma força que eu não sei de onde possa ter vindo, mas veio, me guiou e sustentou. Mas, no entanto, só o que ganhou destaque foi a lamúria, o desespero etc.

 

 
Porto, 28 de novembro de 2022

  

Suas perspectivas quais seriam?

Respondo em primeira pessoa, mesmo sem saber quais outras em mim estariam, o que mais além de mim neste eu sobrevive.

Respondo que a realização é um princípio cinético, fico todo arrepiado com esta possibilidade. Não é um retorno, não é bem uma saudade. Antes, realizar é fazer acerto de contas com a vida em sua vitalidade. 

Vive-se mesmo que sem vida pujante. Vive-se mesmo que sem vida. Vive-se mesmo que sem desejar futuros, mesmo que sem desenhar paisagens.

Tenho cá meus motivos, para ter parado de desejar. Como máquina quebrada, fábrica de si ausentada, estive aqui mesmo sem estar. Sofri, chorei, comi, gozei, repetidas vezes, mas o brilho quase nada. A baixa saturação fez em mim duas épocas: o tudo e o sempre.

Agora, honesto, sinto que estou bem mais em algo no que em tudo. Bem menos querendo apenas sobreviver e mais mesmo estou querendo compor ruas, desatar sonos, germinar sobremesas, sei do cansaço, mas sei que cansei de estar cansado, foi por quantos anos? 

Foi imenso. 

Minha perspectiva é criar. Compor. Fazer e acontecer. E isso é sem gritaria. Mas escorre a gota, do ímpeto, da muita vontade, escorre quente o desejo da comunidade de agentes que mais e melhor fazem a tal bagunça corajosa. 

Falo em primeira pessoa para falar para fora, bem fora, para falar ao que existe para além dos meus tão cansados medos. 

Sobrevivi, facto. Agora desejo. Eu agora desejo. 
 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

3.110

o verso
se não arruma
a vida o verso
ao menos
ele disputa
com a ignorância
e faz saber
que se não é isso
poderia ser
ter sido
poderia aquilo
ter assumido
o controle
desta vida

quis dizer que sim
fez diferença
sua dedicação
faz diferença
você me pergunta
se sim e eu não hesito
sim, sua dedicação faz
diferença

anda cá
o homem à direita diz
em voz amena
anda cá
e é no cá onde agora
estamos
o que vês
foi uma pergunta
o que vês?

o outro responde
que não consegue ver
direito, mas que talvez
talvez, ele diz, o outro
talvez seja
(como é que chama mesmo?)
foi uma pergunta
ninguém o responde
o que estava sentado
ri atrasado

o nome que ele procura
é três milhares
são três
ou é três
três milhares cento e dez
o outro corrige
o outro concorda
o outro celebra
é sempre o outro
nunca o si mesmo

e isso tudo de poemas?

essa palavra estranha

(poemas?)

e quase todos sem sacada alguma
quase todos sem nada exceto isto
isto?
isto
isto mesmo
isto
percebes?

eles balançam a cabeça
os olhos quase fechando
ainda o sono
ainda a vida
ainda haverá pranto, caro poema, portanto
segure firme
esperamos que demore
mas segure firme

se não sabes amar a vida
não me peça para destruí-la
a fim do seu divertimento
se não sabes, não me peça
aprenda a
aprenda
 

não um flanco

e, honestamente, este vinho
há de colocar o mundo embriagado

envolvido em versão
instrumental
talvez houvesse menos tiro
menos morte
com que força o homem pode
destruir tudo
ou quase tudo?

um cansaço ancestral
coisa antiga e de antes
tomba sobre o mundo
nesse exato instante
e pronto
já não seria possível destruir nada
nem mesmo este
segundo

lento
como quem sono
ou sina
a paz alada pousa
sobre as chaminés
e faz imensa
cinza

que volteia
dentro
de cada casa
que volteia
entre as esquinas
de cada avenida
um cansaço
um sono
uma vontade de ter as chaves
para desligar a guerra
a rima
a sina
desautomatizar tudo

veja

como é bom
um segundo
nada do outro
saber

como é bom
e é bom
como é
isso
dessa tranquilidade
de confiar
que a morte viria
desde dentro

uma febre
não um flanco
não um flanco
que paz
que sono
que vinho
que tanto