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domingo, 24 de novembro de 2024

Winter

Cada um com seu pesado casaco
Os homens tomam suas bebidas
Na frente da tasca
É domingo. 

A árvore alta tremula
No vento ela confessa
A beleza divina é toda
Sua. 

O motorista, mesmo ele
Não ousa conduzir mais rápido
Do que o lento
Que sono. 

Pensar nos abraços 
Na maciez de sua voz 
No laço 
Que calor. 
 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

ela chegou em casa

após um longo dia
de muito trabalho

em vez de se matar
abriu um pote de azeitonas
com pimentos vermelhos

e comeu tudo
sem nem tocar
no vinho

que agora
enfim
ela degusta

*

viva a azeitona
a vida, viva
viva

*

e o vinho
 

dificuldade

imaginar que no mundo
duas pessoas
conversam bem entre si
mas que, no entanto
aquilo que uma diz
é meio que ouvido
pela outra

meio que
o que seria isso
meio que o quê
o que seria
isso de meio que
meio que entender
meio que ouvir
meio que se dedicar a

é difícil

imaginar que duas pessoas
nesse mundo
conversam bem mas que
no entanto, entre si
aquilo que é ouvido
uma diz à outra
é meio que

meio isso
que seria o que
meio serio o isso
que que que
isso de meio entender
que meio que ouvir
meio que se meio
dedicar-se ao meio
a

difícil, viu?

difícil

ouviu?

baita dificuldade
 

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

o eu se infiltra

Os versos deste poema
não são pedra
E se fossem, sabemos
rachariam
Tantos sustos e climas
violentas ventanias
A erosão que uma língua causa
nem silêncio remendaria

Dizia que sim
o eu daria o seu jeito
de rasgar o impedimento
O eu viria manso e vago
daquele conhecido jeito
E feito um convidado
não tão surpresa assim
já logo seus pés olhem ali

sobre o limpo estofado. 

O facto de teres arrancado o seu eu de todos os poemas não te torna menos apaixonada por ele
ou por si mesma

atenção 

tirar o eu do baile
não é para assassiná-lo
mas sim para que encontres
outras obsessões. 
 

O peso da mão do mundo

Já era hora
de não aceitá-lo 
Simplesmente isto
não aceitar o peso
dessa imensa mão 
que tomba sobre ti
e cessa a circulação 
de alguma graça. 

Fazia tempo
que o mundo
Isto, esta realidade
impiedosa 
vinha brincando
com a fineza dos seus
joelhos, com a sua juventude 
barulhosa que pensa
Vou morrer
a cada esquina. 

O medo inventou cabana
dentro do seu peito. 

Já era hora. 

Para destituir o império da mão do mundo sobre o seu sorriso, não é difícil perceber, seria urgente fazer alguma graça. 

Debochar. 

Devolver a ironia ao calor dos dias. 

Ser horrível, ridículo, corretamente incorreto
queremos dizer 

Não 

Não se peça calma
não me peça calma
 

Fresta

Disseste ter visto algo
Algo que não soubemos nomear
Mas disseste que sim
Acho que vi
Penso ter visto 
E fomos dormir
Afagadas brevemente 
por um nome indefinido 
mas algo. 

A noite talvez tenha dado corpo ao mistério. 

Uma das duas amanheceu
mais tranquila 
A outra ainda atravessada
por ter visto
naquilo que a outra viu
Outra coisa
Outro algo
Algo realmente 
- ela procura as palavras,
enquanto tomam o café -

- Qualquer coisa, enfim, me chama e a gente conversa, está bem?

A outra confirma, enquanto mastiga o pão e o fiambre. 

Faz sol do lado de fora. 
 

sábado, 9 de novembro de 2024

amanhecimento

amanheceu

dói o corpo logo assim
que se senta
ainda sobre a cama
ainda meio com
meio já sem
cobertores

dói o corpo

a vista recém-aberta
oferece um diagnóstico
que por nome
se chamaria
O Costume

ele olha o piso do apartamento
ele vê as roupas meio ali
empilhadas
ela lembra, a cabeça
de que hoje é preciso aquilo
e isso
e aquilo
e mais isso
e pronto

O Costume
a vista bem aberta
oferta, sem ser pedido
o seu diagnóstico
previsível
é sabido
deste antes

Esta vida está errada.

Uma vida errada
como seria isso possível?

Não é uma vida aquilo que é?

Quem pode dizer de uma vida
que ela está em falta?

Em falta com um modelo?

Mas eles ainda existem
os modelos?

O Costume amanhece sentado na beirada daquela vista
cansada
O Costume olha à casa
ele diz

Esta vida está errada.

Mas a vida
esta vida
esta vida está mais
é cansada

desse olhar
dessa seita ou diagnóstico
desse comentário ágil-nefasto
desse desconforto
de ser refém desse estranhíssimo
e diário

auto ódio.
 

Eclosão

Inclusive havia alguma espera
Espera, inclusive
Como se o momento oportuno
ainda não tivesse se tornado
oportunidade

Houve espera, paciência, mesmo
Inclusive, houve espera
a saber: chegará o instante
preciso em que um ao outro
diria

Isto não está a funcionar
não gostosamente.

E quando viesse
caso assim o fosse
diriam os dois palavras
desculpas seriam pedidas
seriam dadas?

Inclusive haveria uma desculpa
que no ar teria permanecido
desamparada, desculpa automática
daquela que é dita
quando não há mais nada

a ser dito

seria preciso atualizar

as palavras muitas vezes não servem

seria preciso, inclusive, que depois
não por piedade, mas por parceria
ambos se abraçassem
e se beijassem
e se soubessem parte

um do outro, mas

Quem puxa o abraço?
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

corre

sem esquecer
o cenário posto
é sempre melhor
do que o que vês