Não vai dormir?
Sono não me falta.
Falta?! Por que você ainda usa essa palavra?
É mais costume ao dizer do que propriamente trauma.
Espero mesmo que seja só o costume. Que já não é bom.
Demora um tempo até o sofrimento virar afirmação.
Explique-se.
Demora. Até você explicar ao seu corpo, fazê-lo entender que o sofrimento, apesar de genuíno, é despropositado.
E como você faz isso?
Gasta tempo. Tem que se deixar sobre o chão de casa por horas a fio. Mas sem relaxar. É preciso ficar atento. É preciso concatenar os fatos e fazer com que se perceba que apesar das belezas, apesar das revoluções, ainda assim, um corpo é sempre só. Só um corpo só. Ainda que acompanhado, um corpo é sempre só um corpo.
Teoria confusa essa.
Não precisa ser outra coisa.
Mas é clara? Eu pergunto: para o seu corpo? Ele, o seu corpo, ele entendeu?
Sim. Não tenho dúvidas.
Como você consegue?
Ele compreendeu e não precisou dizer nada. Balançou a própria cabeça, não em consternação, mas em compreensão.
Nem teve lágrimas dessa vez?
Nenhuma, acredita?
Acho precária essa sua situação.
E a sua não?
A minha?
É.
Ah, é outro tipo de precariedade.
Diga lá.
Não sei se posso.
Por quê?
Não compreendi de fato tudo o que estou sentindo.
Ah, então algo te falta?
Rancoroso você, hein?
Não, mas se escute: "tudo o que estou sentindo"! Tudo mesmo?
Não quis dizer isso. Foi costume. Como você disse anteriormente.
E o que mais?
Eu estou inflado. Estou completo. Essa é a minha condição mais precária porque me faz esquecer de quem eu sou, de como eu sou quando liberto de tudo isso, sem todo esse... Como se chama? Esse, não é amor, esse enamoramento todo, compreende?
Ele se deita sobre o chão da sala.
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